A pró-reitora de Assuntos Estudantis da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), professora Joyce Alves, foi agraciada nesta quarta-feira, dia 19 de novembro, com a Medalha Tiradentes, a mais alta honraria concedida pela Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj).
A homenagem foi proposta pela deputada estadual Dani Balbi (PCdoB), em reconhecimento ao compromisso com a diversidade e inclusão e com um Rio de Janeiro mais justo. Na ocasião, houve a entrega de honrarias para diversas pessoas da comunidade LGBTQIAPN+.
A seguir, transcrevemos o discurso da professora Joyce Alves ao receber a Medalha Tiradentes:
“Este show acontece em estado de emergência e de calamidade pública, porque me falta resposta. Resposta esta que espero que alguém no mundo me dê”. Abro esta breve fala com trecho de Clarice Lispector para evidenciar a perplexidade do momento em que vivemos. São tantos socos no estômago que nem sequer temos tempo para respirar e refletir sobre as violências que nos atravessam diariamente.
Abro o noticiário e são 117 mortos na chacina do Complexo do Alemão. Abro o noticiário e 1 mulher trans é assassinada no meio da rua em Belo Horizonte. Abro o noticiário e vejo mais uma mulher trans ser espancada até a morte tbm em BH. Abro o noticiário, e mais cortes orçamentários para as universidades públicas. Abro o noticiário e, quem diria, o governo Lula sanciona uma lei que proíbe o uso da linguagem neutra na administração pública.
Mas, apesar de tudo, não sucumbimos e nem sucumbiremos. Pelas frestas, pelos becos, pelas fissuras, pelas rachaduras, nossas existências estão e estarão lá, pulsando vida, transgressões, transformações.
Este prêmio que recebo hoje não é sobre mim, mas sobre nós. É sobre a luta que travamos nas escolas, nas comunidades, universidades, no parlamento. E quantas e lindas conquistas temos conseguido nesses últimos anos! Não gosto de dizer que estou aqui porque as que vieram antes de mim morreram por mim. Não. Elas viveram e lutaram lindamente para que nós estejamos aqui, ainda que com um naco de direitos. Por isso, reverencio as nossas traviarcas Jovanna Baby, Keyla Simpson, Indianarae Siqueira, Katia Tapety, João Nery, Alessandra Makkeda, Leonardo Peçanha, dentre outres.
Sou paulista. E me mudei definitivamente para o Rio de Janeiro em 2012, quando assumi o concurso na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, lugar onde trabalho até hoje. A comunidade acompanhou meu processo de transição de gênero. Ali, trabalhando diariamente, atendendo estudantes, dando aula, a universidade viu meu renascimento. E quão importante é viver e estar numa identidade que me faz sentido.
Ser honesta comigo e com os outros foi um gesto de coragem que me impulsionou para a luta. Afinal, quando assumi a Pró-reitoria de Assuntos Estudantis da UFRRJ em 2021, me tornando a primeira pessoa trans a assumir tal cargo no Brasil, eu tinha noção da minha responsabilidade, no sentido de que ali eu representava um grupo invisibilizado e que urgia por direitos.
Movimentamos a universidade, fizemos muita coisa boa, dentre as quais as cotas trans. E quem diria? Em 2023 não havia nada regulamentado nas instituições de ensino para ação afirmativa para a população trans no Estado do Rio de Janeiro. E hoje, em 2025, temos todas as universidades públicas federais com cota trans aprovada. E as demais instituições caminhando para entrar na lista.
Como diz Dani Balbi, cotas trans abrem portas. Cota para as pessoas trans é uma ação de reparação e de justiça social. No Brasil, hoje, já temos 40 univ públicas que aprovaram as cotas para pessoas trans na graduação. Eu acredito: vamos fazer o Brasil transicionar. Transicionar para a humanidade, para a dignidade, para a justiça.
Às vésperas do dia da memória trans e do dia da consciência negra, este momento tão importante para toda a comunidade LGBTQIA+ e, especificamente, para mim. É importante AGRADECER. Agradecer ao apoio incondicional da minha família. Minha mãe Maria Rosa. Minha irmã Janaina. Minhas sobrinhas lindas Juliana e Stefani. Meu cunhado José Augusto.
Agradecer a toda a comunidade universitária, em especial aos e às estudantes e tbm ao reitor Roberto Rodrigues e ao vice César Da Ros.
Agradecer à Deputada Estadual Dani Balbi e sua equipe, não só por me conceder este honroso prêmio, mas por toda a parceria e amizade que temos cultivado ano a ano.
Agradecer aos movimentos sociais trans que me acolheram e estão comigo na luta. É muita gente mas vou resumir na figura de 3 pessoas maravilhosas: a presidenta da Antra, Bruna Benevides; a presidenta do Fonatrans, Jovanna Baby e ao Fundador e idealizador da Liga Transmasculina João Nery, Gab Van.
Dedico esta medalha a todas as pessoas trans do Brasil, que vivem na corda bamba, lutando pela sua sobrevivência. Acreditem: não sucumbiremos!
Meu pai faleceu em 2023 e deixou uma enorme lacuna na minha vida. O sonho dele é que eu fosse artista. Meu pai era compositor, poeta. De onde ele estiver, está feliz com este momento que estou vivendo hoje, agora. Jonas Alves da Silva, essa medalha tbm é sua!
O ano passado tive a honra de desfilar na Paraíso do Tuiuti para exaltar a vida e o legado de Xica Manicongo. E é dessa forma que termino esta fala carregada de emoção, com um trecho do samba:
“Eu, travesti
Estou no cruzo da esquina
Pra enfrentar a chacina
Que assim se faça
Meu Tuiuti
Que o Brasil da terra plana
Tenha consciência humana, Xica vive na fumaça”.
Obrigada!
Para saber mais sobre a Medalha Tiradentes, acesse: https://www.alerj.rj.gov.br/