Diante da crescente e acelerada adoção de ferramentas de Inteligência Artificial (IA), a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) deu um passo estratégico ao instituir, através da Portaria nº 3954/GABREI de 16 de junho de 2025, um Grupo de Trabalho (GT) com a missão de apresentar propostas para a implementação de ações e o desenvolvimento de projetos de Ensino, Pesquisa e Extensão envolvendo as inúmeras aplicações da IA.
A iniciativa surge em resposta à transformação palpável que vem ocorrendo na sociedade e, como consequência, nas práticas educacionais. “Não é possível ignorar a introdução da Inteligência Artificial, em especial as generativas, no cotidiano acadêmico. Precisamos criar caminhos institucionais para que todos os segmentos da comunidade da UFRRJ possam se apropriar e aplicar essas ferramentas de modo adequado, seguro e ético”, destaca a professora Miliane Moreira de Soares de Souza, pró-reitora de Graduação e coordenadora do GT.
Segundo ela, a motivação para a criação do GT foi a necessidade de articular as iniciativas que, até então, vinham sendo desenvolvidas de forma dispersa dentro da Universidade. “A constituição do GT representa um movimento estratégico para elevar o debate sobre Inteligência Artificial ao patamar de uma política institucional. Nosso objetivo é consolidar uma abordagem estruturada que possibilite a elaboração de propostas de disciplinas, oficinas, palestras, manuais, bem como de projetos de pesquisa que oportunizem a participação da UFRRJ em editais específicos sobre o tema”, explica.
A professora enfatiza que o processo de inserção da IA no ambiente acadêmico será conduzido de maneira gradual e planejada, com vistas a uma integração progressiva, apontando que o trabalho do GT poderá subsidiar futuras mudanças curriculares, alinhadas a esse novo cenário tecnológico.
Como parte das ações do Grupo de Trabalho voltadas à disseminação e popularização dos conceitos ligados à Inteligência Artificial, a UFRRJ realizará um ciclo de palestras que marcará o início das atividades do segundo semestre letivo na UFRRJ.
O professor Marcelo Zamith, do Departamento de Ciência da Computação do Instituto Multidisciplinar, apresentará a palestra “IAs Generativas: Inimigas ou Aliadas?”, no dia 11 de agosto, às 9h, no Auditório Gustavo Dutra (Gustavão), no câmpus de Seropédica e também no 12 de agosto, a partir das 18h, no Auditório do Instituto Multidisciplinar (IM), câmpus de Nova Iguaçu.
A professora Alessandra Cassol, do Departamento de Ciências Administrativas do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas, apresentará a palestra “Do Algoritmo a Transformação: Como a Inteligência Artificial está redesenhando a Educação e a Sociedade” no dia 11 de agosto, a partir das 18h, no Salão Azul, no câmpus de Seropédica.
E o professor Diógenes Ferreira Filho, do Departamento de Ciências Econômicas e Exatas do Instituto de Três Rios, apresentará a palestra “A IA e os sistemas de criação em áreas do conhecimento” no dia 13 de agosto, a partir das 18h, no Auditório do Instituto de Três Rios.
Esses eventos inauguram uma série de encontros que serão promovidos em todos os câmpus da Universidade, com o propósito de ampliar e qualificar o debate sobre Inteligência Artificial no âmbito da UFRRJ.
IA como aliada do estudante
Para a professora Juliana Mendes Zamith, também do Departamento de Ciência da Computação do IM/UFRRJ, a evolução do uso da IA se traduz em aplicações diretas que buscam modernizar e também personalizar a jornada acadêmica do estudante. Segundo a professora Juliana, pesquisas já utilizam IA para compreender padrões de evasão e, a evolução dos modelos possibilitará a criação de soluções personalizadas para cada aluno. A ideia é superar ferramentas genéricas e treinar um modelo com dados específicos da Universidade. “Parâmetros como habilidade discente, horário de ofertas de disciplinas, afinidade de temas de projetos e interesse profissional poderiam ser inseridos no modelo para que o mesmo seja usado como um tutor acadêmico”, explica.
