O projeto de extensão Superação na Cozinha, vinculado ao curso de Hotelaria da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), foi criado no primeiro semestre de 2020. Inspirado em iniciativas universitárias de gastronomia social, o projeto utiliza a alimentação e o conhecimento gastronômico como ferramentas para abordar questões sociais, como a desigualdade, a insegurança alimentar e o desperdício de alimentos. No caso do projeto, a gastronomia social é empregada como um meio de geração de renda, tendo como principal objetivo a capacitação profissional de mulheres em situação de vulnerabilidade socioeconômica.
O curso, atualmente, tem 12 alunas e é focado em conhecimentos teóricos e práticos. São oferecidas aulas de panificação, reaproveitamento de alimentos, manipulação de produtos alimentares e fermentação vegetal. Além disso, o projeto inclui lições de planejamento pessoal para a venda, e ensina sobre custo, marketing e precificação.
A professora Elga Batista, da área de Gastronomia da UFRRJ, é a idealizadora do projeto. Para ela, o Superação na Cozinha tem o propósito de promover dignidade, independência financeira e segurança às alunas do curso, com a finalidade de prepará-las para o setor gastronômico.
– A mulher tem muito o que conquistar ainda dentro do campo da gastronomia. Então, pensando nisso, a gente resolveu criar um ambiente feminino para que elas se sentissem mais à vontade – destacou a professora.
A iniciativa depende de doações voluntárias de alimentos, tanto perecíveis quanto não perecíveis, ofertados por pessoas interessadas em apoiar a causa, além de contribuições de outros projetos de extensão da UFRRJ.
O impacto do projeto
De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados em 2022, seis em cada 100 mulheres no Brasil viviam em situação de vulnerabilidade, representando cerca de um terço da população feminina. No estado do Rio de Janeiro, até 2021, quase 17% dos habitantes viviam com uma renda inferior a R$ 497 mensais. A situação na Baixada Fluminense é ainda mais alarmante: municípios como Nova Iguaçu e outros da nossa área estão entre as 100 áreas mais pobres do país, segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV).
O Superação na Cozinha atende mulheres de Seropédica e regiões vizinhas, como Mesquita e Nova Iguaçu. Embora as inscrições sejam feitas online, a maioria das alunas entra por meio de indicações de participantes anteriores ou pela Assistência Social do Município de Seropédica. A intenção é que as participantes possam ter contato com o câmpus.
A professora Elga acredita que a experiência de estar num ambiente universitário pode fazer muita diferença para as mulheres beneficiadas pelo projeto.
– Muitas acham que elas não podem nem entrar na universidade. Tanto é que eu já recebi propostas de fazer o “Superação na cozinha” em outros espaços e recusei –relatou Elga. – Uma das minhas premissas com o projeto é que essas alunas estejam num ambiente universitário, que elas ocupem espaços. Isso faz parte do empoderamento dessas mulheres.
A aluna Solange de Lima, por exemplo, ingressou no projeto por indicação de uma amiga. Ela já trabalhava com produção de alimentos como trabalho voluntário e queria se aperfeiçoar, mas não tinha recursos para pagar um curso de gastronomia. Foi então que descobriu o Superação na Cozinha.
– Eu estou aqui apaixonada, aprendendo muita coisa. Eles (voluntários do projeto) são muito atenciosos e respeitosos. A gente se sente impactado – revelou Solange, agradecida pela oportunidade de participar.
Além de transformar a vida de suas alunas, o projeto também foi reconhecido pelo seu impacto social e educacional, sendo premiado como o melhor projeto de trabalho na Semana Nacional de Ciência e Tecnologia (SNCT) da UFRRJ de 2023. Essa premiação não só reafirma a relevância do “Superação na Cozinha” para as mulheres da Baixada Fluminense, mas também destaca a importância do projeto no cenário regional, evidenciando sua contribuição para a transformação social e o empoderamento feminino.
Com o apoio de uma rede de estagiários e voluntários engajados, o projeto tem recebido cada vez mais reconhecimento e pretende beneficiar ainda mais mulheres, proporcionando não apenas uma formação, mas a possibilidade de transformação pessoal e profissional, impactando diretamente a economia local e as comunidades onde atuam.
Por trás do projeto
Desde o seu início em 2020, o “Superação na Cozinha” passou por diversas fases até alcançar o formato atual. Criado em meio à pandemia de COVID-19, o projeto enfrentou dificuldades para atender às necessidades das participantes. Muitas alunas não tinham sequer internet adequada para a participação das aulas. Nos primeiros dois anos, as atividades foram realizadas de forma virtual, o que anulou as aulas práticas e exigiu ajustes na abordagem pedagógica.
Em 2022, o projeto passou por outro desafio, com o afastamento temporário de Elga Batista, sua idealizadora. Mesmo com todas as dificuldades, a professora manteve a motivação, e o programa voltou a ganhar força em 2023, com a primeira turma no formato presencial idealizado originalmente.
Os bastidores também revelam histórias interessantes de quem é voluntário no projeto, como a da bolsista Laís Noronha, aluna de Engenharia de Alimentos na UFRRJ, que está envolvida há dois anos. Em sua opinião, o trabalho vai além da função acadêmica.
– O que me motiva a participar é a troca de experiências. Ter outras vivências, conhecer outras pessoas, outras maneiras de pensar, é muito enriquecedor – comentou ela. –Estar aqui com elas é maravilhoso, porque, enquanto elas aprendem, nós também aprendemos com a experiência de vida que elas trazem.
Laís ainda destaca o impacto pessoal de fazer parte do projeto.
– Eu acho essencial, sensacional estar aqui toda semana. É um aprendizado mútuo – comemorou a estudante.
Para o futuro, a professora Elga Batista já planeja expandir a qualidade do Superação na Cozinha com novos materiais de inovação na gastronomia.
– Estou tentando recurso financeiro para adquirir equipamentos que permitam ensinar técnicas mais avançadas. Quero inserir módulos que vão além do básico, ensinando o uso de equipamentos modernos, como termostatos, placas de indução e até impressoras de alimentos para sobremesas. Isso pode preparar ainda mais essas mulheres para o mercado profissional – explicou a professora.
O objetivo é transformar a sala em que as aulas são realizadas em um espaço moderno. Caso ela consiga aprovação de um edital no valor de R$120 mil, vai haver uma transformação radical no local
– A ideia é instrumentalizar as alunas para trabalhar em cozinhas profissionais com tecnologias que estão ganhando espaço na gastronomia – concluiu a professora Elga, ao compartilhar o seu sonho.
Com quatro anos de história e a formação da quarta turma presencial em 2024, o Superação na Cozinha continua a crescer e se transformar. A cada nova fase, o projeto reafirma seu compromisso em transformar vidas por meio da gastronomia social, com impacto duradouro nas mulheres que realizam o curso.
Texto: Ana Clara Tavares, Giovanna Rodrigues e Leticia Cezário, estudantes de Jornalismo da UFRRJ sob orientação da professora Cristiane Venâncio.
Fotos: Giovanna Rodrigues.
Publicado originalmente no site Seropédica Online.