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Professor do ICBS analisa papel da serotonina no controle da ingestão alimentar e do peso corporal

Em artigo de divulgação enviado ao Portal da UFRRJ, o professor Luís Carlos Reis, do Departamento de Ciências Fisiológicas (Instituto de Ciências Biológicas e da Saúde/ICBS), avalia o papel da serotonina no controle da ingestão alimentar, no metabolismo energético e no peso corporal. A serotonina é um neurotransmissor – molécula responsável pela comunicação das células do sistema nervoso – que atua em funções como humor, sono e apetite.

 

Em seu texto, o professor Reis cita o crescimento de pesquisas que, a partir dos anos 1970, passam a destacar a relação do sistema serotonérgico cerebral com ingestão alimentar, metabolismo e peso corporal. “O avanço dos índices de obesidade na população humana, devido ao consumo de alimentos de elevado potencial calórico, alavancou tremendamente as pesquisas nesse campo”, escreve o pesquisador.

 

De acordo com Reis, há dois sistemas que atuam nessa função fisiológica. Um deles “detecta e processa os sinais do estado de jejum indutor de fome e apetite associados à ingestão de alimento”; já o segundo, “aciona a interrupção da fome e do apetite, o que resulta em saciedade”.

 

“Quando se estabelece um déficit ou superávit na atividade de quaisquer componentes desses sistemas, se desenvolvem repercussões metabólicas e no peso corporal, como emagrecimento e balanço energético negativo, ou obesidade e balanço energético positivo”, explica o professor.

 

O trabalho do Laboratório de Neuroendocrinologia Básica e Comportamental

 

Professor Luís Carlos Reis (ICBS/UFRRJ)

Reis afirma, em seu artigo, que os sistemas que regulam nossa alimentação estão sujeitos a impactos ambientais que podem elevar a ingestão, ainda que haja sinais para a sensação de saciedade. “Por outro lado, o ambiente, a imposição social de beleza corporal, pode suscitar uma inibição da vontade de comer […], não obstante um conjunto de sinais geradores de apetite e fome”, afirma o docente.

 

Segundo o professor, trabalhos desenvolvidos no Laboratório de Neuroendocrinologia Básica e Comportamental (ICBS/UFRRJ), ao lado de outras pesquisas, apontam a relação entre distúrbios alimentares e o comprometimento de neurotransmissores. Tal comprometimento pode ser causado tanto por mutações genéticas quanto por alterações epigenéticas – ou seja, quando estímulos ambientais podem ativar ou silenciar determinados genes.

 

“Nosso laboratório foi o primeiro a demonstrar que lesões experimentais de neurônios serotonérgicos em ratos, por prolongado período, levam a um grande aumento de peso corporal sem restauração dos níveis normais, mesmo ao final de 360 dias, não obstante a normalização do consumo diário de alimento. Essas observações são corroboradas por relatos recentes que, como havíamos sugerido, o sistema serotonérgico modula não apenas o comportamento alimentar, mas também os mecanismos efetores de controle do metabolismo energético e do peso corporal”, conclui o professor.

 

Leia, abaixo, o artigo na íntegra.

 

Ainda a serotonina como player no controle da ingestão alimentar, metabolismo energético e peso corporal

 

Por Luís Carlos Reis (*)

Nos anos 1970 e 1980 foram publicadas as primeiras evidências do envolvimento do sistema serotonérgico cerebral na regulação da ingestão alimentar e metabolismo energético. Existem vários sistemas neuronais no encéfalo que utilizam a serotonina como neurotransmissor sintetizado a partir do aminoácido triptofano. Manipulação dietética na oferta de triptofano e na relação entre concentração plasmática de aminoácidos neutros de cadeia longa e disponibilidade encefálica de triptofano interfere na síntese de serotonina e, portanto, em grande variedade de comportamentos, homeostáticos, motivados, associados a aspectos hedônicos e cognitivos e status de humor. A partir dessas evidências surgiram inúmeras vertentes de pesquisa em neuroanatomia, neurofisiologia, neuroendocrinologia, neuroquímica, neurofarmacologia, neuropsiquiatria e neuropsicologia num campo de estudo frequentemente abreviado para neurociência. Várias técnicas e metodologias foram incorporadas, da estereotaxia para microinfusões intracerebrais e estimulação elétrica à reação em cadeia da polimerase em tempo real (rtPCR), Western Blotting e transcriptômica. Os murinos são os modelos experimentais mais utilizados que permitem enviesar aspectos translacionais para outros vertebrados especialmente mamíferos, como o ser humano. Eventualmente a busca por um elo filogênico para identificação de elementos homólogos em aves e invertebrados, por exemplo, são importantes para investigar como evoluíram os fenótipos, comportamental, neuroendócrino e neurovegetativo.

