UFRRJ, Embrapa, Executivo e Legislativo municipais e representantes da sociedade civil assinaram documento contra projeto de instalação de complexo prisional em Seropédica. O manifesto aponta violação do Plano Diretor, falta de diálogo e graves riscos socioambientais como barreiras ao projeto do governo do Estado.
Um manifesto foi formalizado na Sessão Ordinária da Câmara Municipal de Seropédica, na última terça-feira, dia 23 de setembro, com o intuito de barrar a proposta de construção de um complexo prisional no município. O documento foi assinado pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) em conjunto com os poderes Executivo e Legislativo municipais, a Embrapa Agrobiologia e representantes da sociedade civil, consolidando uma posição unânime contra o projeto do governo do Estado do Rio de Janeiro.
Durante a sessão, foi exposto aos presentes o Laudo de Avaliação nº 131-L/2025, emitido pela Procuradoria Geral do Estado (PGE-RJ) em maio deste ano, a pedido da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (SEAP-RJ). O documento, que faz parte do Processo Administrativo SEI-210001/002894/2025, aponta dois terrenos que serviriam para as instalações do complexo prisional. Juntos, eles possuem uma área de 1.504.500m², o que equivale a mais de 210 campos de futebol. A região apontada pela PGE está ao lado do Aterro Sanitário, localizado às margens da BR-493, Rodovia Raphael de Almeida Magalhães, conhecida como Arco Metropolitano, no município de Seropédica. Parlamentares ressaltaram, na ocasião, que o projeto do governo estadual reforça a percepção de que a região está sendo designada como um depósito para os problemas da metrópole.
Nota Técnica
Para embasar a oposição ao projeto, a Reitoria da UFRRJ instituiu uma comissão acadêmica multidisciplinar. Presidida pelo pró-reitor adjunto de Extensão, professor Marcos Pasche, e composta pelos professores Leandro Dias (pró-reitor adjunto de Pesquisa e Pós-Graduação), André Santos da Rocha, Sabrina Galeno, José Danilo Lobato e pelo doutorando Willians Douglas, a comissão elaborou uma Nota Técnica detalhada que serviu de alicerce para o manifesto.
“Pretendemos questionar essa iniciativa direcionada à nossa sociedade de forma obscura”, afirma o professor Marcos Pasche. “O projeto está tramitando sem o devido debate público. A população de Seropédica elegeu seus representantes, e a tramitação não está sendo submetida à avaliação das autoridades constituídas do município”, avaliou Pasche.
Do ponto de vista legal, o projeto do complexo prisional parece irregular e fere a autonomia municipal. Isso porque a lei que gere o desenvolvimento territorial de Seropédica, o Plano Diretor, proíbe textualmente, em seu artigo 195, a construção de presídios na cidade. Segundo o procurador-geral do município Luiz Fernando Evangelista, não houve qualquer comunicado oficial do governo estadual ao município de Seropédica.
Ele afirma que o primeiro ponto a ser discutido é a “incompatibilidade com o nosso plano diretor, que possui no seu artigo 195 uma vedação expressa à instalação de presídio no território de Seropédica”. E segue: “ainda que possa ser suscitada uma questão relativa à inconstitucionalidade desse dispositivo, existe a presunção de constitucionalidade, até que seja declarado que esse dispositivo é inconstitucional”.
A Nota Técnica da UFRRJ também aponta que, além de desrespeitar a legislação municipal, possivelmente o projeto iria de encontro ao Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.257/2001), pois avança sem os obrigatórios estudos de impacto de vizinhança e ambiental exigidos por tal Estatuto.
A análise da comissão da UFRRJ aponta ainda que Seropédica teria que absorver os impactos negativos de um empreendimento de tal magnitude em áreas críticas como segurança pública, saúde, mobilidade urbana e o meio ambiente.
Por sua vez, o manifesto aponta que o município não possui batalhão próprio da Polícia Militar e já enfrenta a expansão de grupos milicianos, conforme apontado em pesquisas de seguranças públicas na região da Baixada Fluminense. A instalação de um presídio é apontada como um “catalisador para o agravamento da violência”, transformando a área em polo de articulação do crime organizado.
O documento também discorre sobre a falta de hospital. A demanda por atendimento médico da população carcerária, um dever do Estado previsto na Lei de Execução Penal, sobrecarregaria as Unidades Básicas de Saúde, violando o direito à saúde tanto dos detentos quanto dos moradores.
Vereadores também ressaltaram, durante a sessão, que o local avaliado, às margens da BR-493, dificultaria enormemente o acesso de familiares dos detentos, majoritariamente dependentes de transporte público, o que atenta contra o direito à visitação, essencial para a ressocialização. Além disso, conforme avaliação das autoridades presentes, o projeto, se levado adiante, consolidaria Seropédica como uma “zona de sacrifício ambiental e social”, somando-se ao fardo de já receber o aterro sanitário que atende à capital. A proximidade com a Floresta Nacional Mário Xavier e a pressão sobre recursos como água e saneamento agravariam um quadro de desequilíbrio ecológico.
Em seu pronunciamento, o reitor da UFRRJ, professor Roberto de Souza Rodrigues, ampliou o foco do debate para além da rejeição ao complexo prisional. Ele defendeu que a questão central para o futuro da região é a implementação de uma política de desenvolvimento baseada em investimentos de infraestrutura, em contraponto ao que classificou como uma “política presidiária”.
“Não podemos deixar que Laranjeiras decida sobre a Baixada Fluminense. Para pensar a Baixada Fluminense, é preciso viver a Baixada Fluminense”, declarou o reitor, cobrando políticas públicas de infraestrutura em vez de presídio. Em seguida, detalhou as carências que, segundo ele, dificultam o avanço de projetos de desenvolvimento, como o Parque Ecotecnológico da UFRRJ. “Precisamos de uma política de infraestrutura para a Baixada. Se não tiver energia, se não tiver mobilidade urbana, se não tiver a cultura liderada pelas instituições, não teremos desenvolvimento”, pontuou o reitor.
Roberto enfatizou a vocação estratégica de Seropédica, localizada em um corredor logístico vital que conecta o Porto de Itaguaí a São Paulo e Minas Gerais, e destacou projetos como o Parque Ecotecnológico da UFRRJ. Ao final, colocou a instituição à disposição para colaborar na elaboração de um novo plano para a região. “A universidade coloca todo o seu conhecimento científico para ajudar nessa construção”, afirmou Rodrigues, propondo o uso do corpo técnico e dos pesquisadores da UFRRJ para formular uma alternativa ao atual cenário de desinvestimento.
Leia o manifesto abaixo, na íntegra:
Texto e fotos: João Vitor Carvalho de Freitas, jornalista e bolsista de Comunicação da CCS
Edição: Fernanda Barbosa, coordenadora da CCS/UFRRJ