Pesquisa realizada no Programa de Pós-Graduação em Química da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (PPGQ/UFRRJ) utiliza pela primeira vez a técnica de fluorescência de raios-X por dispersão em comprimento (WDXRF, na sigla em inglês) para comparação de projéteis de fuzis de diferentes fabricantes.
De acordo com relatório recém-divulgado pelo Instituto Fogo Cruzado, houve um avanço da violência na Região Metropolitana do Rio em comparação com o último ano. De janeiro a junho de 2021, foram 2.791 tiroteios/disparos de arma de fogo que deixaram 1.138 pessoas baleadas: 593 mortas e 545 feridas. Nem sempre a comparação balística permite a identificação da autoria destes disparos. Uma solução alternativa para estes casos é fruto do trabalho do pesquisador Victor Saide, que desenvolveu seu estudo de doutorado no PPGQ/UFRRJ sob orientação do professor José Geraldo Rocha Junior, do Departamento de Química Analítica do Instituto de Química.
“Os projéteis de fuzis são disparados em alta velocidade e se deformam facilmente, o que dificulta a perícia policial na identificação do autor do disparo. Daí a necessidade do desenvolvimento de outras técnicas para tal comparação”, diz o professor Rocha Junior. Os cientistas explicam que, normalmente, a perícia utiliza os projéteis recuperados da cena do crime, ou de dentro do corpo da vítima, para realizar um exame de comparação balística em um microscópio ótico. Tal análise, baseada nas ranhuras que o cano da arma deixa no projétil, é capaz de indicar de qual arma ou qual o calibre do projétil disparado. “Quando o projétil de arma de fogo é encontrado fragmentado, este exame torna-se ineficaz”, ressalta Saide, atualmente professor de química do ensino básico e tecnológico do Colégio Técnico da UFRRJ.
Para oferecer uma opção que possibilite diferenciar os projéteis de fuzis, o pesquisador conduziu um tratamento estatístico, por meio de técnicas quimiométricas, nos dados espectrais, isto é, nos dados obtidos pela interação da luz com o projétil. Olhar para os dados espectrais, e não para as porcentagens dos elementos que compõem o projétil, como acontecia anteriormente, é o diferencial do projeto desenvolvido na UFRRJ. “Os dados espectrais possuem uma grande riqueza de informações que poderia ser perdida se fossem usados para se obter o percentual dos elementos. Tais informações podem conter a impressão digital em comum para um dado fabricante e foram essenciais para a classificação correta de todos os 66 fragmentos de projéteis investigados”, explicita Saide.
O setor da perícia da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro (PCERJ) colaborou diretamente para realização do estudo, por meio do fornecimento dos projéteis de fuzis nacionais e internacionais. As análises de fluorescência de raios-X foram realizadas em colaboração com o Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (IQ/UNICAMP). A nova técnica permitirá a análise da procedência de projéteis estilhaçados ou fragmentados, que não estão em condições aceitáveis para a comparação balística, o que pode contribuir para identificação do autor do disparo. Um modelo de classificação para seis fabricantes de projéteis de fuzil foi criado no decorrer da pesquisa.
Para dispor da nova técnica para fins forenses será necessário investimento e treinamento, tendo em vista que envolve o uso de um espectrômetro e de técnicas quimiométricas. Saide complementa que, para um resultado confiável, é recomendável o uso de amostras que foram utilizadas em um mesmo evento, como por exemplo estudos de caso em que todas as amostras suspeitas sejam obtidas de um mesmo tiroteio ou crime.
Repercussão internacional
O pesquisador Victor Saide explica que a análise química para diferenciar projéteis de fuzil foi muito utilizada pelo Federal Bureal of Investigation (FBI) antes dos anos 2000 por meio de diferentes técnicas analíticas que faziam uso da quantidade de certos elementos encontrados em projéteis, como antimônio, estanho, cádmio, cobre, prata e bismuto. “Este método era utilizado como prova em tribunais nos Estados Unidos, mas, a partir dos anos 2000, surgiram contestações sobre a técnica, já que no processo de fabricação de projéteis o lote era, muitas vezes, não homogêneo, o que levou o FBI a recomendar a não utilização da análise química de projéteis como prova em tribunais”, diz.
Tal recomendação diminuiu o impacto de pesquisas na área. Entretanto, o professor José Geraldo Rocha Junior, ressalta que o trabalho desenvolvido na UFRRJ apresentou aspectos inovadores o suficiente para ser publicado na Forensic Science International (FSI) – renomada revista internacional que realiza a divulgação de contribuições de ponta nas ciências forenses – sob o título Rifle bullets comparison by wavelength dispersive X-ray fluorescence spectroscopy and chemometric analysis. “A pesquisa da UFRRJ resulta do trabalho de tese de um estudante com uma proposta de pesquisa original, de grande relevância e que demonstra a preocupação desta Instituição no combate à violência”, conclui Rocha Junior.