Quando o ser humano pisava pela primeira vez na Lua, em 1969, aquela turma colocava os pés na UFRRJ, em Seropédica, para começar o curso de Engenharia Florestal. Anos depois, em 1972 – quando a ONU promovia a Conferência de Estocolmo e inaugurava o debate ambiental entre as nações – aqueles cerca de 50 garotos (havia apenas uma mulher entre eles) se tornavam engenheiros florestais e abriam caminho para um futuro de possibilidades. Cinquenta anos se passaram, com muitas histórias e transformações – no mundo, na Universidade e em suas próprias vidas. Mas uma coisa se manteve firme como lignina (a substância que confere resistência às árvores): a amizade que atravessou cinco décadas e manteve unida a “Turma de Ouro de 1972”.
Numa sexta-feira chuvosa, em 4 de novembro de 2022, esses amigos se reuniram para celebrar e descerrar a placa comemorativa de seu cinquentenário de formatura, afixada numa parede do segundo andar do Pavilhão Central (P1). Com presenças do diretor do Instituto de Florestas (IF), Roberto Lelis, e do professor aposentado Tokitika Morokawa (um dos integrantes da turma), parte dos colegas se encontrou mais uma vez para compartilhar suas memórias de ouro, lembrar daqueles que já se foram e marcar seus nomes na história da Universidade Rural.
“É uma felicidade muito grande estar presente aqui, vivendo este momento com vocês”, disse o professor Lelis. “Este gesto de retorno é importantíssimo. Falar de suas trajetórias, rever os amigos… É uma satisfação recebê-los e sempre manter contato. Esta casa é de vocês”.
Depois da fala inicial do diretor, Tokitika Morokawa tirou do bolso a lista com os nomes da Turma de Ouro e repetiu um gesto que tantas vezes fez como professor: começou a fazer a chamada. Quem estava presente falava de sua trajetória desde que saiu da Rural. Os que não vieram ou os que já faleceram tiveram as histórias contadas pelos colegas que ali estavam. Permeando os discursos, muita emoção, palmas e risadas de amigos que têm em comum as cinco décadas trilhadas pelos caminhos da Engenharia Florestal.
‘Tropicália’, ‘Mutreta’ e ‘Tapioca’
O primeiro nome chamado por Tokitika é um dos mais significativos nessa história: Ana Carolina da Costa. Ela não pôde comparecer, mas representa algo especial: ela foi a única mulher da turma que se formou em 1972. Sinal de um tempo em que a presença feminina em cursos de engenharia no país era praticamente inexistente.
Cinquenta anos depois, esta realidade se transformou positivamente, com as mulheres conquistando mais espaço no mundo… e também na Floresta. Um bom exemplo vem da turma formada em 2018 – a última registrada na página de ex-alunos do IF. Dos 23 graduados naquele ano, 14 eram mulheres. Elas e as pioneiras de outra época – como a Ana Carolina – compõem o grupo de 1.600 engenheiros e engenheiras florestais formados pela UFRRJ desde 1970 (ano de formatura da primeira turma), de acordo com os dados divulgados pelo IF.
“Posso dizer que grande parte das boas lembranças que tenho da vida é daqui da Universidade Rural. Costumo dizer que aqui é onde tudo começou… O resto é o resto e não interessa! ”, disse um dos integrantes da turma, Flávio Roberto Pinto, provocando risos gerais.
Alguns dos nomes chamados também vinham acompanhados dos respectivos apelidos, símbolos da descontração do tempo em que conviveram por quatro anos na Rural. Um era o “Tapioca”; outro, o “Mutreta”; tinha ainda o “Tropicália”. “Cadê o Guarujá?”, perguntou alguém. “Fala, Piteco!”, disse outro. “Parece que foi ontem…”, suspirou um dos presentes, que deve ter visto passar, em sua mente, um filme da própria vida.
Militância pela natureza
Num mundo em que as mudanças climáticas estão na ordem do dia, e que a conservação das florestas é um elemento fundamental para o futuro das próximas gerações, os veteranos engenheiros florestais da turma de 72 são testemunhas históricas (privilegiadas) do surgimento e da evolução do movimento ambientalista no planeta.
Depois da efervescência político-social dos anos 1960 – com o despontar da contracultura e das manifestações estudantis do Maio de 68 – a consciência ecológica emerge e entra na década seguinte como tema relevante no debate internacional. Depois da já citada Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente em Estocolmo (1972), outros marcos atestam a proeminência da pauta ambiental, como o relatório Meadows, publicado no mesmo ano, que alertava sobre os limites do crescimento econômico em bases capitalistas e industriais. Em artigo sobre a história do movimento ecológico no Brasil, Eduardo Viola afirma que, a partir dos anos 70, “os problemas de degradação do meio ambiente provocados pelo crescimento econômico são percebidos como um problema global que supera amplamente diversas questões pontuais que eram arroladas nas décadas de 50 e 60 pelas agências estatais de meio ambiente dos países do 1º Mundo”.
Os então jovens graduandos da Engenharia Florestal estavam vivenciando esta transformação: o despertar de uma consciência que, infelizmente, ainda não atingiu todos, como atesta Angelo Rafael Greco, mais um dos membros da Turma de Ouro:
“A gente vem militando na área, mas a sociedade, de um modo geral, não despertou para perceber a importância da árvore, de conservar a árvore. A gente cuida da natureza. Os índios já sabiam fazer isso muito bem, né? Mas a gente entra com a parte teórica e ensina como fazer a melhor utilização dos recursos naturais renováveis. A floresta é um deles”.
Greco disse ainda que, em sua época, muitos chamavam de “terroristas” as pessoas que defendiam as causas ambientais.
Para colocar no papel
Após o descerramento da placa comemorativa, os graduados de 1972, acompanhados de familiares e amigos, rumaram para o IF, onde plantariam uma árvore e também homenageariam um dos colegas, o professor Yosio Shimabukuro, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Antes disso, contudo, Lelis deixou suas palavras finais sobre a cerimônia no P1:
“Depois de ouvi-los, podemos perceber o quanto essa Turma de Ouro fez pela Engenharia Florestal e pelo Brasil. A trajetória de cada um é muito importante. Alguns estão presentes na história do Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis], ainda como IBDF [Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal]. A experiência de vocês é incrível”.
Uma voz ao fundo emenda: “Não é à toa que é a Turma de Ouro! ”.
Ouvem-se mais gargalhadas.
O diretor do IF sugeriu ainda que aquelas histórias fossem escritas, colocadas no papel.
Aliás, papel é feito de celulose, uma fibra que é unida pela lignina…
E as memórias da Floresta seguem firmes.
Texto e fotos: João Henrique Oliveira (CCS/UFRRJ)