Por Antonio Carlos Comodaro, bolsista da Coordenadoria de Comunicação Social (CCS/UFRRJ); fotografias: Miriam Braz (CCS/UFRRJ) (*)
Criado por iniciativa discente, após notícias de possível proibição de crianças nos alojamentos da Universidade, o Coletivo de Pais e Mães (Copama UFRRJ) completou cinco anos de atividades. De sua criação até agora, as alunas não apenas conseguiram autorização para que os filhos pudessem residir com elas durante o período em que estiverem alojadas, como estabeleceram um debate com a comunidade acadêmica sobre a permanência de pais e mães nas universidades.
O Copama
As discussões sobre a permanência de crianças nas dependências dos alojamentos da Rural tiveram início em 2012. Foi neste ano que o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro recebeu uma denúncia de que haveria crianças residindo nas moradias estudantis.
A partir da queixa, foram acionados o Conselho Tutelar e a Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (Proaes), responsável pelos alojamentos. Inicialmente, a solução encontrada foi a retirada das crianças. Mas isso foi descartado, “não apenas por seu custo social como também pelo transtorno à vida acadêmica das estudantes-mães”, como relata Maurício Fernandes Rocha em sua monografia para conclusão do curso em Ciências Sociais pela UFRRJ. Com o título Creche só não basta: um olhar sobre assistência estudantil, maternidade e gênero nas políticas das Ifes, o trabalho de 2017 analisa as políticas de assistência estudantil nas instituições públicas de ensino superior.
Em 2014, houve mobilização em torno do edital, lançado pela Proaes, que tratava do auxílio-creche para pais e mães que abrissem mão da vaga nos alojamentos em troca do benefício. A partir disso, surgiu a ideia de um coletivo que lutasse pela permanência nas moradias não apenas dos discentes como também de seus filhos. Assim nasceu o Copama.
“Antes do Coletivo, as mães eram convidadas a se retirarem dos alojamentos quando ficavam grávidas. Elas tinham que deixar os seus filhos com algum parente e voltar para a Universidade para concluir a graduação. O problema é que muitas delas acabavam desistindo”, conta a estudante de Psicologia Rafaela Cecília, integrante do Copama e representante discente no Conselho Universitário (Consu) – além de mãe de Dimitri, de um ano e onze meses.
Em pesquisa realizada em 2018 pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), 4,7% dos trancamentos de matrículas ocorrem em decorrência de licença maternidade. Na Rural, esse número segue a mesma tendência das demais instituições.
Conquistas
A experiência de se reunir em um coletivo para reivindicar seus direitos foi tão exitosa que outras pautas foram sendo propostas pelo grupo ao longo desses cinco anos.
Em 2016, o Copama e a Proaes organizaram o I Fórum de construção de políticas de permanência para discentes pais e mães da UFRRJ. Além de apresentar o Coletivo para a comunidade acadêmica, o objetivo do evento foi, sobretudo, sensibilizar para as dificuldades que gestantes, mães e pais estavam passando.
Deu certo. A Proaes reviu o edital para o auxílio-creche – não mais exigindo que as alunas abrissem mão da vaga no alojamento – e abriu discussão para a regularização das crianças.
Hoje, as crianças não apenas podem ficar com seus pais nos alojamentos, como existe um prédio especifico (F6) para receber discentes com filhos, mediante inscrição prévia e lista de espera. A lista pode ainda contemplar as “cabeceiras” – quartos individuais – que, além de pais e mães, são reservados para alunos com algum problema de saúde que dificulte sua permanência em um quarto coletivo (clique aqui para acesso à instrução normativa nº 01, de 29 de novembro de 2019).
Para entrar na lista de espera dos quartos individuais ou do F6 a mãe não precisa vir até a Rural. “Ela pode enviar um e-mail para o Setor de Residência Estudantil (sere@ufrrj.br), com a cópia da certidão de nascimento do bebê, e estará na lista”, diz Cinha Augusto, conselheira do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe) e mãe de Gabriel, 20 anos, Renan, 19, e dos gêmeos que residem com ela no alojamento: Arthur e Nicolas, de três anos.
Além disso, crianças acompanhadas dos pais até a idade de 12 anos não pagam alimentação no Restaurante Universitário (RU). Uma reivindicação antiga, mas que só foi atendida durante a ocupação dos alunos na Reitoria da Universidade em 2016.
“A gente colocou como uma bandeira do Coletivo e em todas as assembleias estudantis a gente tocava nessa tecla. Foi difícil conscientizar os alunos dessa nossa necessidade. Dentro do próprio Coletivo foi difícil. Isso tinha que ser exposto em assembleias com mais de 300 estudantes. Foi o que fizemos”, afirma Suelen Ferreira, graduanda em História e mãe do Miguel, de 9 anos.