Essa abordagem busca engajar os alunos em atividades de seu interesse, promovendo uma melhor permanência na instituição. Além disso, a facilidade de uso dessas tecnologias democratiza a criação de conteúdo. “Professores podem gerar rapidamente exercícios para uma turma, mas estudantes também conseguem criar exercícios para o estudo conforme suas dificuldades específicas”, afirma a professora. Um exemplo prático apontado pela professora Juliana foi o trabalho de conclusão de curso (TCC) em Ciência da Computação, de autoria dos alunos Hugo Rezende e Maxwel Lopes, intitulado “Simulab: Sistema Web para Geração de Simulados do Enem”, que criou um sistema de preparação para o ENEM, o qual gera provas e corrige redação usando um modelo de linguagem, orientado pelo professor Filipe Braida.
Contudo, para que esse uso seja eficaz, é preciso ir além do simples manuseio da ferramenta. A professora Juliana também ressalta a urgência em promover o “pensamento em Inteligência Artificial”, que consiste em compreender como os modelos classificam dados e geram conteúdo. “Essa compreensão é essencial para um uso consciente da IA, pois permite identificar limitações, erros e vieses”, defende.
Estratégia e infraestrutura
Para que essa nova forma de pensar floresça, é preciso construir uma base institucional sólida, com políticas, recursos e uma visão de longo prazo. Essa estruturação é detalhada pelo professor Diógenes Ferreira Filho, do Departamento de Ciências Econômicas e Exatas do Instituto Três Rios, que vê o GT como um movimento estratégico para transformar o tema em “política institucional’, superando as iniciativas pontuais. Um dos primeiros passos práticos é o mapeamento da infraestrutura existente, para evitar investimentos duplicados e usar melhor os recursos.
“Estamos preparando uma disciplina interdisciplinar sobre IA, aberta a todos os cursos, oferecida na modalidade à distância”, informa Diógenes. O GT também vai realizar ações para capacitações contínuas para docentes e técnicos, além da elaboração de um guia institucional de boas práticas. O objetivo, segundo o professor, é que “qualquer pessoa da UFRRJ, independentemente da área, se sinta segura para coletar, interpretar e usar dados de forma crítica”.
O impacto dessa estruturação já é visível na pesquisa de ponta. O professor Diógenes cita o surgimento de modelos “gigantes” treinados para domínios como genômica e agricultura, e de ferramentas que combinam dados de fontes diversas, como imagens de satélite e sensores de campo, para monitorar fenômenos em tempo real, como o desmatamento. O papel do GT, nesse cenário, é “orquestrar essas oportunidades” com o objetivo claro de “colocar a UFRRJ na linha de frente da Inteligência Artificial no Brasil” afirma o professor Diógenes.
O impacto no mercado de trabalho e a necessidade de novas competências
Esse desejo vem do propósito de preparar profissionais qualificados e fomentar uma cultura de inovação que responda às novas demandas da sociedade e do mercado de trabalho. A professora do Departamento de Ciências Administrativas, Alessandra Cassol, integrante do GT, ressalta que o impacto da IA exige uma nova formação profissional. “Não basta dominar ferramentas tecnológicas, profissionais do futuro precisarão de uma combinação de competências técnicas e comportamentais”, analisa.
A professora Alessandra destaca que “habilidades como pensamento crítico, capacidade analítica, resolução de problemas complexos e a capacidade de compreender e utilizar novas tecnologias serão diferenciais estratégicos”. Para a professora, o GT está estruturando ações para “fomentar um ecossistema de inovação que articule pesquisa acadêmica, demandas da sociedade e o dinamismo das startups e empresas”. O objetivo final, afirma a integrante do GT, é que a UFRRJ assuma um papel estratégico na formação de usuários conscientes, e na preparação de desenvolvedores e empreendedores capazes de criar soluções com base em princípios éticos e alinhadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Texto: João Vitor Freitas, jornalista e bolsista de Comunicação da Prograd/CCS