Liderado pela professora Fabrina Pontes Furtado (CPDA/UFRRJ) e por Elisangela Soldateli Paim (coordenadora latino-americana do Programa Energia e Clima da FRL), o estudo analisou os impactos socioambientais causados pelas políticas públicas e projetos desenvolvidos na busca pelo enfrentamento das mudanças climáticas a partir do ponto de vista de grupos vulnerabilizados. “Muitos dos debates giram em torno apenas dos impactos da mudança climática, mas a importância desse livro é olhar para o que é feito em nome do clima e quais são as políticas dominantes que os Estados e as corporações estão propondo. Já ouvimos de lideranças de comunidades que essas políticas estão tendo impactos socioambientais negativos intensos, às vezes até maiores do que a mudança climática em si”, explica Fabrina.
Entre as diversas temáticas de mudanças climáticas debatidas na mídia, corporações e governos atualmente, a pesquisa foi dividida em dois eixos: Transição Energética e Financeirização da Natureza. Na primeira parte do livro, denominada Uma análise crítica sobre a transição energética no Brasil: Usinas eólicas, hidrogênio verde e minerais críticos, os principais tópicos analisados foram geopolítica energética, o setor eólico no estado do Ceará, riscos à sociobiodiversidade por grandes projetos eólicos e mineração. O foco deste eixo foi mapear e analisar criticamente os projetos de transição energética lançados por potências hegemônicas para solucionar a crise climática global e como isso reverberou em países periféricos, incluindo o Brasil.
“Bater metas de desenvolvimento sustentável podem ser fáceis quando se tem capacidade de exportar esses danos para os países mais pobres”, citam as pesquisadoras. Entre os relatórios e análises críticas realizadas, a conclusão foi de que as soluções propostas implicam a monopolização da terra, dos rios, dos minérios, dos ventos e dos campos e impactam diretamente as comunidades que circulam esses ambientes — promovendo, então, o racismo ambiental.
“A geração de energia eólica e a mineração de bens naturais para abastecer os mercados internacionais se viabiliza, portanto, pelo controle dos territórios a serem explorados por grandes nomes do capital internacional. Isso tem como resultado a criação de variados mecanismos – legais ou não – de expropriação dos grupos sociais […] levando à promoção de uma série de problemas que afetam permanentemente essas comunidades nas esferas econômica, política, social, cultural e espiritual. […] Ao não atribuir às pessoas mais comunal e intimamente relacionadas com a natureza o mesmo status de humanidade atribuído às pessoas organizadas pela territorialidade capitalista, temos como resultado a desumanização dessas pessoas e desses modos de vida, desencadeando a usurpação de direitos individuais e coletivos.”, explica o estudo em seu capítulo de conclusão do eixo Transição Energética.
Já o segundo eixo, denominado Financeirização da natureza e conflitos por terra e território: Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD) e o mercado de carbono no Brasil, aborda os seguintes temas: histórico de políticas de REDD+, panorama de projetos de REDD+ no Brasil e racismo ambiental. A análise foi feita com 107 projetos privados de REDD+ mapeados no Brasil, a partir dos registros das principais certificadoras de projetos de carbono existentes no país — Verra (87) e Cercarbono (20). Conforme observado na pesquisa, dezesseis dos projetos da certificadora Verra tiveram denúncias de conflito envolvendo processos de desterritorialização e alterações no modo de vida das comunidades tradicionais que vivem nos territórios, sobreposição de projetos com terras públicas, falsas promessas feitas às comunidades e irregularidades nos processos de consulta à população local.
“Os perigos do “aperfeiçoamento” de um mercado de carbono e o fortalecimento de projetos de REDD+ residem em vários aspectos, sendo um deles a ampliação de modalidades de ofertas de crédito a partir de programas ambientais em comunidades e florestas. […] Essas ações reforçam dinâmicas de desigualdade de renda, territorial, racial e de gênero, porque são elas mesmas condições indispensáveis para a manutenção e consolidação desse modelo. […] O racismo ambiental aparece como uma das forças motrizes para alavancagem desses projetos, porque é a partir da ameaça física e moral e o extermínio de grupos étnico-culturais que o mercado, tal como ele é posto, cresce e se aperfeiçoa. Ou seja, são projetos que não contribuem para a superação da crise climática, não enfrentam a causa do desmatamento […] e não beneficiam as comunidades, pelo contrário, geram e aprofundam conflitos e uma corrida por terra e território”, indica o estudo em seu capítulo de conclusão do eixo Financeirização da Natureza.
Para Fabrina Pontes, a pergunta final que permanece é: “Onde os projetos de combate à crise climática estão sendo localizados?” e, mais importante ainda, “Quem é afetado diretamente por isso?”. As respostas ficaram claras durante a pesquisa, evidenciando como os projetos e políticas atuais estão sendo responsáveis por ameaçar modos de vida tradicionais de povos indígenas, aumentar a disputa por território, gerar conflitos agrários e conflitos internos dentro das comunidades e ainda criar barreiras para a agricultura de subsistência. “O avanço do capitalismo extrativista tem implicações em comunidades quilombolas, indígenas e camponesas. O racismo e o patriarcado permitem que tenhamos um sistema que degrade o meio ambiente e que quem tenha que pagar os custos desse sistema sejam esses povos e essas comunidades”, enfatiza a pesquisadora.
As mentes por trás da pesquisa
Nesta colaboração entre a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e a Fundação Rosa Luxemburgo, a pesquisa que deu origem ao livro contou com doze pesquisadores de diferentes universidades públicas do Brasil que trabalham com a temática de impactos ambientais, educação no campo e ciências sociais na agricultura. Além de Fabrina Pontes e Elisangela Soldateli, coordenadoras do projeto, também participaram os pesquisadores: Aline Christina Marins Marinho, Caroline Boletta de Oliveira Aguiar, Eliege Maria Fante, Júlio Holanda, Orlando Aleixo de Barros Júnior, Karina Pecis Valenti, Marina Lobo Gibson, Pedro Catanzaro da Rocha Leão, Priscilla Papagiannis Torres e Vagner Felix da Silva. Entre eles, oito fazem parte do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade (CPDA) da UFRRJ.
De acordo com a professora da pós-graduação, Fabrina Pontes, alguns alunos de graduação da Universidade Rural também puderam colaborar com a pesquisa a partir de grupos de extensão. “Pesquisas que envolvem coletivos de graduação e pós-graduação fortalecem a atuação dos estudantes em diversos processos de ensino e extensão. Então, o livro tem essa importância para o cumprimento dos nossos objetivos tanto como pesquisadores quanto docentes”, explica.
Publicado apenas de forma digital até o momento, o livro Em nome do clima: mapeamento crítico – Transição Energética e Financeirização da Natureza teve seu lançamento em São Paulo, durante evento da Fundação Rosa Luxemburgo, e no Rio de Janeiro, durante evento do CPDA. No momento de estreia junto à pós-graduação, todos os pesquisadores e estudantes envolvidos puderam contar a experiência de participar da pesquisa e a importância para seus estudos na área.
Para mais informações sobre o Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade (CPDA), acesse: https://institucional.ufrrj.br/portalcpda/
Texto: Yasmin Alves – bolsista de Jornalismo da CCS
Fotos: Fabrina Pontes
Edição e publicação: Fernanda Barbosa, jornalista e coordenadora da CCS/UFRRJ.