Entre os dias 3 e 6 de outubro, o grupo PET Conexões de Saberes do IM/UFRRJ promoveu a VI edição da Semana da Baixada, com o tema “Educadoras da Baixada” no câmpus Nova Iguaçu da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (Instituto Multidisciplinar).
O evento reuniu diversas professoras com atuação no magistério das cidades da Baixada Fluminense, mulheres vitoriosas em suas militâncias no campo da Educação, cujo desempenho ajudou a impulsionar a qualidade educacional na Baixada, contribuindo para o desenvolvimento e a melhoria da qualidade do ensino na região.
Organizada anualmente pelo grupo PET Conexões de Saberes do IM/UFRRJ, a Semana da Baixada é um evento destinado a criar oportunidades para trocas, gerando interações e espaços de diálogos entre os principais sujeitos, atores, agentes culturais, produtores e protagonistas da cultura e do conhecimento na Baixada Fluminense.
A mesa de abertura foi composta pelo diretor do IM/UFRRJ, Prof. Dr. Paulo Cosme de Oliveira, pela Profª Drª Fernanda Felisberto, atual tutora do PET Conexões de Saberes do Instituto Multidisciplinar da UFRRJ e pela educadora Valéria Lourenço, formada em Letras pelo IM/UFRRJ. Em sua fala, o professor Paulo Cosme exaltou a iniciativa da Semana da Baixada, já em sua sexta edição e acrescentou que isso é possível graças ao surgimento do câmpus do IM da UFRRJ numa cidade da Baixada Fluminense como Nova Iguaçu, propiciando o acesso facilitado ao conhecimento e criando as condições para estudos e reflexões como as que o PET Conexões de Saberes propõe em eventos como esse. Ele destacou também a presença da professora Valéria Lourenço, ex-aluna do IM nos idos de 2010 e que hoje é professora universitária de uma instituição universitária do Ceará. Ele também parabenizou a professora Fernanda Felisberto, do Departamento de Letras do IM/UFRRJ, por seu esforço e dedicação em levar o nome da UFRRJ para diversos locais do estado do Rio de Janeiro. Hoje, de acordo com o diretor do instituto, o curso de Letras da Universidade Rural é considerado um dos melhores do país.
Em seu pronunciamento, a professora Fernanda Felisberto destacou que o tema “Educadoras da Baixada” dialoga diretamente com o “fazer” da UFRRJ, na medida em que o Instituto Multidisciplinar forma, nos níveis do bacharelado e licenciatura, um contingente muito grande de educadores e educadoras. Ela ressaltou que a Semana da Baixada desse ano primou pela preocupação com a questão social, como na mesa com educadoras do DEGASE, nas mesas que refletiram as questões de gênero, as relações raciais e a que discutiu também a problemática da rede pública de ensino na Baixada Fluminense.
Também ressaltou a importância da presença da palestrante Valéria Lourenço, mulher, negra e professora com mestrado e que mostra ser possível obter êxito pessoal e profissional quando se investe em Educação como política pública. A tutora do PET Conexões de Saberes do IM/UFRRJ enfatizou a importância do diálogo do IM com outras instituições educacionais da Baixada e pelo fato da capacidade desse instituto de produzir conhecimento na margem e não “à margem” dos grandes centros urbanos. Por esse motivo, a professora Fernanda criticou o fato de muita gente ainda desconhecer a existência de uma universidade federal na Baixada Fluminense, como o câmpus do IM em Nova Iguaçu. Segundo ela, isso também é resultado da má sinalização do entorno da universidade. Portanto, o desafio de iniciativas acadêmicas como a Semana da Baixada é tornar visível o que é produzido em matéria de saberes teóricos, reflexões e troca de experiências, por locais convencionalmente tratados como “periferia”, caso de regiões como a Baixada Fluminense. Como tutora do PET Conexões de Saberes do IM, ela anunciou que vai promover intercâmbios de conhecimentos como outros PET’s de fora da Universidade Rural, como estratégia de aproximação e percepção das realidades sociais e educacionais distintas entre as várias regiões do estado e do país.
Em sua palestra, a professora Valéria contou que ingressou, aos 27 anos, no curso de Letras do IM/UFRRJ no segundo semestre de 2010, tornando-se também integrante do PET Conexões de Saberes do instituto. Foi para ela um misto de tensão e orgulho, pois era a primeira vez que pisava o chão de uma instituição universitária. Nascida e morando em Xerém, sendo mãe dois filhos, ela narrou as dificuldades pelas quais passou para conseguir concluir o curso superior, sendo uma delas a distância entre Duque de Caxias e Nova Iguaçu, trajeto que fazia diariamente naquela época. Foi no próprio IM que Valéria descobriu infinitas possibilidades de conhecimento, graças ao contato com diversos professores.
