Em nossa série sobre os 115 anos da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), já vimos que a instituição que conhecemos hoje teve origem na Escola Superior de Agricultura e Medicina Veterinária (Esamv), criada em 20 de outubro de 1910. Também ficamos sabendo que a atual sede, em Seropédica, só começou a ser ocupada a partir de 1947 – quando nascia, de fato, uma universidade.
Em sua trajetória centenária, a Rural passou por duas ditaduras. Durante a primeira delas – o Estado Novo de Getúlio Vargas (1937-1945) – ocorreu uma mudança significativa em sua história institucional. Em 1938, o governo federal decidiu que um novo câmpus seria criado no Km 47 da antiga Estrada Rio-São Paulo, no então município de Itaguaí (hoje Seropédica).
Já no segundo período autoritário – a ditadura civil-militar de 1964 a 1985 – a Universidade Rural passou igualmente por profundas transformações institucionais, além de ter sentido na pele os efeitos daqueles tempos sombrios.
De acordo com Lucília de Paula, autora do livro “O Movimento Estudantil na UFRuralRJ: memórias e exemplaridade” (Edur, 2012), o golpe de 64 produziu ações imediatas na instituição. “O Conselho Universitário (Consu) foi ocupado; o reitor à época, Ydérzio Vianna, foi detido; assim como o presidente do Centro Acadêmico de Agronomia (CAD)”, lembra a professora aposentada da UFRRJ.
Apesar da repressão, a resistência se fez presente na Universidade. O aumento no número de alunos e o caráter gregário dos alojamentos favoreceram, de acordo com Lucília, a organização estudantil.
“Tem até um relato do Vladimir Palmeira, grande liderança estudantil da época, dizendo que no Rio, entre 64 e 67, só havia movimento estudantil na Rural. Nas outras universidades, eles já haviam sido sufocados. Na UFRRJ, as pessoas moravam juntas no alojamento e dava para fazer reuniões sem ser muito visto. Mas depois de 68 [com o AI-5], isso é totalmente sufocado”, disse a pesquisadora, que atualmente leciona na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
A professora destaca ainda que o movimento estudantil foi se rearticulando no meio da década de 1970, lançando mão de estratégias para despistar a repressão: “A organização estudantil política tinha sido proibida por lei. Então, os estudantes criaram centros de estudos. Com esse nome, eles podiam ter uma organização”.
Foi durante a ditadura que se adotou a atual denominação: Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (Decreto 60.731, de 19/5/1967). Outras transformações aconteceram no período, como a transferência para o Ministério da Educação (sacramentada também pelo Decreto 60.731); e a aprovação do estatuto, em 1970, que ampliou as áreas de ensino, pesquisa e extensão. Em 1972, teve início o sistema de cursos em regime de créditos.
Em 1966, foi criado o curso superior de Química. Em 1968, as escolas de Agronomia e Veterinária se transformaram em cursos de graduação. Em 1969, foram iniciados os cursos de Licenciatura em História Natural, Engenharia Química e Ciências Agrícolas. Em 1970, surgem mais cinco graduações: Geologia, Zootecnia, Administração de Empresas, Economia e Ciências Contábeis. Em 1976, foram iniciadas as licenciaturas em Educação Física, Matemática e Física.
Já no período de redemocratização, mais um capítulo marcante do movimento estudantil ruralino: em 1988, a morte de um aluno motivou a ocupação do Palácio da Cultura, antiga sede da delegacia regional do Ministério da Educação (MEC).
A Rural liberou toda a sua frota de ônibus, e cerca de 400 estudantes e 15 professores desembarcaram na Avenida Presidente Vargas, e foram em passeata até o Palácio da Cultura, que foi ocupado. Após 30 dias, o ministro garantiu o aumento de verbas para a Universidade.
A retomada da democracia no país, a partir da metade dos anos 80, também se refletiu no ambiente interno da Universidade. Exemplo disso é a tradição da consulta pública paritária para a escolha da Reitoria, realizada pela comunidade universitária da Rural desde a década de 90. Tal dispositivo democrático reforça a autonomia universitária, independentemente do que é estabelecido pelas regras oficiais – já que ainda vigora a legislação da época da ditadura, que delega aos conselhos superiores a prerrogativa de indicar os nomes dos dirigentes das universidades (ver artigo 16 da lei 5.540, de 1968). (Para detalhes, clique aqui para ler a reportagem “Consulta pública para escolha da Reitoria consolida democracia na UFRRJ”).
Ainda na última década do século XX, a UFRRJ vai criar seu primeiro curso noturno em 1990: Administração de Empresas. No ano seguinte, teve início a graduação em Engenharia de Alimentos. Também em 1991, a Universidade incorpora uma Estação Experimental do Planalsucar, extinto programa do governo para desenvolvimento da área sucroalcooleira. Localizado em Campos de Goytacazes/RJ, o espaço é atualmente um dos quatro câmpus da Universidade.
Dois fatos marcantes também merecem destaque: na gestão do reitor Manlio Silvestre Fernandes (1993 a 1997), duas figuras importantes de nossa história receberam o título de Doutor Honoris Causa: Paulo Freire, em 1993, e Betinho, no ano seguinte. Ambos os homenageados são símbolos marcantes da resistência aos arbítrios da ditadura, além de promotores da democracia, da educação e da justiça social.
Na próxima publicação de nossa série sobre os 115 anos, vamos ver como a Rural entra no século XXI transformando profundamente o seu perfil – do passado agrícola e elitista para a instituição democrática e plural nos dias de hoje.
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Pesquisa e texto: João Henrique Oliveira (CCS/UFRRJ)
Arte: Samuel Tavares Coelho (CCS/UFRRJ)
Fotografias: Centro de Memória da UFRRJ, exceto as imagens da ocupação do MEC (acervo de Luciano Silveira, publicada em portal.ufrrj.br/os-espacos-de-representacao-estudantil-na-ufrrj) e da fachada do Câmpus de Campos (acervo CCS/UFRRJ)
Fontes:
https://institucional.ufrrj.br/ccs/ufrrj-onze-decadas-de-transformacoes/
https://portal.ufrrj.br/os-espacos-de-representacao-estudantil-na-ufrrj/