A Mata Atlântica tem hoje apenas 31% de sua vegetação nativa, enquanto 67% da área foi alterada por atividades humanas. Uma análise do MapBiomas, divulgada em 2024, revela que apenas os estados do Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte e São Paulo conseguiram recuperar mais do que perder parte desse bioma. Os dados mostram a urgência de conciliar o uso responsável dos recursos naturais com o desenvolvimento sustentável. Com este propósito, nasceu o Regenera Mata Atlântica, iniciativa que une a conservação ambiental a oportunidades de geração de renda para produtores rurais.
Criado em fevereiro de 2023 como projeto de extensão da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), o Regenera atua principalmente nos municípios de Nova Friburgo, Teresópolis e São José do Vale do Rio Preto, na região serrana do estado do Rio de Janeiro. O projeto já implantou mais de 20 mil metros quadrados de sistemas agroflorestais (SAFs), modelos de cultivo que integram árvores, fruteiras e lavouras no mesmo espaço, imitando o funcionamento de uma floresta e promovendo a recuperação do solo, a biodiversidade e a produção de alimentos. Nesse período, foram cerca de 2.500 árvores nativas plantadas, 12 propriedades familiares atendidas e mais de 300 estudantes envolvidos nas ações educativas e técnicas.
Coordenado pela professora Anelise Dias, integrante do Departamento de Agrotecnologias e Sustentabilidade (DATS), o Regenera é vinculado ao Instituto de Agronomia (IA) e ao Programa de Pós-Graduação em Agricultura Orgânica, e conta com o apoio do professor Ricardo Berbara, professor do Departamento de Solos (IA), e dos engenheiros agrônomos Taila Guimarães e Daniel Dias, mestres em agricultura orgânica.
Inspirado na ideia de restauração produtiva, o projeto propõe a recuperação de áreas de preservação permanente e reserva legal com o uso de espécies nativas da Mata Atlântica, ao mesmo tempo em que oferece alternativas sustentáveis de produção agrícola. Isso permite que agricultores familiares possam cumprir o Código Florestal e, ao mesmo tempo, ampliar a diversidade de seus cultivos e fontes de renda.
O Código Florestal Brasileiro (Lei nº 12.651/2012) determina que proprietários rurais mantenham uma área mínima de vegetação nativa, chamada Reserva Legal, que varia entre 20% e 80% da propriedade, dependendo da região. Além disso, protege as Áreas de Preservação Permanente (APPs), margens de rios, nascentes, encostas e outros locais sensíveis. Quando essas áreas estão degradadas, é obrigatório promover a recomposição com espécies nativas.
Dependendo do tamanho da propriedade, por exemplo, o agricultor tem a obrigatoriedade de recompor uma faixa com vegetação nativa. É nesse contexto que o Regenera entra em ação, contribuindo para a recomposição com espécies do próprio bioma. Dessa forma, a restauração ambiental torna-se aliada da geração de alimento, renda e trabalho. O projeto busca mostrar ao agricultor que ele não está perdendo determinada área ao deixar de explorar, mas ganhando biodiversidade, variedade de alimentos e de produtos.
Como funciona o sistema agroflorestal
Devido às características da região, o Regenera adotou os SAFs como estratégia para promover a sustentabilidade no campo. Antes da implantação, é realizada uma abordagem participativa e formativa, que começa com visitas às propriedades e escuta das demandas dos agricultores. Em seguida, são feitos o diagnóstico socioambiental, o planejamento do desenho do SAF, a análise do solo e o preparo da área.
“A olericultura, do jeito que ela é praticada em áreas montanhosas, com solo nu e encanteirado e morro abaixo é incompatível com a necessidade de uma agricultura que gere menos impacto sobre o solo e a água”, explica Anelise Dias, coordenadora do projeto e professora da UFRRJ. “A ideia seria juntar a necessidade de sistemas de produção mais sustentáveis com as características do solo e do clima locais, atender ao Código Florestal Brasileiro e propor os sistemas agroflorestais, com a implantação em áreas de preservação permanente e reserva legal.”
A metodologia adotada, chamada de restauração produtiva, se baseia em princípios da agroecologia e restauração ecológica. As espécies usadas nos SAFs são ingá, ipê, paineira, jequitibá, jatobá, guapuruvu, banana, café, guandu e mandioca.
“A gente incentiva a transição agroecológica, que é essa mudança de mentalidade, de sistema, de produção do convencional para o orgânico, visando à conversão para a agricultura orgânica”, afirmou a professora Anelise.
Integração da Universidade com a comunidade agrícola
Um dos diferenciais do Regenera é a atuação junto ao Instituto Bélgica – Escola Família Agrícola Rei Alberto I, em Nova Friburgo. No colégio, foi instalado um viveiro agroflorestal pedagógico com capacidade para 10 mil mudas, que abastece as propriedades e serve de base para aulas práticas, oficinas e projetos dos alunos.
Nessa parceria, dois egressos da Escola Família Agrícola são bolsistas técnicos do projeto, e atuam diretamente na mediação com os estudantes, na gestão do viveiro e no contato com os agricultores interessados em restaurar suas áreas.
A proposta dialoga com temas em ascensão nas políticas públicas e na formação técnica e universitária, como a agroecologia, a educação do campo e a restauração de biomas. Segundo Daniel Dias, agrônomo do projeto, essas frentes se fortalecem mutuamente.
Os beneficiados pelo projeto vão desde os produtores até os jovens participantes. “Formar esses jovens para trabalhar e atuar nesta região de grande produção de olerícolas é um desafio e ao mesmo tempo gratificante, porque tem muita área de restauração protegida”, diz Taila Guimarães, coordenadora técnica do Regenera.
Ela acrescenta que o processo é essencial para explicar aos produtores a importância de plantar árvores, restaurar a mata ciliar e de seguir o Código Florestal. De acordo com Taila, o produtor, ao seguir a legislação, também terá o benefício de gerar valor econômico em seu sistema de produção. “O Regenera Mata Atlântica, para mim, é o trabalho que mais toca o meu coração, porque de fato eu trabalho com o que eu sempre estudei na Rural.”, compartilhou a agrônoma.
O Regenera contou com o apoio do projeto Farmacopeia Marik’á, coordenado pelo docente Ricardo Berbara. Para o custeio e aquisição de equipamentos, a ação recebeu recursos de emenda parlamentar do então deputado Marcelo Freixo. Por isso, a duração das atividades de extensão depende de novos investimentos.
As atividades do projeto podem ser acompanhadas na página https://www.instagram.com/regeneramataatlantica/
Confira mais fotografias do Regenera na galeria a seguir:






Imagens: arquivo Regenera Mata Atlântica.
Texto: Gabrielly Damasceno, Isabelle Valente e Luciana Gomes – estudantes de jornalismo da UFRRJ.
Supervisão: Alessandra de Carvalho – docente do curso de jornalismo da UFRRJ.