Depois de concluir o curso de Letras, foi para o Maranhão tentar o mestrado, sob a orientação da professora Camila do Vale, que é colaboradora do mestrado de lá, em Cartografia Social e Política da Amazônia. Foi quando surgiu a possibilidade de fazer um concurso público para o Instituto Federal do Ceará. Entre 42 inscritos, a ex-aluna do IM e professora Valéria Lourenço foi a primeira colocada e a única aprovada no certame. Atualmente, dois meses após ter tomado posse, ela exerce o cargo efetivo de professora do curso superior de Letras do Instituto Federal do Ceará – câmpus Crateús. Antes disso, sua experiência no magistério foi dando aulas por alguns anos no curso pré-vestibular para negros e carentes em Xerém, na condição de professora voluntária. Ela contou que também ministrou aulas em colégios particulares de Duque de Caxias e numa ONG numa comunidade do Rio de Janeiro. Nessa intervenção durante a Semana da Baixada, Valéria defendeu que as educadoras refletissem a questão política da condição de serem professoras da Baixada e na Baixada Fluminense. Ou seja, não é suficiente ensinar aos alunos apenas o conteúdo das matérias em sala de aula. Há também a necessidade da formação política cotidiana, como exercício diário de resistência e de reescritura de outras histórias de vida, mostrando outras perspectivas para os alunos. A professora Valéria declarou-se muito feliz lecionando no magistério superior do Ceará, acreditando ter chegado ao topo de sua bem-sucedida carreira e já pensando em fazer o doutorado.
Uma das participantes da Mesa “Os desafios da Tutoria PET e as questões de gênero” foi a professora Fabiane Popinigis, tutora do PET História da UFRRJ, câmpus Seropédica. Ela destacou sobre como é trabalhar com as questões de gênero nos projetos do PET em que exerce a tutoria, além de como é trabalhar academicamente com o ensino no cotidiano da sala de aula, preparando os futuros educadores para o enfrentamento das questões educacionais. Ela destacou que há diversas linhas de pesquisa sendo desenvolvidas pelo PET História, como essa da relação de gênero e história das mulheres, refletindo sobre a ação dessas pessoas em determinada região, como em Seropédica e Itaguaí. A ideia central da pesquisa é tornar visível a atuação de mulheres naquela região em épocas passadas, muitas delas proprietárias de fazendas de café e de escravos. Embora não tenha sido recorrente, algumas delas conseguiram galgar postos de influência e prestígio social na sociedade de então, apesar da presença predominantemente masculina em posições de mandonismo político.
Outra linha de pesquisa que a professora Fabiane apontou foi a que se refere às mulheres trabalhadoras escravas e sua vida na comunidade, nas famílias, exercendo as mais diversas atividades, tanto as mulheres escravas como as que haviam ganhado a liberdade. E uma terceira pesquisa desenvolvida pelo PET História/UFRRJ está relacionada com a presença das mulheres como professoras em escolas da região. A tutora do PET História informou que antes da UFRRJ existir em Seropédica, funcionou na região a Fazenda Santa Cruz, um imenso latifúndio escravagista e produtor de lavoura cafeeira no século XIX. Ela destacou como fundamentais as iniciativas de pesquisas para o cotidiano dos estudantes, pois todas as violências de gênero contra as mulheres e o público LGBT precisam ser combatidas a partir da informação e do conhecimento dessa realidade, da explicitação dessas relações de poder e de violência construídas a partir dessas desigualdades de gênero, combinadas com as desigualdades de raça e de classe, por exemplo.
Outra que deu seu depoimento na mesa sobre as questões de gênero foi a professora Fabíola Garrido, tutora do PET Conexões da UFRRJ – Instituto de Três Rios. Ela explicou que os quatro cursos abrangidos pelo PET são Direito, Economia, Administração e Gestão Ambiental. Lá em Três Rios, a ação educacional é feita a partir de grupos de trabalho e um deles envolve a pesquisa com gênero, Há o projeto denominado “O valor do feminino”, onde ali se desenvolve oficinas de sensibilização dos estudantes, onde acolhemos a percepção deles sobre essa questão, que passa pelo seu cotidiano da vida. Um outra linha de pesquisa desenvolvida pelo PET é a análise da mulher no mercado de trabalho, onde o pessoal do curso de Economia se debruça sobre os dados e traça um perfil do público feminino no mercado de trabalho, fazendo um paralelo sobre as condições políticas, sociais e econômicas, de um modo geral. E um outro trabalho envolvendo o curso de Direito, onde são discutidas questões como o feminicídio, buscando compreender melhor esse problema de violência.
