NOTA DE REPÚDIO DO DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA DA UFRRJ AOS PRONUNCIAMENTOS DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA E DO MINISTRO DA EDUCAÇÃO SOBRE OS CURSOS DE FILOSOFIA
O Departamento de Filosofia da UFRRJ, em reunião ordinária, no dia 29 de abril de 2019, repudiou com veemência a forma irresponsável como a Filosofia foi tratada pelo atual governo. No último dia 26, através do Twitter, o presidente da República, Jair Bolsonaro, além de desrespeitar a autonomia das universidades, disse que haverá redução de investimentos federais nas faculdades de Filosofia e Sociologia, corroborando afirmação do ministro da Educação, Abraham Weintraub. Com isso, o governo pretenderia “descentralizar” investimentos no ensino dessas duas áreas de Ciências Humanas para “focar em áreas que gerem retorno imediato ao contribuinte.” Manifestar declarações de ódio ao mais variados grupos da sociedade por meio de redes sociais é uma tática de propaganda já bem conhecida do atual governo. Com isso, o Departamento de Filosofia da UFRRJ não apenas não fica surpreendido, como também se sente enaltecido de estar na companhia de mulheres, lgbtttis, indígenas, negrxs e trabalhadorxs em geral como alvo dos ataques do presidente. Não cabe aqui rebater argumentos inexistentes, mas denunciar o nonsense de seu posicionamento.
O investimento que o governo federal faz atualmente na área de Filosofia nas universidades federais é irrisório se comparado à totalidade dos demais cursos. Há nas universidades federais hoje 6337 cursos, dos quais apenas 87 são de Filosofia. Em um universo de 1.283.431 de alunos das IFES, apenas 11. 877 são dos cursos de Filosofia. Há 31 Programas de Pós-graduação em Filosofia atualmente nas Universidades Federais, num total de 2509 cursos. Em suma, os alunos, cursos de graduação e de pós-graduação em Filosofia representam cerca de 1% da comunidade acadêmica das IFES. Um suposto remanejamento de recursos de nossa área, portanto, não teria efeito relevante para as demais áreas, o que realça o caráter de factoide que a sociedade sempre espera dos bombásticos tweets da presidência. O governo vale-se de uma estratégia covarde, ao fortalecer preconceitos e estimular a desconfiança em relação à atividade intelectual tomada em si mesma. Não raro a vida de um pesquisador, de um estudante de graduação ou de um professor é atravessada por dúvidas e incertezas, e quem se dedica à atividade teórica precisa superar cotidianamente desconfianças que surgem de seu próprio afazer, que não encontra justificação imediata na utilidade.
Mas de que modo é necessária a Filosofia? É difícil responder a essa pergunta para quem não reconhece o valor intrínseco da produção de conhecimento. As e os egressos do curso são capazes de refletir criticamente, ler e compreender um texto e escrever de forma argumentativa e bem elaborada. Não se trata de formar “ativistas”, pois nem mesmo os filósofos que exaltam o caráter crítico na formação acadêmica pretendem doutrinar seus alunos, mas despertá-los para o questionamento. O curso da UFRRJ ocupa-se do objetivo de formar professores e pesquisadores com uma visão global e interdisciplinar, capazes de articular conceitos e dialogar com outras áreas do conhecimento. Com a intenção de promover a interdisciplinaridade, natural à Filosofia, uma gama de disciplinas de Filosofia é ofertada para diversos cursos dos mais variados institutos da UFRRJ, promovendo discussões de fundamentação sobre as ciências exatas, naturais e humanas, ética, política, direito, arte etc. Assim, o Departamento de Filosofia da UFRRJ forma profissionais não só no campo específico de atuação, como também contribui para formação em outras áreas do conhecimento que constituem a universidade. Por isso, é natural que quem deseja promover todas as formas de ignorância tenha como alvo privilegiado a Filosofia. Não é coincidência que o anúncio de cortes de 30% no orçamento de todas as universidades federais tenha vindo logo após a bravata mencionada.
Mas não é só como capítulo do desmonte da produção de conhecimento em geral que se deve entender o ódio à Filosofia. Sem conhecimento e sem cultura não há soberania. Países desenvolvidos investem pesadamente em ciência, cultura e educação. Com isso, esse governo que taxa em conjunto tais saberes e práticas de “inúteis” e “improdutivos” quer, na verdade, desestimular e inviabilizar qualquer forma de vida capaz de promover bens duradouros e verdadeira autonomia. Um país sem nenhuma tradição de pensamento, sem reflexão e cultura filosófica, é um país sem parâmetros avaliativos, um país facilmente colonizável por soluções fáceis e simplificadoras.
Nós, filósofxs, trabalhadorxs de uma universidade aberta a todxs, continuaremos a resistir junto a toda a população brasileira contra os ataques desse governo, com a promessa de que, agora e sempre, a Filosofia continuará a enterrar seus pretensos coveiros.