Por Filipe Lima (*)
Em 1988, a morte de um aluno motivou a ocupação do Palácio da Cultura, antiga sede da delegacia regional do Ministério da Educação (MEC), no Rio de Janeiro. Hoje, 32 anos depois desse histórico movimento de discentes da Rural, fomos até o Diretório Central dos Estudantes (DCE) para entender como acontece a participação estudantil no cotidiano político da Universidade e como as representações nos órgãos colegiados são importantes.
A sala simples e com varanda, localizada acima das escadarias na entrada do alojamento universitário no câmpus Seropédica, possui uma memória significativa. Durante a ditadura militar, o diretório chegou a ser extinto, em 1968, pelo Ato Institucional nº 5. Posteriormente, seria reativado, mas com uma série de restrições que buscavam impedir e silenciar qualquer movimento crítico ao governo.
O que é o DCE?
Criado em 1963, quando a instituição ainda se chamava Universidade Rural do Brasil, o Diretório Central dos Estudantes tem como objetivo ouvir e entender as demandas dos estudantes e levá-las até a Reitoria e movimentos sociais.
Segundo Yasmim Bardanzah, coordenadora geral do DCE na atual gestão – a “Raízes Desse Chão” – a importância do diretório em todas as universidades passa por suas origens. “A gente sabe muito bem que a universidade era voltada para uma elite, de certa forma. Então, a partir do início do século passado, começam a acontecer essas insurgências estudantis, principalmente no período do Estado Novo. Assim se forma o DCE, porque é uma forma de termos representação”, explica Yasmim.
Em relação à Rural, a situação estava também atrelada a uma série de peculiaridades que cercam a instituição desde a sua criação, como a distância do centro do Rio de Janeiro, um alojamento que abrigava quase um terço dos alunos e vestibulares espalhados, na época, por diversos estados do país.
Em sua tese de doutorado, O Movimento Estudantil na UFRuralRJ: Memórias e Exemplaridade, a professora Lucília Augusta Lino de Paula (aposentada da UFRRJ e atual docente da Uerj) afirma que, através deste convívio entre tantas culturas diferentes, surge um número significativo de estudantes engajados em diversos movimentos sociais ecológicos e agrários, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra e ONGs de preservação ambiental.
“A intensa convivência acadêmica marca o movimento estudantil, dada a capacidade de rápida mobilização e ao sentimento de pertença à instituição, que favorece a inserção e participação em lutas coletivas visando a melhoria de vida no campus”, comenta Lucília em seu texto, que virou livro, publicado pela Editora da UFRRJ (Edur) em 2012.
Resgate de memórias: a ocupação do MEC
Vamos voltar um pouco para o passado, ao final dos anos 80, mais precisamente, para a noite de 20 de setembro de 1988. Por volta das 20 horas do que parecia apenas mais o final de um dia letivo normal, o jovem Iljânio Durães dos Santos, estudante de Química, acabaria por falecer dentro da instituição, vítima de um aneurisma cerebral, enquanto realizava exercícios físicos, segundo matéria veiculada no jornal O Dia, em 21 de setembro daquele ano.
“As pessoas começaram a repercutir. Todo mundo descia dos quartos e começaram a bater na porta um dos outros. Eu morava no F2 (alojamento feminino). Escutamos o pessoal do alojamento masculino gritando que havia morrido um aluno. Nisso, todo mundo saiu correndo para a sala de estudos”.
O relato acima é de Lúcia Helena Maria de Almeida. Hoje colaboradora em projetos pela Fazendinha Agroecológica Km 47, Lúcia Helena era uma estudante de Zootecnia. Esteve presente tanto nas assembleias seguintes à morte de Iljânio, como na própria ocupação do MEC.
Às 13 horas do dia seguinte, alunos e servidores da Universidade se encontravam reunidos no Auditório Gustavo Dutra, o Gustavão. O DCE tomou as rédeas da assembleia, que visava discutir, principalmente, a falta de recursos para a universidade.
