Por Yago Monteiro (*)
Recentemente, casos de violência em escolas reverberaram pelos meios de comunicação brasileiros, principalmente o atentado na escola Raul Brasil, em Suzano, região metropolitana de São Paulo. Após o caso, ocorrido em 13 de março, levantaram-se discussões sobre segurança em instituições educacionais, políticas de armamento e a influência da internet.
Para debater e entender melhor essas questões, o Rural Semanal entrevistou Flora Daemon, professora do curso de Jornalismo da UFRRJ e pós-doutora em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense (UFF).
Autora do livro Sob o signo da infâmia: as estratégias midiatizadas de jovens homicidas/suicidas em ambientes educacionais (Editora Garamond), a pesquisadora centra grande parte de seus estudos na questão da violência, da mídia e da juventude.
Em seu livro, são analisados episódios de violência em diversos países. Qual a razão para, após o ocorrido em Suzano, virem à tona diversos planos e ameaças de outras pessoas com motivações tão similares?
Flora Daemon – Acredito que não exista uma razão que dê conta de toda complexidade deste fenômeno. Quando realizei a pesquisa para escrever o livro, percebi que o risco de repetição desses crimes era enorme por conta do caráter dialógico: a ação, em si, envolve sempre um planejamento de homicídios, suicídio e de rastros midiáticos que pretendem jogar luz sobre casos similares ocorridos e, também, inspirar novos intentos. Enquanto as instituições educacionais não se tornarem lugares de estímulo, tolerância, pluralidade e de amparo, infelizmente esses casos tendem a se repetir em maior frequência.
Muitos autores de ataques desse tipo utilizavam fóruns de internet para divulgarem suas ações. Isso levanta um debate entre a existência e o alcance desses fóruns. Qual a sua opinião sobre esse tipo de plataforma e a falta de controle ou regulação sobre eles?
F.D. – Creio que precisamos fazer o caminho inverso para pensar a esse respeito: fóruns e outros ambientes que tivessem como objetivo a propagação de discursos de ódio encontrariam eco nas mentes de nossas crianças e jovens se estas fossem atravessadas por valores humanísticos e práticas empáticas? Episódios recentes apontam para a urgência de lidarmos com os ‘trolls’ e perversos virtuais. Mas monitoramento sem ação concreta e cotidiana é muito limitado. Não basta proibir o discurso de ódio. É preciso que, no lugar dele, existam falas e vivências de amor, cuidado e estímulo.
Observamos nas redes sociais um grande compartilhamento de imagens do episódio em Suzano, incluindo dos feridos após o ataque e dos atiradores. O que nos leva a questionar se a cultura da violência normatiza essas imagens, muitas vezes perturbadoras, e o quanto a ação de repassá-las está ligada a informar ou chocar. Como você enxerga isso?
F.D. – Hoje é possível receber, produzir, difundir e comentar sobre conteúdos diversos com maior facilidade. Por outro lado, é preciso pensar nos impactos dessa horizontalização de forma acrítica. Se todos somos estimulados a produzir conteúdos sobre nós mesmos, como excluir desse hábito o compartilhamento daquilo que choca? Não por acaso jovens homicidas/suicidas incluem em seus planejamentos a produção de conteúdos para serem compartilhados após a sua morte. Eles já entenderam que a dinâmica da hipervisibilidade passa pela repercussão pouco (ou nada) refletida diante de mensagens violentas. É fundamental que entendamos que um jovem que mata outros jovens na escola é um jovem que já foi afetado por violências sistemáticas. E a resposta diante da violência e sua naturalização é muito perigosa.
Qual o papel dos pais e do sistema educacional ao observar possíveis comportamentos violentos?
F.D. – Quando pesquisei crimes de homicídio e suicídio em escolas e universidades no Brasil, Estados Unidos, França e Finlândia, notei mais uma recorrência: um incremento da vigilância sobre crianças e jovens logo após os episódios. O intuito era de encontrar indícios de anormalidade que poderiam provocar acontecimentos daquela natureza e minimizar influências consideradas nocivas. O que me parece fundamental nesse momento é que os atores e instituições envolvidos se impliquem num processo que transcenda o mero controle; e se voltem para a construção das redes de afeto e estímulo de valores empáticos e solidários. Se os jovens homicidas/suicidas elegem a escola como palco para suas violências é porque já era um ambiente de violências antes de o crime acontecer. Se quisermos evitar que esse tipo de evento lamentável ocorra novamente, não basta apostar no monitoramento e na censura. É necessário fazer daquele espaço um lugar importante, querido e desejado por alunos, seus pais e sociedade.
(*) Bolsista de jornalismo da Coordenadoria de Comunicação Social (CCS/UFRRJ)
Publicado originalmente no Rural Semanal 02/2019