Essas breves observações são necessárias para contextualizar como avançaram as pesquisas sobre o papel do sistema serotonérgico cerebral na regulação da ingestão alimentar, do metabolismo energético e do peso corporal. O avanço dos índices de obesidade na população humana devido ao consumo de alimentos de elevado potencial calórico alavancou tremendamente as pesquisas nesse campo. Os animais de companhia, cães em especial, também foram igualmente afetados, mormente pela conduta de seus tutores e pela estratégia da indústria alimentícia que nem sempre se notabiliza por preocupação com a nutrição e saúde. As pesquisas implicando o sistema serotonérgico nesse campo de estudo resultaram na descoberta do envolvimento dos receptores 5-HT1B e 5-HT2C na modulação da ingestão alimentar e do metabolismo energético. Em consequência disso estudos farmacológicos proporcioram o desenvolvimento de fármacos moduladores da ingestão alimentar, alguns deles já prescritos bem antes de estudos fisiofarmacológicos mais consistentes e conclusões mais robustas. Na verdade, foram depositadas muitas esperanças na eficiência do tratamento da obesidade com o uso de medicamentos que agem nesses receptores. No entanto, os efeitos adversos foram se tornando mais frequentes. Isso resultou na adoção de condutas médicas sem uma acurada sintonia de saúde pública com o mercado dominado pela indústria farmacêutica mediante a pressão ou apatia da sociedade.

O advento de novas técnicas no estudo hodológico de circuitos neurais no prosencéfalo, notadamente no hipotálamo, permitiram a identificação de sistemas reguladores do comportamento alimentar e do metabolismo energético e por consequência, no controle do peso corporal. Isso se tornou possível especialmente o desenvolvimento de métodos de estudo moleculares. Basicamente, existem dois sistemas implicados nessa função fisiológica. Sucintamente, um deles constitui uma circuitaria que detecta e processa os sinais do estado de jejum indutor de fome e apetite associados à ingestão de alimento, enquanto disponível. Daí este sistema foi denominado via ou sistema orexigênico, ou seja, que gera o apetite (e fome). O outro, sistema contrarregulador, que processa os sinais do estado de alimentação aciona a interrupção da fome e do apetite, o que resulta em saciedade e hipofagia. Portanto, este sistema foi denominado anorexigênico. Não obstante o propósito de construir um texto resumido necessário se faz pelo menos caracterizar o segmento morfofuncional dos dois sistemas. Ambos se projetam a partir de uma pequena estrutura da base do cérebro, acima do teto da boca, chamada de núcleo arqueado. O circuito orexigênico utiliza dois neurotransmissores ativadores da fome e do apetite, o neuropeptídeo Y (NPY) e o peptídeo relacionado ao gene Aguti (AgRP) que agem em receptores específicos na resposta comportamental e metabólica. O circuito anorexigênico por sua vez expressa o neuropeptídeo hormônio alfa-melanócito-estimulante (alfa-MSH) originado a partir de uma grande proteína chamada pro-ópio-melanocortina (POMC) daí os autores denominarem essas células como neurônios POMC. O alfa-MSH ativa um receptor denominado MC4 cuja ativação conduz à inibição do apetite e da fome. Ambos os sistemas são bombardeados por miríade de sinais com ações opostas (excitatórios e inibitórios). São eles sensoriais provenientes do tubo gastrointestinal, hormonais do próprio sistema digestório, tecido adiposo, ilhotas pancreáticas, etc, e outros humorais de origem metabólica e nutricional. Tendência recente construiu a tese de que esses sistemas além influenciar (excitatória ou inibitoriamente) a exploração do ambiente em busca do alimento e confrontação com multifacetadas experiências anteriores também regulam as respostas neuroendócrinas, via hipófise, e neurovegetativas, via circuitos descendentes do hipotálamo, notadamente simpato-adrenérgicas dirigidas particularmente ao fígado e aos distintos tecidos adiposos. Ou seja, o acionamento da circuitaria orexigênica leva a respostas metabólico-energéticas anabólicas associadas ao aumento do peso corporal. Os sinais mais efetivos nessas respostas são dependentes dos níveis aumentados de ghrelina, produzida pelo estômago esvaziado concomitantemente à privação calórica e de asprosina, produzida pelo tecido adiposo branco em associação à hipoglicemia. A ativação do sistema anorexigênico, ao contrário, leva a uma reação catabólica combinada à redução de peso corporal. Muitas sinalizações são implicadas nessa resposta dentre as quais a insulina secretada pelas ilhotas pancreáticas ao longo de uma hiperglicemia e a leptina liberada pelo tecido adiposo branco são os principais protagonistas. As oscilações em limites homeostáticos na atividade desses sistemas mantêm em equilíbrio os parâmetros fisiológicos, considerando ainda que durante a ativação de um sistema o outro está sendo inibido e vice-versa. Quando se estabelece um déficit ou superávit na atividade de quaisquer componentes desses sistemas se desenvolvem repercussões metabólicas e no peso corporal como emagrecimento e balanço energético negativo ou obesidade e balanço energético positivo. É muito mais frequente os distúrbios que envolvem a inibição da via orexigênica e, particularmente, déficits na ativação do sistema anorexigênico que redundam na aceleração do ganho de peso caracterizando o balanço energético positivo muitas vezes associado ao desenvolvimento do diabetes mellitus tipo II. Em outros termos, o dispêndio energético corporal, especialmente por oxidação de gordura, é sobrepujado pelos sistemas que levam à acumulação de energia no tecido adiposo.