“Naquele momento, havia um contexto difícil. O ministro da Educação era um senhor chamado Hugo Napoleão, e ele era contra a Universidade”, explica Lúcia Helena. Dali, ficou decidido que se o problema era o Ministério, os alunos deveriam ocupá-lo para serem ouvidas suas reivindicações.
A Rural liberou toda a sua frota de ônibus, e cerca de 400 estudantes e 15 professores desembarcaram na Avenida Presidente Vargas e foram em passeata até o Palácio da Cultura, que foi ocupado. Após 30 dias, o ministro garantiu o aumento de verbas para a Universidade e o fim de taxas acadêmicas.
Desafios atuais
Em um momento delicado da democracia no país, ainda que exercendo sua função de maneira mais autônoma do que no período da ditadura, o DCE tem acumulado várias tarefas e desafios. Além de manter o constante diálogo com a Administração Central para atender demandas gerais dos discentes, o diretório vem também tentando engajar mais os estudantes nos movimentos da Rural.
Gustavo Costa Cunha, suplente da Coordenação Geral, explica que existe uma certa distância entre o DCE e os alunos no momento. Ele afirma ainda que, durante a formação da atual chapa, esta era uma das pautas mais presentes nas discussões do grupo. “A gente entendeu que precisava aproximar movimento estudantil e discentes, porque existia um medo muito grande de não bater a cota para sermos eleitos. Pode ser que estejam desmotivados, mas eu acho que a galera não se sentiu confortável para participar de certas coisas”, disse.
Ainda com a disputa de protagonismo entre movimentos estudantis, bem como o distanciamento individual do ruralino, surgiu a ideia de juntar grupos e sair com chapa única.
Desse modo, o “Raízes Desse Chão” sinalizava seu objetivo: abranger uma diversidade maior de ideias, dando espaço para diferentes campos políticos e aumentando as chances de o estudante se sentir mais representado. “Como somos forças políticas e visamos ao progresso dentro da Universidade, para o ser humano como um todo, decidimos fazer uma ampla unidade”, conclui Yasmin Bardanzah.
Quais são as representações estudantis na Universidade
Além do DCE, que reúne pautas de diversos outros diretórios e participa ativamente dos conselhos universitários, há outros fóruns com assento garantido aos estudantes.
Cada colegiado é composto por 20% de representantes dos discentes. Portanto, os alunos podem participar diretamente do Conselho Universitário (Consu), órgão máximo de consulta e deliberação coletiva; do Conselho de Curadores (Concur), responsável por fiscalizar a situação financeira da Universidade; e também do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe).
A escolha dos representantes destes colegiados se dá através do próprio DCE, que organiza as chapas e realiza as eleições. Conforme o artigo 37 do Regimento Geral da UFRRJ, os representantes discentes possuem mandatos válidos por um ano, sendo permitida uma recondução.
Os estudantes também têm representação nos colegiados de cursos e departamentos. A eleição acontece entre os próprios discentes, é organizada pela coordenação do curso ou chefia do departamento, e obedece a um edital. O escolhido fica na função por até dois anos.
Mas, afinal, como é representar uma comunidade de mais 20 mil estudantes? Quem fala um pouco deste desafio é Suelen Geozi Ferreira, graduanda em História, e representante discente no Cepe.
“Às vezes é um pouco caótico, pois tentamos dialogar sobre as demandas, mas nem sempre é possível atendê-las, infelizmente”, explica. “Quando o assunto é sobre um curso específico, procuramos seus alunos para sabermos o posicionamento, ou se de fato eles estão por dentro do tema. Na maioria das vezes, esse contato é virtual e em menor número do que pensamos ser o ideal”.
Para saber mais sobre as normas para representação discente, leia o Regimento Geral da UFRRJ: https://bit.ly/31Lk6Sm
(*) Bolsista de Jornalismo da Coordenadoria de Comunicação Social (CCS/UFRRJ)
Publicado originalmente no Rural Semanal 11/2019