
Ao defender seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) na graduação em Matemática da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Alexandre Fernandes Júnior, de 23 anos, desafiou o diagnóstico de que teria uma vida vegetativa por conta da paralisia cerebral que afeta sua coordenação motora. Com o título ‘Minha trajetória escolar: uma narrativa autobiográfica sobre ser estudante PCD e futuro professor de Matemática’, a defesa foi realizada em 24 de novembro de 2025.
A paralisia de Alexandre foi causada pela ingestão de mecônio antes de nascer. Mecônio é a primeira excreção do bebê, uma substância espessa e de cor verde-escura que se forma no intestino durante a gestação. É composto por células mortas, líquido amniótico engolido, bile e secreções intestinais. A ingestão ocorreu porque o parto demorou a ser feito.
Superação e bom humor representam a vida de Alexandre. Ele tem o apoio da mãe Elizete Fernandes, que o acompanha em todas as situações. Inteligente e estudioso, Alexandre ri e dribla desafios todos os dias. Usando sua sensibilidade aguçada, percebe tudo que se passa a seu redor, inclusive olhares, cochichos e comentários.




Preconceitos e reações não são o bastante para frear este jovem que desenvolveu o Game da Coleta Seletiva, no âmbito do Projeto 3Rs. O game educativo ensina as pessoas, desde crianças até idosos, a fazerem a coleta seletiva. Outros jogos e produções foram desenvolvidos por Alexandre, em conjunto com outros estudantes.
Alexandre tem toda uma vida acadêmica e ainda está em dúvida sobre o que vai estudar daqui para a frente – se vai se dedicar à robótica, ao projeto 3 Rs, a lecionar Matemática ou ao mestrado… Ele gosta de tudo e ainda não sabe o que vai fazer. A certeza é que não vai parar.
Em conversa com a jornalista Miriam Braz, Alexandre e a mãe explicaram que, em seus quatro anos de UFRRJ, câmpus Seropédica, foram muitas as limitações de acesso, como falta de rampas e elevadores; ou a presença de rampas estreitas e íngremes para o trânsito da cadeira de rodas. Além de bicicletas estacionadas em locais públicos, como o Restaurante Universitário, que inadvertidamente ficam na calçada e atrapalham a passagem dos cadeirantes. Imagine, então, locais em que a porta é estreita e a cadeira não passa? Ou lugares em que, sem pensar na locomoção de um cadeirante, alguém coloca um armário atrás da porta, que não se abre totalmente, impedindo a passagem da cadeira. Alguns banheiros são adaptados, mas há sempre uma dificuldade. Às vezes ficam no final do corredor, o que atrapalha a manobra com a cadeira, por exemplo. Além disso, a mãe precisa empurrar a cadeira de rodas do filho por longas distâncias no câmpus Seropédica.
E assim todos vão aprendendo a cada dia com a resiliência e a dedicação de Alexandre. E todos temos muito a compreender sobre o que é empatia, respeito, reconhecimento e justiça. No dia 3 de dezembro, comemorou-se o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência. A data foi criada pela Assembleia Geral da Nações Unidas em 1992, com o propósito de promover a compreensão sobre as questões da deficiência e mobilizar apoio à dignidade, aos direitos e ao bem-estar das pessoas com deficiência. Agradecemos ao Alexandre por permitir que a UFRRJ fizesse parte de sua incrível história de dedicação e superação.










Leia, abaixo, os depoimentos dos professores, que, com carinho, destacaram o sorriso, a força de vontade e as qualidades do Alexandre.
Extremamente dedicado e sempre com um sorriso no rosto, Alexandre superou todas as dificuldades para realizar seu sonho: tornar-se professor de Matemática. Diante de limitações e barreiras que exigiram ainda mais determinação, ele contou com o apoio da família — especialmente de sua mãe e de sua irmã — para vencer cada desafio. Sua trajetória inspira e reafirma o poder do foco e da perseverança na busca pela realização de um sonho.
Daniel Reis de Oliveira, coordenador do curso de graduação em Matemática e professor do Departamento de Matemática (Instituto de Ciências Exatas/UFRRJ)
Alexandre Fernandes transforma desafios em criatividade. Ao desenvolver jogos com o 3Rs UFRRJ, une sua trajetória de vida, sua sensibilidade e sua força de inclusão. Ele prova que acessibilidade e inovação andam juntas — e que o jogo da vida se faz com equidade, talento e coragem.
Robson Mariano da Silva, professor da disciplina Linguagem de Programação 1 (Departamento de Computação/Instituto de Ciências Exatas) e coordenador do Projeto 3Rs
O Alexandre é um aluno muito especial. Ele tinha tudo o que era necessário para ser um grande matemático: tinha muita vontade, era disciplinado, inteligente e amava o que fazia. Tinha limitações motoras sérias? Sim. Mas suas qualidades ofuscaram suas limitações, e seu desempenho acadêmico foi excelente. Sua mãe, uma guerreira inabalável, sempre esteve ao seu lado. Ele está fadado ao sucesso. Foi uma honra ter sido seu professor.
Montauban Moreira de Oliveira Júnior, professor do Departamento de Matemática (Instituto de Ciências Exatas/UFRRJ)
Alexandre Fernandes reinventa o possível com a força de quem transforma o mundo ao ocupar seu lugar. Sua trajetória na UFRRJ celebra a potência dos corpos que resistem e afirmam direitos. Ele nos lembra que inclusão não é favor — é direito e é justiça. Ele, junto com sua mãe, entrega alegria e inteligência, iluminando caminhos para que outros também possam brilhar.
Gisela Pinto, professora do Departamento de Matemática e orientadora do TCC de Alexandre Fernandes
Texto e fotografias: Miriam Braz (CCS/UFRRJ)
Fotos da defesa de Alexandre: acervo de Elizete Fernandes
Revisão/edição: João Henrique Oliveira (CCS/UFRRJ)