Feito em colaboração com a Universidade de Nova Iorque (NYU), o estudo teve como foco a articulação entre negros e latinos através de coletivos.
Em 2020, as manifestações contra os assassinatos de pessoas negras nos Estados Unidos repercutiram em todo o mundo. Organizadas por movimentos ativistas como o Black Lives Matter, ações como essas denunciam o racismo no país e reacendem o debate sobre a necessidade e a urgência da construção de políticas antirracistas. Neste cenário, o arte ativismo abre possibilidades para uma ação antirracista que integra política, criatividade, corpo e emoção. Para além de uma função social de registro histórico, enquanto estética da arte, o arte ativismo é um movimento que se propõe a gerar engajamento político e social em torno de problemáticas que afligem a sociedade como um todo.
Em “Delineando uma “política racial contrahegemônica”: um estudo sobre a solidariedade entre Negros e Latinos no arte-ativismo nos Estados Unidos”, a professora Camila Daniel, do Departamento de Ciências Administrativas e Sociais da UFRRJ, câmpus Três Rios, analisou a articulação entre negros e latinos que vivem nos Estados Unidos no enfrentamento ao racismo através do arte ativismo. Financiada pela Comissão Fulbright, a pesquisa foi desenvolvida quando Camila atuou como pesquisadora visitante no Center for Latin American and Caribbean Studies (CLACS) da Universidade de Nova Iorque (NYU) e teve como foco a atuação dos coletivos Neighborhood Voices e The Peace Poets.
“A pesquisa foi inspirada na minha experiência como negra e latina vivendo em Baltimore em 2016 durante meu pós-doutorado. Na cidade, o racismo estrutural fomenta profundas desigualdades raciais, culminando numa tensão entre brancos e negros. Neste cenário, os latinos – de todas as raças – ficam em um não-lugar, por não se encaixarem completamente em nenhuma das duas categorias raciais preponderantes na cidade, já que “latino” não é uma categoria racial, mas sim étnica. Ao mesmo tempo, latinos precisavam lidar com o colorismo dentro da comunidade latina e a discriminação na relação com os estadunidenses”, explica Camila.
Formados majoritariamente por indivíduos racializados – ou seja, não-brancos – do Bronx (Nova Iorque), bairro berço do movimento hip hop, e de Baltimore (Maryland), ambos os coletivos têm o objetivo de estimular uma resistência cultural e o engajamento político no antirracismo através de linguagens artísticas como a poesia falada, o hip hop e a “música de movimento”, no caso do The Peace Poets, e a contação de histórias autobiográficas, no caso do Neighborhood Voices.
“O The Peace Poets e o Neighborhood Voices constroem um campo de diálogo que denuncia o racismo estrutural, socializa um vocabulário político – necessário para a comunicação antirracista – e incentiva a expressão das emoções como parte da ação política principalmente entre pessoas racializadas, historicamente silenciadas pelas estruturas de poder” completa a pesquisadora.
De acordo com as principais conclusões da pesquisa, ao mobilizar as emoções e as narrativas em primeira pessoa, os coletivos desenvolvem uma leitura crítica do mundo através da arte-ativista. Desse modo, a arte se torna um espaço de questionamento das hierarquias raciais nos Estados Unidos e na América Latina, da anti-negritude, da xenofobia e dos estereótipos sobre os indivíduos racializados, construindo o que foi denominado pela pesquisadora como “política racial contra-hegemônica”, uma articulação que parte da raça para questionar o racismo. Segundo Camila, tal conceito representa “a ação política que, por meio do diálogo interracial antirracista, denuncia as desigualdades raciais, fomenta o compartilhar das diferentes experiências de racialização, convocam os indivíduos a entender o lugar que ocupam nas hierarquias raciais e, partir daí, assumir um papel verdadeiramente antirracista”.
A pesquisadora espera que, além de contribuir para o debate sobre o racismo nas Américas e para a construção de redes antirracistas transnacionais que não se centram na branquitude, sua produção acadêmica possa incentivar a articulação entre pesquisa, extensão, artes e militância no cotidiano das salas de aula. “Tal articulação tem o potencial de descolonizar o processo de ensino e aprendizado, estimulando a circulação de saberes historicamente preteridos entre a sociedade e a universidade . Além disso, ela estimula a reconexão entre corpo, mente e emoção na produção de conhecimento, no processo de aprendizado e no engajamento político, condições sine qua non para uma formação cidadã”, conclui.
Recentemente, financiada pela organização Tinker Foundation, Camila Daniel foi convidada para atuar como professora visitante no Institute of Latin American Studies da Universidade Columbia em 2021, onde dará continuidade ao trabalho desenvolvido na NYU.
Por João Gabriel Castro, estagiário de jornalismo da Coordenadoria de Comunicação Social (CCS/UFRRJ).