O filósofo e professor do IM/UFRRJ, Renato Noguera | Foto: Gabriela Cyrne.
Por que nos apaixonamos? O que sabemos sobre o amor? Como abordar estas questões em plena pandemia do coronavírus? Estas e outras indagações são respondidas pelo filósofo Renato Noguera em seu novo livro, apropriadamente intitulado “Por que amamos?”. A escritora e ativista Djamila Ribeiro é autora do prefácio da obra, que classifica como um “monumental estudo sobre o amor”.
Composto de ensaios precisamente estruturados, o livro do professor da UFRRJ trabalha o imaginário da escrita pelas mais diversas noções do amor que a humanidade já viu e experimentou. Não é um manual de autoajuda, como pode se supor. Longe disso. Renato Noguera não faz um perfilamento de orientações e ensinamentos, mas recepciona experiências amorosas dos mais diversos grupos humanos, abordando conceitos com base em explicações científicas, nos aspectos culturais, míticos e filosóficos.
É nesse campo que fala da concepção e do projeto de relacionamento, sob a ótica do ciclo da vida, de acordo com a expectativa de cada um, expondo modelos de amor e de amar, mostrando como até hoje se lidou com sentimentos como o ciúme e a raiva — porque algumas maneiras de amar podem ser melhores do que outras. Em outras palavras, trata do amor romântico ao poliamor, da monogamia à poli conjugalidade.
Para Renato Noguera, se há uma ética para o amor ela é tida como a investigação sobre a moral, já que é preciso ter sempre em conta quais princípios uma pessoa traz da vida para os relacionamentos amorosos. Se o conceito de ética estabelece-se desta forma, o filósofo corrobora a premissa aristotélica de que amar é um ato político, dado que ele incorpora, como é natural, dilemas de uma vida “político-afetiva” — o fenômeno que é a combinação de todos os fatores, pelos quais se direciona. Ou seja, o amor envolve a gestão da admiração, do desejo e das inseguranças que rondam os afetos que compõem a arte dos relacionamentos, como em Romeu e Julieta ou nas histórias de Oxum, filha de Orunmilá.
Tomando como base experiências do passado, sejam ocidentais ou do mundo africano, Noguera traz para a performance amorosa o que ele chama de “mapa de propósitos”. Com isso estabelece o conceito da hospitalidade, como o da recepção, na lógica de que o outro é um estrangeiro, um desconhecido, e como tal precisa ser bem recebido, bem recepcionado, no seu ambiente, mas sem afetar o seu modo de ser ou sua carga emocional.
O conjunto de regras que vai fazer com que o “hóspede” se mantenha satisfeito durante o seu período de acolhimento é o mesmo de dizermos que o amor é um percurso onde os propósitos se alimentam, onde os dons florescem e as dádivas são recebidas com gratidão. Neste caso, os propósitos devem estar bem definidos ou juntos, com destaque para o papel da comunidade, sobretudo no contexto africano, já que o amor tem a ver com a capacidade de sobrevivência do indivíduo.
Outro ponto bastante interessante em “Por que amamos?” está na concepção das relações como projeto narrativo: a história de cada um formulada como uma pedagogia da vida. Renato Noguera nos diz que é fundamental que se desenhe o relacionamento. Nesta perspectiva é que fala da paixão, como uma chave de leitura dos afetos, que se relaciona com a ideia de que a falta do amor desumaniza o outro.
Noguera cita a pensadora africana Sobonfu Somé, que reflete, em “O espírito da intimidade”, sobre a sabedoria dos povos Dagara, e a “roda cosmológica”, identificada nos elementos da natureza: água, terra, ar e fogo. O filósofo percorre o mesmo dilema unidimensional, centrado na ideia de que o amor não é um produto de venda ou negócio, muito menos propõe ideias inovadoras para consertar casamentos em decomposição sentimental. Para ele, a busca da felicidade conjugal é “um caminhar em conjunto”, e uma tarefa constante de buscar “o bem-estar com alguém”. Nesse entendimento, se o amor é tirado do contexto espiritual, a tendência é que fique exposto a perigos, internos e externos, e sua eficácia fatalmente se comprometerá.
Se para Sobonfu Somé “toda pessoa é um espírito com propósito”, para Renato Noguera a estética, ou “gramática do amor”, como ele diz, está nas dimensões que levam uma pessoa à vida plena. Neste ponto se refere à escalada da montanha, quando fala que a paixão é uma potência que leva duas pessoas até o seu topo. Este percurso faz com que haja um acúmulo de conhecimentos, algo que tem a ver com a construção de uma nova narrativa, numa noção de que, para o amor, precisamos de outra pessoa para percorrer os caminhos da vida, escutar e conhecer suas histórias.
As histórias em si, como a de Sherazade, em “As mil e uma noites”, ou a “Biografia do Língua”, romance do caboverdeano Mario Lucio Sousa, é que alimentam o seu imaginário e trazem algum sentido para a relação, respeitando-se seus formatos, modelos e projetos existenciais.
Ou seja, para Renato Noguera o encontro amoroso tem maior chance de sobrevivência, de longevidade, quando o casal ou as partes envolvidas o identifica como uma história que precisa ser contada em conjunto. O sentido de tudo isso é saber que a vida é que impõe a vontade de amar, e “amar é contar histórias”, segundo o autor.
Por isso que cabe a cada um de nós, em particular, encontrar a forma de melhor narrar para o outro uma boa história para manter acesa essa aventura.
Por Tom Farias, jornalista e escritor.
Reproduzido do jornal “O Globo”, edição de 05/09/2020.