Em 2023, uma das “meninas dos olhos” da Universidade Rural completa 30 anos: a Fazendinha Agroecológica Km 47. Oficialmente batizada de Sistema Integrado de Produção Agroecológica (Sipa), ela é resultado de uma parceria institucional que agrega, além da UFRRJ, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa Agrobiologia, a Empresa de Pesquisa Agropecuária do Estado do Rio de Janeiro (Pesagro-Rio) e o Colégio Técnico (CTUR). Para celebrar estas três décadas de dedicação à agroecologia e à agricultura orgânica, os representantes das quatro instituições e seus convidados se reuniram, em 5 de julho, na sede da Fazendinha, localizada no bairro Ecologia, Seropédica/RJ.
Na mesa de abertura do evento, assentos garantidos para os parceiros. O reitor da UFRRJ, Roberto Rodrigues, esteve ao lado da chefe-geral da Embrapa Agrobiologia, Cristhiane Amâncio; do presidente da Pesagro-Rio, Paulo Renato Marques; e do diretor do CTUR, Luiz Carlos Estrella. Dando início às atividades, Anelise Dias – professora do Instituto de Agronomia (IA/UFRRJ) e integrante do Comitê Gestor do Sipa – fez um resumo da trajetória da Fazendinha.
As sementes
De acordo com Dias, as primeiras sementes dessa história foram jogadas pelo movimento estudantil dos anos 1970, influenciado pela causa ambiental que então despontava no planeta. Na Rural, alguns estudantes começaram a contestar a hegemonia da chamada “Revolução Verde” e sua lógica distanciada das questões sociais. Um dos marcos desse período foi a criação, em 1977, do Centro de Estudos Agronômicos (CEA).
Outros momentos dessa história foram destacados pela professora, como a visita de José Lutzenberger (1926-2002) à Universidade em 1978; ou a ida ao CTUR de João Carlos Ávila, defensor da agricultura biodinâmica.
Já na década seguinte, os alunos da Universidade criaram o Grupo de Agricultura Ecológica (GAE) em 1983. Outro ponto de destaque foi o 2° Encontro Brasileiro de Agricultura Alternativa (Ebba), realizado em Petrópolis/RJ no ano de 1984. UFRRJ, Embrapa e Pesagro-Rio já figuravam entre os apoiadores do evento, que reuniu expoentes da área como Johanna Döbereiner, Ana Primavesi e Sebastião Pinheiro. “Ficou muito claro, a partir desse encontro, a necessidade de criar um espaço para desenvolver formas alternativas de agricultura”, disse Anelise Dias.
Ainda segundo a professora, aquele evento favoreceu o contato entre os dois idealizadores e fundadores da Fazendinha: Dejair Lopes de Almeida, da Embrapa, e Raul Lucena, professor da UFRRJ.
Germinação e florescimento
Na retrospectiva apresentada por Anelise, o futuro Sistema Integrado de Produção Agroecológica começa a germinar em 1990, quando Dejair Lopes submete o projeto à Embrapa. A aprovação veio dois anos depois, com as atividades se iniciando em 1993. A partir daí, florescem projetos de extensão, pesquisas, cursos, tecnologias e tantas outras ações que não couberam na apresentação de pouco mais de 20 minutos.
Mas alguns marcos merecem citação, como o estabelecimento da legislação de orgânicos em 2003; a reforma do espaço da Fazendinha em 2009; e a criação, em 2010, do Programa de Pós-Graduação em Agricultura Orgânica (PPGAO).
Atualmente, o Sipa ocupa 70 hectares, com coordenações divididas entre os mantenedores do projeto: Área Animal; Área Vegetal; Comunicação e Eventos; Coordenação Pedagógica; Fitossanidade; e Administração.
De acordo com os dados apresentados por Anelise Dias, são produzidas mais de 200 mil mudas por ano. Os alimentos ali colhidos são repassados prioritariamente para os restaurantes universitários. “Assim, a gente reforça uma política de permanência estudantil, que é fundamental para a inserção das pessoas mais pobres no ensino superior”, salientou Dias, que também destacou o vínculo do projeto com o Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar.
Com sua história estreitamente ligada à Fazendinha, o PPGAO já formou cerca de 180 mestres de mais de 18 estados do país. No espaço também é desenvolvido o Programa de Residência Agronômica.
Todo esse trabalho desenvolvido pela e na Fazendinha Agroecológica Km 47 vem recebendo o reconhecimento social, que se materializa na série de prêmios conquistados até aqui. O mais recente foi recebido este ano: o Prêmio Ipê Amarelo, do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Mato Grosso do Sul (Crea-MS).
Semear o futuro
Em seu discurso, Paulo Renato Marques, presidente da Pesagro-Rio, afirmou que a comemoração dos 30 anos deve necessariamente trazer uma reflexão sobre a missão da Fazendinha no futuro.
“É fundamental pensarmos sobre o que vamos viver nas próximas três décadas, com o agravamento da temperatura e a mudança climática, além do aumento na demanda social por alimentos. Para a agropecuária, fazer mais com menos passou a ser a necessidade dos próximos 30 anos”, disse Marques.
Na mesma linha, Anelise Dias sublinhou que ensino, pesquisa e extensão devem se manter como as bases para o fortalecimento de novas iniciativas. E ela adiantou que um dos projetos é a criação de um doutorado em agricultura orgânica.
