No dia 9 de julho, a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) foi palco da Agenda Pública Pré-Fórum de Ensino Superior para Povos Indígenas e Quilombolas. O evento ocorreu no Auditório Professor Gusmão, no câmpus Seropédica, e reuniu lideranças de territórios tradicionais, estudantes, coletivos, docentes e representantes de diversas Instituições de Ensino Superior (IES).
O encontro teve como objetivo discutir estratégias para garantir o acesso, a permanência e o protagonismo de povos indígenas e quilombolas no ensino superior público. Estruturada pela Comissão Interinstitucional do Fórum, com Joyce Alves, pró-reitora de Assuntos Estudantis da UFRRJ, e as docentes do curso de Licenciatura em Educação do Campo (LEC) Fabiana Silva e Edileia de Carvalho Souza como representantes da Rural da construção do Fórum, a programação teve início com um café de confraternização que proporcionou um momento de acolhimento e troca entre os participantes.
Em seguida, o evento contou com abertura institucional, cultural, espiritual, política e epistêmica, além de discussões aprofundadas sobre ingresso e permanência no ensino superior. Também foram apresentados relatos de experiências e realizada a construção coletiva do Protocolo de Intenções, que será submetido para assinatura das reitorias no 1º Fórum de Ensino Superior para Povos Indígenas e Quilombolas, previsto para agosto, na UFF.
A abertura do evento foi marcada por um Toré, manifestação espiritual, cultural e política dos povos indígenas brasileiros, conduzida pela Aldeia Marakanã. Em seguida, o Coletivo de Ancestralidade Quilombola da UFRJ apresentou uma poesia potente, trazendo as vozes e as memórias dos territórios negros para o espaço acadêmico. Como ressaltou a poesia de Maju, do Quilombo da Marambaia, “não ser reduzido a objeto de pesquisa, mas reconhecido como sujeito da produção do conhecimento” é o desafio que impõe transformações necessárias às universidades.
O momento seguiu com a recitação, por Breno Tupinambá (Coletivo Tuíre Kayapó/UFRRJ), do poema “Minha casa na cidade é também a minha aldeia”, de Márcia Kambeba, trazendo reflexões sobre a experiência de indígenas em contextos urbanos, sua resistência e a preservação de suas identidades longe de suas aldeias ancestrais.
Esses atos de abertura, compostos por espiritualidade, cultura, arte e saberes, reafirmaram a centralidade dos povos indígenas e quilombolas como produtores de conhecimento e não apenas como objeto de estudo, dando o tom do que se seguiu ao longo de todo o encontro.
A mesa institucional foi composta por Marilda Francisco, do Quilombo Bracuí, representando as comunidades quilombolas; pelo cacique e reitor da Universidade Pluriétnica Aldeia Marakanã Urutau Guajajara; César Augusto Da Ros, vice-reitor da UFRRJ; Joyce Alves, pró-reitora de Assuntos Estudantis da UFRRJ; Miliane de Souza, pró-reitora de Graduação da UFRRJ; Marcos Pasche, pró-reitor de Extensão da UFRRJ; e Alessandra Barreto, pró-reitora de Assuntos Estudantis da UFF.
César Da Ros destacou que a construção do Fórum é “um marco histórico, pois é mais um espaço para discutir como a universidade pode avançar ainda mais no acesso, ainda precário, das populações indígenas e quilombolas”. Joyce Alves sublinhou que “a diversidade é uma força para a ciência, a universidade cresce com isso” e que o consórcio de IES é vital para transformar a universidade e a sociedade.
Miliane de Souza reforçou o compromisso em aprimorar processos de ingresso e permanência, ressaltando que “é necessário espelhar a diversidade do povo brasileiro” e reduzir burocracias que dificultam o acesso de quem mais precisa.
Marcos Pasche relembrou que o evento se conecta a lutas históricas e recentes da universidade na derrubada de heranças coloniais, afirmando que “temos o papel de construir outra realidade, um país que seja de todos”.
Marilda Francisco trouxe a história de luta do Quilombo Santa Rita do Bracuí e afirmou: “quanto mais unidos andarmos, mais longe vamos para alcançar direitos”. Ressaltou a importância de fortalecer escolas quilombolas e a educação como instrumento de transformação.
O cacique Urutau Guajajara enfatizou a urgência de vestibulares específicos e ações afirmativas para indígenas e quilombolas, denunciando as dificuldades impostas pela falta de políticas de acolhimento. “É triste ver indígenas e quilombolas brigando por uma bolsa de permanência. Precisamos garantir bolsas a todos. Isso é reparação, é direito”, declarou.
Alessandra Barreto reforçou o protagonismo das lideranças indígenas e quilombolas e a importância de que “as universidades se reinventem como instituições de conhecimento por meio da escuta ativa e da ação coletiva”.
Entre as falas potentes, a docente Fabiana Silva compartilhou sua trajetória: de agricultora e vendedora de feira à doutoranda e professora do LEC, destacando que “esse dia começou há muito tempo”, em referência às lutas coletivas que tornaram possíveis os espaços de diálogo atuais.
Breno Tupinambá relatou os desafios de ser estudante indígena e lembrou que “a luta é diária para permanecer, enfrentar o racismo e garantir direitos”. Já Vitória e Douglas, do Coletivo de Ancestralidade Quilombola, relataram as dificuldades para manter os estudos longe dos territórios, reforçando que permanecer na universidade é uma luta que precisa de apoio institucional constante.
Na parte da tarde, a programação incluiu a apresentação do Mapa das IES e comunidades indígenas e quilombolas do Rio de Janeiro, organizado pela UFF Angra, para facilitar a logística do Fórum de agosto, assim como a definição das responsabilidades das IES no apoio ao deslocamento e alojamento de lideranças.
A construção do Protocolo de Intenções foi debatida coletivamente, alinhando compromissos entre as universidades para a promoção de políticas afirmativas específicas e eficazes. Ficou definido que o documento, que será apresentado no Fórum, firmará compromissos de ingresso, permanência e escuta contínua, respeitando a autonomia de cada IES.
O encerramento contou com a apresentação do Jongo Filhos da Marambaia, liderado por Bárbara Guerra, trazendo ao câmpus a força das músicas, danças e tambores do jongo, expressão cultural de resistência e ancestralidade das comunidades quilombolas.
Durante a roda, Bárbara destacou a importância da aroeira como símbolo de cuidado e luta, lembrando a história de resistência de seu povo. O momento reafirmou o compromisso das instituições em garantir transporte e acolhimento para representantes indígenas e quilombolas no Fórum de agosto, consolidando o dia como um passo firme na construção de uma universidade pública mais plural e comprometida com a diversidade.
Estiveram presentes no evento representantes da Aldeia Marakanã, Quilombo da Marambaia, Quilombo de Maria Joaquina, Quilombo do Grotão, Instituto Federal Fluminense (IFF), Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf), Universidade Federal Fluminense (UFF), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) e Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).
Imagem e texto: Victória Silva, jornalista e bolsista de Comunicação da CCS/Proext.