O próprio cérebro também gera sinais excitatórios e inibitórios de natureza homeostática e hedônica (relacionada com prazer e recompensa), por exemplo, de sistemas histaminérgico, dopaminérgico, noradrenérgico, serotonérgico, etc, veiculados a partir de várias regiões e estruturas encefálicas. No ser humano, sistemas neurais corticais podem interferir no controle na ingestão alimentar levando a definição de limites do quanto se deve comer. Esse sistema pode sofrer impacto ambiental que exacerba a ingestão alimentar num servomecanismo que associa a vontade de comer por mecanismo voluntário ao mecanismo hedônico, não obstante a geração de sinais homeostáticos para a interrupção do apetite e desenvolvimento de saciedade. Por outro lado, o ambiente, a imposição social de beleza corporal, pode suscitar uma inibição da vontade de comer particularmente por uma supressão do mecanismo hedônico (anedonia), não obstante um conjunto de sinais geradores de apetite e fome.

Dentre os sinais moduladores, ao serotonérgico foi atribuída maior relevância tendo em vista inúmeras evidências neurofisiológicas e neuroendócrinas associadas ao comportamento alimentar e aumentada transmissão e liberação de serotonina a partir da rafe mesencefálica. Os receptores 5-HT1B foram encontrados em neurônios da via orexigênica, enquanto os do subtipo 5-HT2C foram identificados em neurônios da via anorexigênica. Trabalhos de nosso laboratório e evidências de outros autores há mais de 15 anos já tinham levantado hipótese indicando esta sinalização. Mais, estudos realizados com ratos, especialmente com a produção de lesões de neurônios serotonérgicos, reportavam hiperfagia e ganho de peso corporal após dias ou poucas semanas pós-lesão. Nossos estudos foram estendidos até quase um ano de duração tendo chamado a atenção a restauração do tamanho da refeição ingerida diariamente após seis meses pós-lesão, sem alteração do peso corporal [Anais da Academia Brasileira Ciências, 77(1): 103-111, 2005]. Isto permitiu a sugestão de que há grupamentos neuronais serotonérgicos que estão implicados não apenas na resposta comportamental, mas também no concerto harmônico do metabolismo energético e no peso corporal. Isso possivelmente explica, pelo menos em parte, os distúrbios alimentares relacionados com o comprometimento citoarquitetônico e funcional desse sistema aminérgico causado por mutações genéticas e, possivelmente alterações epigenéticas. Tangenciando o escopo de um artigo dessa natureza no contexto das últimas evidências registradas na literatura se torna necessário citar os artigos de Lam e colaboradores [Endocrinology 149(3):1323-132, 2008], Yao e cols. (Frontiers in Endocrinology 12: 694204, 2021) e He e cols. (Nature Medicine, 28, 2537-2546, 2022). O primeiro e o segundo consolidam o papel dos receptores 5-HT2C na mediação central do comportamento alimentar e metabolismo energético tendo suas bases moleculares proporcionado contornos definitivos à relevância do sistema serotonérgico no controle do comportamento alimentar, metabolismo energético e peso corporal. O terceiro, que tem causado certa repercussão, inclusive no Brasil, foi recentemente publicado. Neste estudo os autores identificaram uma variante genética do receptor 5-HT2C relacionada ao desenvolvimento de hiperfagia e obesidade infantil severa em função de deficiente ativação serotonérgica de neurônios POMC. Essa observação revela um paralelismo com a já descrita mutação do gene que expressa o receptor MC4 conforme evidências reportadas por Doulla e cols. [Paediatrics & Child Health 19(10): 515-518, 2014] e Saeed e cols. [Obesity 23(8), 1687-1695, 2015] entre outros. A especulação que demandava comprovação foi elucidada pelo grupo de Bruschetta e cols. (Cell Reports 33, 108267, 2020), e.g., a interação recíproca entre o sistema anorexigênico e o núcleo dorsal da rafe (DRN) mesencefálica no qual foram identificados neurônios que expressam receptores MC4. Nosso laboratório foi o primeiro a demonstrar que lesões experimentais de neurônios serotonérgicos em ratos por prolongado período levam a um grande aumento de peso corporal sem restauração dos níveis normais mesmo ao final de 360 dias, não obstante a normalização do consumo diário de alimento. Essas observações são corroboradas por relatos recentes que como havíamos sugerido, o sistema serotonérgico modula não apenas o comportamento alimentar, mas também os mecanismos efetores de controle do metabolismo energético e do peso corporal. Esses dados robustecem o conjunto de evidências do desenvolvimento de conhecidas desordens alimentares associando hiperfagia (nem sempre expressiva) e obesidade, ansiedade e depressão implicando o sistema serotonérgico na sua gênese.

(*) Professor titular de fisiologia, Departamento de Ciências Fisiológicas, Centro Integrado de Ciências da Saúde (sala 27), Instituto de Ciências Biológicas e da Saúde, UFRRJ, com formação em fisiologia do sistema nervoso/neuroendocrinologia e neurometabolismo.


Postado em 24/01/2023 - 14:42 - Atualizado em 28/04/2023 - 11:35

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