A professora Ana Paula Carvalho, palestrante da mesa “Educadoras da Rede Pública da Baixada: Construindo novos saberes”, discorreu sobre a realidade da instituição “escola” na Baixada Fluminense. Lecionando no colégio municipal Luiz de Lemos, no bairro iguaçuano do Carmari, ela aproveitou para trocar experiências com outras educadoras, principalmente nas reflexões relativas ao ensino da história da África e do negro no Brasil, onde há muita dificuldade em razão da inexistência de um plano de Educação para as escolas do município. Ana Paula explicou que mesmo a legislação exigindo que haja o Projeto Político-Pedagógico (PPP) nas escolas, não há ainda definido o Plano Municipal de Educação, onde serão elencadas diversas questões, tais como gênero, raça, classe, etc. E essa iniciativa não parte do gestor público municipal, dificultando o trabalho dos educadores em sala de aula.
Ela lamentou o fato de ainda haver muitos episódios de racismo no âmbito educacional, não só na rede pública municipal como também na estadual e na rede particular também. A professora atribui o fato ao fenômeno da invisibilização que os negros sofreram ao longo do tempo. Ana Paula elogiou a importância da iniciativa da Semana da Baixada, num esforço direcionado à construção coletiva de saberes, envolvendo os demais municípios da região.
Semana da Baixada homenageia Educadora
A professora Marize Conceição foi homenageada pela organização do evento na condição de Educadora, representante do Magistério da Baixada Fluminense. Ela participou da mesa de debates “Educadoras da Rede Pública da Baixada: construindo novos saberes” e recebeu uma placa com os dizeres “Homenagem do PET Conexões Baixada à Marize Conceição, pelo excelente trabalho realizado em prol da Educação na Baixada Fluminense do Rio de Janeiro.” Em sua fala, ela fez um breve relato sobre sua trajetória como educadora nas redes municipal e estadual na região. A partir dessa atuação, ela discorreu sobre seu ativismo como moradora da Baixada e como profissional da Educação em Nova Iguaçu e em outros municípios da Baixada.
Marize leciona em duas escolas municipais de Nova Iguaçu, uma localizada no Jardim Roma (Meira Mar) e a outra no bairro Rosa dos Ventos (Escola Municipal João do Vale) e ressaltou o papel dela e de muitas educadoras atuando no resgate da história da Baixada, levando para os nossos estudantes essa perspectiva sobre a região sob a ótica de uma mulher, negra, educadora e moradora local, que busca esse olhar o tempo todo em sua prática pedagógica, trabalhando as relações étnico-raciais, a cultura afro-brasileira e africana e tendo como meta o empoderamento dos alunos e alunas com os quais a educadora Marize trabalha. Ela destacou que o racismo nunca foi invisível, nem em sala de aula, nem fora dela. São formas de ataques e ofensas permanentes os quais, segundo Marize, ultrapassam a lógica do “bullying” e do qual os alunos e alunas negros e pardos sempre foram vítimas, nas escolas e fora delas.
A educadora homenageada pela VI Semana da Baixada afirmou que quanto mais essas crianças saiam dos lugares predeterminados para elas pelas convenções racistas da sociedade, mais estarão sujeitas a sofrerem discriminações e preconceitos através do racismo, que vai se transformando e aprimorando, mudando de tom e de forma e na Baixada isso se dá com muita intensidade. Ela apontou como um fator dificultador do combate ao racismo o fato do Plano Municipal de Educação em Nova Iguaçu não prever essa reflexão em projetos e iniciativas curriculares. Marize acrescenta que essa prática transversal contra as diversas formas de discriminação racial devem ser interdisciplinares e não apenas passando pela Educação, mas também pela Saúde e pela Cultura, tendo em vista ser a população negra aquela que mais sofre, em razão da violência e do preconceito racial.
Ela também defendeu que no Projeto Político-Pedagógico esteja prevista a discussão, nas salas de aula, sobre a educação para as relações étnico-raciais, educação para as diferenças, etc. É isso que vai propiciar um processo educacional e de aprendizagem dinâmico e libertador, que estimule o senso crítico, a cidadania e a participação protagonista dos alunos em sua trajetória escolar e na vida propriamente dita.
As demais mesas de debate que integraram a VI Semana da Baixada trataram sobre as “Professoras Negras da UFRRJ: trajetórias individuais e coletivas”, “Educadoras do DEGASE”, e “A experiência docente no Ensino Superior na Baixada Fluminense”.
Por Ricardo Portugal – Assessoria de Imprensa do IM/UFRRJ.