Com direito a bolo e canção de parabéns, o evento do dia 5 mostrou também que, naquele espaço de permanente articulação entre ensino, pesquisa e extensão, não se colhem somente alimentos saudáveis e sem agrotóxicos. Os testemunhos daquele dia de celebração demonstraram que, nestes 30 anos de história, a Fazendinha vem produzindo muita emoção, memória e laços sociais.
Isso ficou claro no discurso do presidente da Superintendência do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) do Estado do Rio de Janeiro, Celso Merola, que não segurou as lágrimas ao trazer à tona suas memórias: “É sempre muito emocionante rever as figuras queridas com as quais convivi nesse período, desde o início. Foi um esforço coletivo muito grande, feito por uma série de pessoas e instituições extremamente importantes. Como otimista, sempre imagino que vamos alcançar voos maiores, e esta estrutura é fundamental para isso. É um privilégio ter essa unidade aqui”.
Para Luiz Carlos Estrella, diretor do CTUR, a parceria com a Fazendinha trouxe uma transformação significativa para o Colégio: “A palavra-chave de hoje é gratidão – pela Fazendinha existir e por ela permitir que o CTUR seja seu parceiro. Vocês não têm noção dessa importância. Ela é bem clara para mim, que estou há mais de 40 anos no Colégio. Não só pela mudança do curso de agropecuária tradicional para o de agroecologia, mas pela mudança de mentalidade dentro do CTUR”.
Abaixo, reunimos algumas das declarações, tanto de quem estava presente quanto de pessoas e entidades que enviaram mensagens de reconhecimento e agradecimento pelos 30 anos de história da Fazendinha Agroecológica Km 47.
Texto: João Henrique Oliveira (CCS/UFRRJ), com colaboração de Rafael Gutierrez (*). Fotografias: Carolina Domard (*).
(*) Bolsistas de Jornalismo da Coordenadoria de Comunicação Social (CCS)
Reitor Roberto Rodrigues:
“As instituições são fortes porque trabalhamos juntos, e são diversas as pessoas envolvidas no desenvolvimento de projetos. Se não trabalharmos juntos e entendermos as diferenças – com destaque para o movimento estudantil de onde surgiu a ideia da Fazendinha – nós não vamos conseguir reconstruir o país nesse pós-pandemia. Precisamos de cada pessoa construindo as instituições”.
Vice-reitor Cesar Da Ros:
“É um momento de comemoração, mas também de agradecimento às pessoas que primeiramente criaram a ideia. Não só isso, como também arregaçaram as mangas para tornar a Fazendinha uma realidade. Isso numa época em que a agroecologia era um tema praticamente proscrito dentro da agricultura. Havia um preconceito muito grande em torno disso porque não tinha, naquele momento, a experiência para ser confrontada. Faltava a comprovação, mostrar que a agroecologia funcionava. Mas, desde o momento em que o modelo tradicional de agricultura se estabeleceu, os movimentos alternativos já estavam lá. Então, neste espaço da Fazendinha se construiu um lugar para gerar pesquisa e demonstrações que foram fortalecendo o projeto. Hoje, falar em agroecologia não é mais um tema proscrito porque existe um acervo considerável de experiências pelo país inteiro que estão demonstrando que existe um outro caminho para pensar em outro modelo de desenvolvimento. Ainda é um desafio, mas nós não estamos mais na situação que estávamos há 30 anos atrás”.
Anna Luiza, coordenadora do Diretório Central de Estudantes (DCE):
“A Fazendinha era um sonho, que agora se tornou uma realidade. Nós, como representação estudantil, sabemos que a Universidade tem o poder de mudar as nossas vidas. Olhar para a agroecologia também é algo que a Universidade pode fazer em favor dessa mudança”.
Deputada estadual Marina do MST:
“Como agentes da construção de um movimento social, somos muito beneficiados pelos saberes que a Fazendinha promoveu nesses 30 anos. Também somos agraciados em todo o nosso projeto de construção do modelo de desenvolvimento da agricultura. Acredito que temos três grandes desafios para o Brasil neste período – eles caminham muito ao lado dos desafios desse processo de construção dos próximos 30 anos da Fazendinha. Primeiro, é a produção de alimentos saudáveis, tendo em vista os mais de 30 milhões de pessoas no mapa da fome. Depois, a preservação ambiental, produzindo alimentos de acordo com os biomas, replantando em cada região. Por fim, o último desafio é de nós fazermos com que a agroecologia se torne um modelo e uma base de desenvolvimento para a agricultura. Não podemos mais falar em experiência agroecológica ou agricultura alternativa; precisamos garantir que a agroecologia seja, de fato, uma matriz tecnológica de produção da agricultura brasileira – e acho que a Fazendinha pode contribuir muito para isso”.
Nota enviada pelo Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA)/Via Campesina:
O Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA)/Via Campesina parabeniza a Fazendinha Agroecológica pelos seus 30 anos, por seu pioneirismo e coragem de combater a “agricultura da morte”.
Destacamos a importante parceria da Embrapa, Pesagro, UFRRJ e CTUR por manter firme a chama produção de alimentos saudáveis.
Vemos com felicidade essa trajetória longa de experiência na construção de uma audaciosa empreitada de sistema integrado de produção agroecológica, com suas pesquisas e crítica científica, comprometida com o ambiente e a saúde da população.
Por sua competência de manter unidades didáticas demonstrativas que possibilitam grande fluxo de visitas da comunidade, onde há diversas famílias camponesas de nossas bases que, com satisfação, relatam encantados a oportunidade de diálogo de saberes com essa equipe de pesquisa.
Gratos pelas parcerias. Longa vida à Fazendinha Agroecológica!