Silvia Zimmermann e Claudia Job Schmitt levam pesquisa e conhecimento acadêmico para a formulação de políticas públicas no Conselho
Em julho deste ano, o Brasil saiu do Mapa da Fome pela segunda vez neste século. O resultado, conquistado um ano antes da expectativa do governo, é fruto de políticas públicas consistentes como as desenvolvidas pelo Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), do qual tornaram-se integrantes este ano as professoras Silvia Aparecida Zimmermann e Claudia Job Schmitt, do Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (CPDA/UFRRJ).
O Consea reúne diferentes segmentos, desde movimentos sociais que lidam com temáticas de produção de alimentos até instituições de ensino e pesquisa, como no caso das professoras. Dessa forma, os pesquisadores conseguem contribuir com análises voltadas às necessidades do Conselho e, ao mesmo tempo, recebem orientações para que possam executar pesquisas que tenham sentido social mais abrangente.
O Conselho é formado por dois terços de representantes da sociedade civil e um terço de representantes do governo, o que garante que a participação social tenha contato direto com o poder público, assumindo protagonismo nas decisões. É nesse contexto que a professora Silvia Zimmermann atua como representante da Rede de Pesquisadores de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), enquanto a professora Claudia Job Schmitt exerce a função de suplente pela Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), reforçando a relevância da pesquisa científica e do debate para a formulação de políticas públicas de combate à fome no Consea.
Criado em 1993 durante o governo Itamar Franco, o Consea viveu de idas e vindas até o momento atual. O surgimento do Conselho se deu em meio ao movimento da Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida, liderado por Herbert de Souza, o Betinho, e significou uma resposta à pressão social para o enfrentamento da fome no Brasil à época. Entre os primeiros nomes de destaque, é possível citar o bispo Dom Mauro Morelli, da Baixada Fluminense, que se tornou presidente do Conselho de 1993 a 1994, e ajudou a pautar a segurança alimentar de forma sistêmica, através do debate conjunto sobre agricultura familiar, abastecimento, programas sociais e nutrição.
No entanto, durante o governo Fernando Henrique Cardoso (1995–2002), o Consea perdeu força e foi desativado logo no início do mandato. Apenas no primeiro ano do governo Lula (2003–2010) voltou a funcionar, em um movimento que reforçou a importância do diálogo com a sociedade e consolidou o Conselho como um dos pilares de programas sociais, como o Fome Zero.
Extinto novamente durante o governo Bolsonaro, o Consea foi reativado em 2023, sob o governo Lula. Para Silvia Aparecida Zimmermann, professora do CPDA e coordenadora da Rede Penssan, a reativação do Conselho foi determinante para a saída do Brasil do Mapa da Fome:
— O Consea tem um papel central no acompanhamento e, nessa retomada a partir do governo Lula, tem feito esse papel. Constituiu-se, em 2023, o Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, que estava paralisado, e agora tem sido feito o acompanhamento das políticas. Então, essa atuação do Consea é central para essa condição de saída do Mapa da Fome, por fazer esse papel de monitoramento — disse a professora.
O Mapa da Fome, elaborado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO/ONU), identifica os países em que mais de 2,5% da população vive em condição de insegurança alimentar crônica. O indicador usado é a Prevalência de Subnutrição (PoU), calculado a partir da disponibilidade de alimentos no país, do consumo real da população e da forma desigual que essa comida se distribui de acordo com a renda. Os dados são sempre apresentados em médias trienais, e, no caso do Brasil, a média 2022-2024 ficou abaixo do limite de 2,5%, o que garantiu ao país a saída do Mapa da Fome este ano.
Durante o governo Bolsonaro, no contexto de pandemia de Covid-19, somado ao desmonte de políticas públicas, a ONU apontou que 3,4% dos brasileiros viviam em subalimentação entre 2019 e 2021. No triênio seguinte, de 2020 a 2022, esse número chegou a 4,2%, o que representava cerca de 9 milhões de pessoas. Já no relatório mais recente da FAO, que considera a média de 2022 a 2024, o percentual caiu para 2,4%. Isoladamente, o dado de 2024 marcou um resultado histórico: 1,7%.
Segundo Silvia, pesquisas realizadas pelo CPDA também apontaram que a redução de investimentos no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) durante o governo anterior contribuiu para o retorno do Brasil ao Mapa da Fome. Silvia afirmou, ainda, que a ausência do Consea nesse período significou a perda de monitoramento, do acompanhamento de políticas públicas e de críticas, que ressoariam no ambiente midiático.
Antes da criação do Consea, em 1993, o Brasil já enfrentava problemas graves de nível de fome e pobreza. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), cerca de 32 milhões de brasileiros viviam abaixo da linha da pobreza naquele ano. Em levantamento realizado pela FAO/ONU sobre o período de 1990-1992, a estimativa é de que 14,8% da população vivia em situação de fome, o que representava 22,5 milhões de pessoas na época.
Coordenadora e representante da Rede Penssan no Consea, Silvia explica o surgimento e a importância do órgão no combate à insegurança alimentar e nutricional:
— O Consea passou a debater a necessidade de haver pesquisas que pudessem gerar bons diagnósticos de insegurança alimentar e recomendações para as políticas públicas. […] Então, nós temos esse papel de colocar o tema da pesquisa como central, que pode gerar indicadores de acompanhamento das condições e também recomendações no campo das políticas públicas para que a gente possa superar a condição de insegurança alimentar e nutricional — explicou.
A saída do Brasil do Mapa da Fome é a prova de que políticas públicas bem planejadas podem transformar a vida de milhões de pessoas. Os índices alcançados são importantes para o avanço da consolidação de direitos sociais e a continuidade das estratégias de combate à pobreza e à insegurança alimentar.
Ao projetar o futuro, Silvia destaca a relevância da conquista alcançada, mas aponta pontos expressivos a serem ainda trabalhados, como pessoas que ainda não conseguem se alimentar, o consumo de ultraprocessados e até mesmo a crise climática:
— A saída do Brasil do Mapa da Fome foi muito significativo, mas nós temos em torno de 7 milhões de pessoas em condição de insegurança alimentar grave, nessa condição de fome. […] Por outro lado, a mudança da dieta no Brasil para a incorporação de ultraprocessados, e condições que vão sendo derivadas daí para as doenças, como diabetes e hipertensão. […] O mesmo relatório da FAO que aponta a saída do Mapa da Fome, sinalizou que houve aumento de sobrepeso no Brasil. Além disso, essa nova condição de eventos climáticos recorrentes que reduzem a produção de alimentos também tem se mostrado um grande desafio — afirmou.
Texto e arte: Matheus Gomes (CPDA/UFRRJ).
Fotografia: Zô Guimarães/Rede Penssan.