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Portal UFRRJ > INSTITUCIONAL > Notícia Destaque > UFRRJ regulamenta ações afirmativas na pós-graduação

UFRRJ regulamenta ações afirmativas na pós-graduação

Em reunião realizada em 26 de julho, o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe/UFRRJ) aprovou as normas que vão regulamentar as ações afirmativas nos cursos de pós-graduação stricto sensu da Universidade (clique aqui para ler a deliberação; e aqui para consultar o anexo). A partir dessa aprovação, todos os editais de seleção passam a incluir um percentual mínimo de 25% das vagas para negros (pretos e pardos), indígenas e pessoas com deficiência.

 

A adoção de ações afirmativas na pós não é novidade na Rural. A prática já está presente nas seleções de quatro programas: Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade (CPDA), desde 2017; Educação, Contextos Contemporâneos e Demandas Populares (PPGEduc) e Ciências Sociais (PPGCS), desde 2019; e Geografia (PPGGEO), desde o ano passado. O que a Deliberação 270/2021 faz é estender essa diretriz para todos os programas stricto sensu, prevendo ainda, entre outros pontos, medidas de apoio à permanência dos cotistas e autonomia para que os programas incluam outros grupos identitários em seus editais.

 

“A UFRRJ já apresenta um expressivo percentual de inclusão de negros na pós-graduação, conforme levantamento de estudantes com matricula ativa em março de 2021”, ressaltou a pró-reitora de Pesquisa e Pós-Graduação, professora Lúcia Helena Cunha dos Anjos. “No total de 2.039 discentes, 775 (38%) se autodeclararam como negros (pretos e pardos). Com a nova política, espera-se aumentar esse percentual nos demais programas, além de ampliar o número de alunos. Quanto às pessoas com deficiência, o cadastro de ingresso passará a identificar esses candidatos, permitindo que a Rural desenvolva estratégias de apoio a sua permanência, da mesma forma que aos candidatos pretos, pardos e indígenas”.

 

Apesar dos avanços, desigualdade ainda é grande

 

Há uma histórica desigualdade de acesso ao ensino superior no país, especialmente nas universidades públicas, cujo perfil discente era formado majoritariamente por brancos e egressos de escolas privadas. O quadro começou a se alterar em 2003, com a disseminação de políticas afirmativas. As cotas raciais e sociais foram consideradas constitucionais pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2012. Naquele mesmo ano foi aprovada a Lei Federal 12.711/2012, definindo a reserva de vagas para indígenas, pretos e pardos, além de estudantes de baixa renda e de escolas públicas.

 

Na pós-graduação, o pioneirismo no estabelecimento de ações afirmativas coube à Universidade Estadual da Bahia (Uneb), que em 2002 reservou vagas para candidatos negros e indígenas. Treze anos depois, em 2015, a Universidade Federal de Goiás (UFG) foi a segunda instituição a regulamentar uma política de cotas em seus programas de pós-graduação.

 

Em artigo publicado em 2018, a pesquisadora Anna Carolina Venturini observou que tem ocorrido aumento nas iniciativas, mas que ainda falta uma lei federal para regulamentar as ações afirmativas para a pós-graduação. Ela ressalta que somente em maio de 2016 o Ministério da Educação (MEC) publicou uma portaria normativa (nº 13/2016) com diretrizes sobre a inclusão de pretos, pardos, indígenas e estudantes com deficiência em cursos de mestrado, doutorado e mestrado profissional das instituições federais de ensino superior.

 

Apesar dos avanços recentes, dados de 2018 da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), apresentados em matéria da Folha de São Paulo, apontam que somente um de cada quatro matriculados em mestrados e doutorados no Brasil é negro. Em áreas consideradas de elite, como medicina, a presença negra cai para um em cada dez formandos.

 

Confirmando esse quadro, Venturini apresentou os registros de doutorandos que declararam sua raça/cor na Plataforma Lattes a partir de 2013. Do total, 79,01% se declararam brancos; 3,05% se identificaram como negros; 15,29% como pardos; e 0,42% eram indígenas. “Os dados mostram que a composição racial dos doutores não está nem perto da composição racial média do país segundo o último censo demográfico, especialmente para pretos e pardos”, escreveu Venturini, indicando que o Censo de 2010 do IBGE mostrou que “47,73% dos habitantes do país se declararam brancos, 43,13% pardos, 7,61% pretos, 1,09% amarelos e 0,43% indígenas”.

 

Venturini cita ainda a observação do professor José Jorge de Carvalho, que foi autor da proposta de cotas aprovada em 2003 pela Universidade de Brasília (UnB). Em 2006, Carvalho apresentou um exemplo incisivo sobre a segregação racial na academia: naquele ano, entre os 504 professores da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP), apenas três eram negros.

 

Como o projeto foi construído na Rural

 

Com a Deliberação 270/2021, a UFRRJ passa a compor o grupo de universidades que adotaram ações afirmativas para todos os seus programas – e não apenas as baseadas em iniciativas autônomas de alguns deles. Trata-se de um conjunto ainda restrito, que precisa crescer. Ao analisar 49 políticas para pós-graduação, entre 2002 e 2017, o Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (Gemaa) apontou que 10,20% delas foram criadas por resoluções gerais das instituições. A maioria (61,22%) ainda é fruto da decisão dos programas.