Presente
Embora a experiência do Copama UFRRJ seja vitoriosa – e presente em três câmpus (Seropédica, Nova Iguaçu e Três Rios) – muitas das reivindicações ainda estão em aberto. As principais demandas do Coletivo hoje são o aumento do tempo de exercício domiciliar, acompanhando o tempo de aleitamento materno obrigatório, que são de seis meses; creche universitária; abono de faltas mediante atestado médico dos filhos; e institucionalização do F6 como “alojamento familiar”. “A gente conseguiu o direito de as mães ocuparem o F6, mas ainda não foi institucionalizado. Não foi votado no Consu”, diz Cinha Augusto.
Para o pró-reitor de Assuntos de Estudantis, César Augusto Da Ros, a permanência estudantil é prioridade para a atual administração. “Está pautado para o Consu deliberar. Deve acontecer o mais rápido possível. Faltam alguns detalhes. Falei com o reitor que precisamos dar prioridade para as questões sobre permanência e ele concordou”, garante Da Ros.
Como reivindicação que solucionaria boa parte dos problemas dessas mães e pais, a creche universitária é um sonho antigo que é pleiteado muito antes do Copama – e um dos grandes motivos para o Coletivo ter sido criado. Contudo, as sucessivas crises financeiras, cortes de verbas e trâmites burocráticos têm impedido um avanço. “Foi até destinado um espaço para a creche, fica no Caic. Mas, infelizmente, o material está lá, todo degradado com o tempo. A gente não consegue acessar”, disse Suelen.
Segundo o pró-reitor Da Ros, o maior embaraço para uma creche dentro do câmpus são os recursos humanos. “Não basta apenas ter o espaço, comprar brinquedos. O grande problema é ter um pessoal qualificado. Para isso, é necessário fazer concurso, o que depende de autorizações que vão além da Universidade”, explica.
Com relação ao abono de faltas por doença dos filhos, Suelen Ferreira disse que já tentou falar com os professores. Muitos entendem, mas existem alguns que ainda não se sensibilizam. “Já tive situação do meu filho estar com pneumonia, eu falar com o professor para me liberar e ele disse que não poderia, levaria falta e, consequentemente, reprovaria. Tive que ir embora, não teve jeito”, lamenta Suelen.
Por outro lado, há casos como o da estudante de Filosofia Cíntia Matias, que em seu perfil no Facebook saudou a atitude do professor Bruno Bahia (Instituto de Educação/UFRRJ). O docente concedeu um “certificado de filósofo-mirim” ao filho de Cíntia, pela participação do garoto na aulas, sempre ao lado da mãe. “Esse semestre foi um pouco complicado para mim, morando no alojamento com meu filhote e tendo que levar ele a todas as aulas”, relatou a estudante na rede social. “O gesto desse professor maravilhoso ajudou essa mãe ruralina e deixou meu filho muito feliz”.
A Pró-Reitoria de Graduação (Prograd) informou que não é possível abonar faltas de alunos mediante atestado médico dos filhos, “devido ao fato dessa especificidade não estar enquadrada dentro da deliberação que trata de justificativas de faltas para a realização de provas de segunda chamada”. De acordo com a Prograd, “oficialmente não existe ‘abono de faltas’, cada estudante tem direito a 25% de faltas e nada mais”.
Futuro
O grande desafio do Copama no presente, mas principalmente no futuro, é o de divulgá-lo para que cada vez mais mães e pais saibam onde encontrar apoio.
“Dentro da Rural, o Coletivo tem algumas atuações. Levamos o Copama para as calouradas, para falar que o lugar de mãe é dentro da Universidade. Temos que estar aqui sempre, resistindo e lutando, porque vivemos uma instituição que reflete o todo da sociedade, marcada pelo patriarcado e machismo”, ressalta Rafaela.
Entretanto, o Copama não pretende ficar restrito somente à Rural. O grupo já faz parte de um coletivo nacional que reúne representantes de todo país com foco em políticas para a permanência de pais e mães nas universidades públicas e privadas.
“Estamos indo para outros estados. Estive em São Paulo, há alguns dias. Pretendemos levar o Copama para Santa Catarina, no ano que vem, para um congresso sobre gênero, além de debater propostas sobre permanência materna no Fórum de Pró-Reitores de Assuntos Estudantis”, diz Rafaela.
(*) Exceto a fotografia com indicação de autoria na legenda.