“Cariocas não gostam de dias nublados”, diz a letra da música. De fato, os moradores da capital ou da região metropolitana do Rio de Janeiro estão acostumados a conviver com muito sol e calor – até mesmo no inverno, que neste ano registrou 38,9º Celsius (ºC), em 15 de setembro, no bairro de Santa Cruz, Zona Oeste da capital. Mas a preferência pelas temperaturas mais elevadas pode ser posta em xeque quando enfrentamos o desconforto térmico nas chamadas “ilhas de calor”, áreas geralmente mais aquecidas por conta da densidade urbana.
O professor Andrews Lucena, do Departamento de Geografia (DeGeo/UFRRJ), investiga esse fenômeno há duas décadas, desde a época de sua graduação na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ele utiliza imagens de satélite da Nasa, agência espacial norte-americana, para acompanhar a evolução das temperaturas dos solos da região metropolitana do Rio de Janeiro, de 1984 até hoje. Seu estudo constatou que as áreas mais quentes são aquelas onde houve retirada de vegetação ou utilização de materiais de construção que retêm muita energia.
“Eu trabalho com os dados da superfície, não com os do ar”, ressaltou o pesquisador. “Os satélites me indicam a temperatura do solo. Contudo, esta também é determinante para a elevação da sensação térmica, contribuindo para a criação de cinturões de calor na região metropolitana.”
Lucena identificou pontos em que a temperatura da superfície chega aos 60°C, ou até mais. “Dependendo do tipo de material utilizado, o calor aumenta bastante. Nas favelas, por exemplo, onde é comum o uso de telhas de amianto, um aparelho infravermelho pode medir de 70 a 75°C. Isso, consequentemente, vai elevar a sensação térmica nesses locais”, disse o pesquisador.
Calor se espalhando — Uma das observações do professor foi que, nos últimos dez anos, houve ampliação das manchas de calor, atingindo também os locais com índice mais baixo de urbanização. Esse é o caso de Seropédica, como ele explica: “O município mostra um setor muito aquecido, não necessariamente por causa da área urbana, mas devido à presença dos areais. Assim, a gente nem pode usar o conceito clássico de ‘ilha de calor’ do século passado, que estava ligado a regiões urbanizadas”.
Em seu estudo, o pesquisador utiliza o termo “ilha de calor polinucleada” para dar conta das variações que encontra num mesmo território. No município do Rio, por exemplo, as regiões mais amenas são as de morros e florestas – como nos maciços da Tijuca, Pedra Branca e Mendanha. Espaços de parques e de áreas verdes (como o Jardim Zoológico, na Zona Norte, ou o Campo de Santana, no Centro) também contribuem para aliviar o calor no entorno. Nesses pontos, a temperatura média da superfície fica em torno de 30°C, o que não é alto para o solo.
Por outro lado, há verdadeiros caldeirões na capital e no Grande Rio. Entre eles, bairros da Zona Norte como Olaria e Bonsucesso; localidades ao redor da Avenida Brasil; e, na Zona Oeste, os centros de Bangu, Campo Grande e Santa Cruz. Na Baixada, termômetros ficam em alta em Duque de Caxias, Nova Iguaçu, Mesquita e Belford Roxo. Em São Gonçalo, a vida também não é fácil no verão, com a maioria dos bairros sofrendo com as altas temperaturas.
De acordo com Lucena, as manchas de calor coincidem justamente com a ausência de cobertura vegetal, que é retirada para a construção de grandes obras ou estradas. No caso do Rio, o satélite indica setores próximos às grandes rodovias: Linha Amarela, Via Light, Arco Metropolitano, entre outros. A presença de grandes indústrias também faz subir os termômetros. Enquadram-se neste caso o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), em Itaboraí; a siderúrgica ThyssenKrupp CSA (vendida recentemente para a empresa Ternium), no bairro de Santa Cruz; e o Porto de Itaguaí.
Pode piorar — Segundo Lucena, o fenômeno das ilhas de calor pode se espalhar mais ainda se mantivermos o atual ritmo de degradação das áreas verdes, além do uso de materiais que acumulam muita energia. Então, como amenizar isso?
“Devemos aumentar ou manter as áreas verdes já existentes”, defende o docente. “São elas que vão ‘filtrar o calor’, vamos dizer assim. Uma segunda medida é alterar o tipo de pavimento utilizado. Que ele seja menos escuro, tenha maior condutividade térmica e menos absorção de energia.”
Por utilizar as imagens da Nasa, o trabalho do professor da Rural chamou a atenção da agência espacial, que o convidou para publicar um artigo (leia em https://goo.gl/JmjmRo). “Queriam que eu fizesse um panorama do clima urbano do Rio de Janeiro nos últimos anos”, explicou Lucena, que também lançou um site (www.climatologia.com.br) para divulgar os resultados da pesquisa. Por enquanto, estão disponíveis apenas os dados do município do Rio. “Em breve, as outras cidades serão incluídas”, garantiu o docente.
Por João Henrique Oliveira (Coordenadoria de Comunicação Social/UFRRJ)