 

Para a pró-reitora Lúcia Anjos a proposta aprovada na Rural traz uma combinação interessante de elementos. “Em primeiro lugar, delimita um público específico para a reserva de vagas – negros (pretos e pardos), indígenas e pessoas com deficiência –, deixando em aberto que cada curso de pós-graduação implante reserva de vagas para outros públicos. Em segundo lugar, estabelece o piso mínimo de 25% das vagas para esse público-alvo, que pode ser ampliado a critério de cada programa. Em terceiro lugar, dá destaque para pessoas com deficiência, em consonância com a legislação atual e em sintonia com conceitos de inclusão internacionalmente reconhecidos, focados na funcionalidade e não mais no modelo médico (pautado no Código Internacional de Doenças – CID). Neste ponto, a experiência e a contribuição do Núcleo de Acessibilidade e Inclusão (NAI) foram fundamentais”, disse.

 

A história do projeto na Universidade começou em 3 de julho de 2020, quando a Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação (PROPPG) emitiu portaria de uma comissão para elaborar a proposta. A equipe foi constituída pelos docentes Otair Fernandes de Oliveira (presidente), José Lucena Barbosa Júnior, Leonilde Servolo de Medeiros e Marisa Fernandes Mendes – todos então coordenadores de programas de pós. A comissão também contou com a participação das estudantes de graduação e pós-graduação Suelen Geozi Ferreira, Alessandra Pereira, Vanessa Cristina da Silva Ferreira e Raissa Couto Santana.

 

“A primeira proposta elaborada pela comissão foi apresentada em outubro de 2020 na reunião da Câmara de Pesquisa e Pós-Graduação, e encaminhada para discussão nos colegiados. Após várias reuniões, algumas com pauta exclusiva e ampla discussão – com contribuições significativas do Laboratório de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (Leafro) e do NAI –, em 18 de junho de 2021 a proposta foi aprovada na Câmara. Depois de revisão de forma e padronização de texto, ela foi encaminhada ao Cepe para deliberação, sendo aprovada por unanimidade, com uma abstenção”, explicou a professora Lúcia Anjos, acrescentando que a criação da Comissão de Acompanhamento, prevista no artigo 18 da deliberação, será importante para diminuir dificuldades e orientar os programas, bem como propor futuros ajustes.

 

“Negra, periférica e mãe universitária”

 

Suelen Geozi Ferreira, que se graduou em História pela UFRRJ em fevereiro deste ano, foi uma das estudantes que integrou a comissão que elaborou as normas das ações afirmativas na pós-graduação. Mulher, negra, mãe e moradora da Zona Oeste do Rio de Janeiro, Suelen narra em sua trajetória os preconceitos sofridos e as lutas em que se engajou para superá-los. “Passei por preconceito etário, preconceito por ser mãe… Porém, o mais pesado sempre foi o racismo”, conta ela. “Mas quando se é negra, periférica e mãe universitária, você já espera pelo difícil. Optei, então, pela trajetória de luta. Me juntei ao Coletivo de Pais e Mães (Copama) e, junto com outros estudantes negros, criei a Calourada Preta da UFRRJ, movimento de recepção e acolhimento para calouros da Rural que visa apontar demandas sociais referentes ao aluno negro na instituição”.

 

Aos 32 anos, Suelen se identifica como integrante “da primeira geração que viu as cotas acontecerem”. Um direito que é fruto de anos de lutas historicamente acumuladas. “Tantos anos de proibição e barreiras impostas pelo próprio Estado para impedir a nossa educação, um direito básico, fundamental e inalienável… O mínimo que se pode fazer é adotar as políticas de reparação. Não só com cotas para entrada de pessoas pretas, como com políticas de garantia de permanência”, opina Ferreira.

 

Com passagem como representante discente no Cepe, Suelen conta que, ano passado, numa reunião na PROPPG sobre a demanda das cotas, fez apelo para que a comissão incluísse alunos. “Foi uma surpresa muito feliz que fui chamada a compor a equipe como membro do Cepe e representante do movimento negro estudantil. Pude também indicar outros estudantes e formamos uma comissão em que a representação tanto de alunos quanto professores foi feita por área dos programas”, relembra.

 

De acordo com Suelen, o grupo se pautou pelo trabalho coletivo, com direito a voz e voto assegurado a todos. “Alunos tinham a mesma liberdade de falar, opinar, trazer dados, como qualquer professor ali. Claro que, em muitos momentos, houve tensões e conflitos próprios desse tipo de ambiente. Contudo, pudemos nos perceber como uma comissão sólida em seus argumentos, e obtivemos o fruto do nosso trabalho: a deliberação com as recomendações para a criação e devidas adequações de cotas raciais, e o relatório final da comissão”, concluiu.

 

Por João Henrique Oliveira (CCS/UFRRJ)


Postado em 06/08/2021 - 18:03 - Atualizado em 18/08/2021 - 13:23

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