Com o objetivo de coibir fraudes no sistema de reservas de vagas, verificação foi adotada a partir de 2018
A Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) é majoritariamente composta por estudantes pretos, pardos e indígenas. Eles representam 54,7% dos discentes, conforme a Pesquisa Nacional sobre o Perfil Socioeconômico e Cultural dos Graduandos das Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes) realizada em 2018 pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes). Este perfil heterogêneo é consequência da Lei de Cotas, sancionada em 2012.
Desde a implantação das ações afirmativas, a reserva das cotas raciais era realizada mediante autodeclaração do candidato no ato de inscrição no Sistema de Seleção Unificado (SiSU). Nos anos seguintes, a autodeclaração não se mostrou suficiente para garantir o direito à reserva de vagas aos pretos, pardos e indígenas, e várias instituições criaram outros procedimentos para realizar o controle.
A UFRRJ e outras universidades públicas do Rio de Janeiro, em uma audiência com o Ministério Público Federal, realizada em outubro de 2017, foram instruídas a adotarem comissões de heteroidentificação étnico-racial como protocolo prévio à matrícula dos que se autodeclararam pertencentes ao grupo beneficiado pelas cotas raciais. E desde o período letivo 2018.1, a Universidade Rural instituiu como procedimento obrigatório aos candidatos a essa modalidade de reserva de vagas para pretos e pardos.
Como funciona a verificação
Para validar a autodeclaração firmada pelo candidato no momento de inscrição nos processos seletivos, no dia da solicitação de matrícula, ele entrega sua autodeclaração – documento assinado com a afirmação de sua identidade étnico-racial – e é entrevistado pela Comissão de Heteroidentificação. Os pontos analisados do indivíduo são os traços físicos aparentes, como a cor de pele, a textura do cabelo e os aspectos faciais, que identificam o candidato como potencial alvo de racismo.
O candidato autodeclarado indígena não passa pela entrevista. Para este caso, o ingressante entregará a autodeclaração preenchida e assinada, uma foto e anexará cópia do Registro Administrativo de Nascimento de Indígena (Rani), atestado pela Fundação Nacional do Índio (Funai), ou documento de pertencimento de comunidade indígena equivalente.
Para adoção das Comissões de Heteroidentificação em 2018, servidores receberam orientações técnicas da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seprir). A servidora da Pró-Reitoria de Graduação e membro da Coordenação das Comissões de Heteroidentificação, Janaina Nogueira, informa que os servidores passam por cursos de formação para integrarem as comissões. “Alguns deles são docentes e discentes de cursos de pós-graduação vinculados a pesquisas na área de educação e relações étnico-raciais. A formação é complementada pela frequente troca de experiência entre a Rural e outras instituições federais de ensino.”, explica a servidora.
Para Janaina Nogueira, a percepção dos membros da Comissão de Heteroidentificação é de que a maioria dos candidatos autodeclarados pretos e pardos tem correspondido ao fenótipo de estudantes negros, o que aumentou o percentual de candidatos deferidos ao longo dos processos seletivos realizados na UFRRJ desde 2018.
Denúncias de fraudes
No início do mês de junho, assim como outras instituições públicas de ensino superior, a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro recebeu manifestações pelas redes sociais de supostas fraudes no sistema de cotas. As denúncias recebidas na Universidade Rural referem-se aos anos anteriores à adoção da Comissão de Heteroidentificação. A UFRRJ publicou uma nota sobre o assunto.
As publicações feitas apenas nas redes sociais não são válidas para abertura de processos administrativos e de sindicância. A ouvidora da Rural, Teresinha Pacielo, orienta que as manifestações sobre as supostas fraudes no âmbito da UFRRJ devem ser encaminhadas por meio da Plataforma Integrada de Ouvidoria e Acesso à Informação – Fala BR, onde o cidadão pode se identificar ou optar pelo anonimato. Após receber, analisar e apurar as solicitações, a Ouvidoria as encaminha para a Prograd. “É importante que no ato da declaração sejam trazidos elementos e indícios de materialidade para facilitar o processo, como por exemplo, questões que comprovem a acusação.”, reitera a ouvidora.
Desde o início do mês e junho, a UFRRJ recebeu por meio da Plataforma Fala BR 86 manifestações: 48 denúncias e 38 comunicações anônimas.
Sobre os estudantes denunciados, Janaina Nogueira esclarece que “eles serão formalmente notificados e submetidos ao procedimento de heteroidentificação. Caso seja constatada ausência de características fenotípicas de pessoas negras, os estudantes poderão responder a processo administrativo para apuração das denúncias, sendo concedido a eles o direito ao contraditório e a ampla defesa”. Até sexta-feira, 26, a Pró-Reitoria de Graduação identificou trinta denunciados com matrícula ativa e iniciará os trâmites para a apuração destes casos.
Por Isabella Cabral* sob a supervisão de Alessandra de Carvalho (CCS/UFRRJ)
*Bolsista de Jornalismo da Pró-Reitoria de Graduação