Por Michelle Carneiro (CCS/UFRRJ)
O desmatamento de milhares de hectares da Floresta Amazônica foi motivo de polêmicas e de propagação de notícias falsas. A hashtag #prayforamazonia foi uma das mais mencionadas no Twitter e o Brasil enfrenta pressão internacional para dar fim aos incêndios na região. Em entrevista ao Rural Semanal, Jerônimo Sansevero, professor do Departamento de Ciências Ambientais do Instituto de Florestas (IF/UFRRJ), comenta os desafios que o país enfrenta com a crise na Amazônia.
Incêndios florestais acontecem com frequência durante a estação seca. Por que a questão se agravou tanto este ano?
Jerônimo Sansevero – Precisamos entender que na Amazônia os incêndios são antrópicos [resultantes da ação humana], não têm causas naturais. O objetivo é desmatar para depois incendiar. Uma das hipóteses para esse agravamento é o ‘Dia do Fogo’ [produtores rurais da região Norte teriam iniciado um movimento conjunto para incendiar áreas da floresta em 10/8]. Também existe uma questão de identificação com a mensagem que
o próprio governo envia sobre a área ambiental. Há, entre aspas, permissão ou quase um incentivo para que isso ocorra.
Quais são as maiores perdas diante desta situação?
J.S. – São inúmeras. O país passa a emitir mais gás de efeito estufa… Mas, provavelmente, a perda mais importante é a de biodiversidade, já que as espécies da Floresta Amazônica não têm adaptações para lidar com o fogo. Outro aspecto, que será sentido apenas a médio e longo prazo, é a perda
econômica. Não sentiremos agora porque não se consegue, ou não se quer (o que é pior) atribuir valor econômico à floresta em pé.
As áreas atingidas pelas queimadas conseguirão se recuperar?
J.S. – Isso não é simples de prever. As áreas em que a quantidade de floresta no entorno é expressiva, e o fogo não foi muito intenso, terão sim capacidade de naturalmente se recuperar. Áreas com muitos eventos de fogo, e sem floresta próxima, exigiriam projetos de recuperação – por
exemplo, com plantio de mudas. Já o pior cenário seria uma mudança de bioma: a interação do desmatamento e dos incêndios com as mudanças do clima da região poderiam fazer com que algumas áreas se tornassem savanas. São necessários mais estudos científicos para entender a escala
em que isso se daria.
Ainda há muita confusão sobre a importância da Floresta Amazônica. O presidente da França Emmanuel Macron, por exemplo, mencionou a expressão “pulmão do mundo”, o que é contestado por cientistas. Por que a região é vital?
J.S. – O fato de a Amazônia não ser o pulmão do mundo não faz dela menos importante. A biodiversidade da região possui valor incalculável. Outro fator é a hipótese dos rios voadores, que indica que grande parte da chuva que a região Sudeste recebe vem do Norte. Nossa segurança hídrica depende da Floresta Amazônica.
Quais são as perspectivas para a Amazônia diante da postura adotada pelo governo federal com as questões ambientais?
J.S. – Vivemos um momento de retrocesso. O pior é que o Brasil tem as condições para que isso seja feito de outra forma. Temos uma legislação ambiental boa; o que falta são condições para cumpri-la. Temos cientistas excelentes nesse campo de estudo, que deveriam ser ouvidos nas tomadas de decisões. E, com as mobilizações nas mídias sociais, vimos claramente que a posição do governo não expressa a da sociedade. O que falta é um governo que use todas essas ferramentas e atenda aos anseios de quem o elegeu. Por isso, considero importante o país receber pressão internacional em momentos como este. Não vejo isso como perda de soberania.
Poderíamos, então, falar que nós temos a floresta, o conhecimento, a legislação ambiental, mas falta vontade política?
J.S. – Não é só falta de vontade política, é mais grave: falta visão de futuro. Isso que torna o momento tão difícil.
Neste contexto, qual contribuição poderia ser dada pelas universidades e pelos cientistas da área?
J.S. – Temos que ser capazes de falar mais sobre o tema ambiental, e de uma maneira mais simples, para que a sociedade consiga estabelecer melhor relações de causa e efeito. Essa é uma característica que, em geral, falta para os cientistas brasileiros. Não somos treinados para fazer o trabalho de comunicação, de extensão… Essa é uma área em que precisamos melhorar.
Entrevista originalmente publicada na página 3 do Rural Semanal 08/2019.