Nos dias 7 e 14 de julho, integrantes da alta gestão da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) participaram da capacitação “Oficina para gestores: prevenção e enfrentamento ao assédio moral e sexual, letramento racial, letramento sobre gênero e sexualidade”, organizada pela Coordenação da Política Institucional pela Diversidade, Gênero, Etnia/Raça e Inclusão (CPID) e pela Coordenação de Desenvolvimento de Pessoas (Codep).
Meiryellem Pereira Valentim, doutora em Serviço Social pela UFRRJ, pesquisadora do TRAPPUS/PUC-Rio (Trabalho, Políticas Sociais e Sujeitos Coletivos), assistente social da UFRRJ e coordenadora da CPID iniciou o ciclo de palestras, no dia 7 de julho, abordando a questão do assédio moral no ambiente de trabalho.
Assédio moral
A coordenadora explicou o conceito de assédio moral, as diferenças de assédio dentro e fora do ambiente laboral, questões sensíveis do dia a dia, bem como formas de prevenção e enfrentamento da questão para uma plateia composta de pró-reitores, assessores, além do reitor Roberto Rodrigues e do vice-reitor César Da Ros.
Perguntada sobre a importância da capacitação especificamente para a alta gestão, Meiryellem explicou: “A universidade exerce um papel fundamental na sociedade, é um espaço de construção e possibilidades, que também está submetido aos mesmos desafios e contradições da sociedade. Pesquisas apontam para um aumento exponencial dos casos de assédio moral e sexual e outras violências laborais que reverberam na saúde dos trabalhadores e das trabalhadoras, dos/das estudantes, de toda comunidade acadêmica. Desta forma, é essencial capacitar a gestão para o reconhecimento e o enfrentamento do assédio moral, haja vista a confluência de esforços para criação de campanhas preventivas e mecanismos de combate aos assédios e todas as formas de violência laboral. Este mesmo princípio está posto para questões relacionadas ao racismo e à LGBTQIfobia. É necessário ter uma gestão comprometida com o antirracismo e livre de homofobia”.
Racismo
Em seguida à apresentação sobre o assédio moral, os participantes puderam aprender um pouco mais sobre racismo e conceitos interligados. Jairo Carioca de Oliveira, doutorando e mestre em Educação Contemporânea e Demandas Populares pela UFRRJ, com pesquisas voltadas para relações étnico-raciais, feminismo negro, subjetividade e epistemicídios, foi o responsável por conduzir a palestra.
Segundo Jairo, o letramento racial é essencial para que a alta gestão compreenda e enfrente o racismo estrutural que atravessa as instituições. “Sem esse processo formativo, decisões estratégicas sobre currículo, contratações, permanência estudantil e distribuição de recursos, seguem reproduzindo exclusões. A gestão precisa abandonar a neutralidade e assumir a responsabilidade ética de promover políticas antirracistas, reconhecendo que o epistemicídio é uma prática histórica no ensino superior brasileiro”, explica o pesquisador.
Questionado sobre o que as instituições podem fazer em prol de uma postura antirracista, Jairo foi enfático: “Adotar uma postura antirracista exige ação estrutural: implementar ações afirmativas, garantir permanência estudantil, revisar currículos sob a Lei 10.639/03, promover equidade nas contratações e formar continuamente docentes e gestores em relações raciais. O combate ao racismo institucional deve ser contínuo, com instâncias permanentes de escuta, responsabilização e produção de saberes negros. Não basta não ser racista, é preciso ser ativamente antirracista”.
Jairo explica que o Brasil ainda sofre de analfabetismo racial estrutural. “Persistem o mito da democracia racial, a ignorância sobre a história da população negra e a recusa em reconhecer o racismo como estrutura. Esse analfabetismo não é só informacional, mas político e afetivo: está nas escolas, universidades, nas práticas institucionais e nas subjetividades”, e conclui: “A recusa em nomear o racismo é uma das formas mais eficazes de sua reprodução”.
Assédio sexual
No segundo dia de capacitação, Meiryellem tratou do assédio sexual no ambiente de trabalho. “O espaço universitário é constituído por profundas desigualdades sociais, representativas do capitalismo, mas é também um lugar de construção, problematização e propagação de conhecimento capaz de impactar toda a sociedade”, iniciou a coordenadora.
A coordenadora da CPID citou um levantamento feito pelo Tribunal de Contas da União (TCU), no qual se avaliou que 60% das universidades federais não possuem políticas adequadas para prevenir e combater o assédio. “O resultado corrobora as pesquisas científicas que apontam o aumento no número de denúncias sobre casos de assédio moral e sexual, estando as mulheres negras e pessoas LGBTQIAPN+ entre as maiores vítimas dessas violências”, ressalta.
LGBTQIAfobia
O último assunto abordado na capacitação para a alta gestão foi a questão do letramento sobre gênero e sexualidade e o combate à LGBTQIAfobia, conduzida por Leandro Rodrigues Nascimento da Silva, docente do quadro efetivo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), mestre em Educação (UFRRJ); e doutorando em Educação (UFRRJ).
Sobre a relevância de uma capacitação sobre gênero e sexualidade para a alta gestão, Leandro foi enfático: “O letramento de gênero não pode ser encarado como um tema periférico ou restrito a algumas disciplinas; ele precisa atravessar a estrutura da universidade, especialmente chegar à alta gestão. São essas instâncias que decidem políticas, alocação de recursos e diretrizes institucionais. Quando a gestão não está letrada em gênero, ela reproduz – ainda que involuntariamente – violências simbólicas, epistemológicas e estruturais contra corpos dissidentes. Então, levar essa discussão para os espaços de decisão é uma forma de enfrentar as desigualdades dentro da própria universidade, promovendo uma cultura institucional mais inclusiva e justa”, ressaltou.
Questionado sobre o que as instituições podem fazer em prol de uma postura avessa à LGBTfobia, Leandro explicou: “A primeira coisa é parar de tratar a questão LGBT como um ‘problema’ a ser resolvido, e passar a enxergar as pessoas LGBT como parte constitutiva da vida acadêmica. Isso significa garantir representatividade nos espaços de poder, criar políticas de permanência específicas, ouvir as demandas da comunidade LGBT e combater ativamente as violências – que vão desde piadas no corredor até evasões silenciosas por medo ou humilhação. E mais: é preciso formação continuada para docentes, técnicos e estudantes, revisão de currículos, protocolos de acolhimento e escuta ativa. Não dá mais para fingir que está tudo bem enquanto pessoas LGBT seguem adoecendo e sendo marginalizadas dentro do ambiente universitário”.
Leandro também mencionou a questão do pouco conhecimento sobre o universo LGBT na sociedade brasileira, da carência de uma “alfabetização” sobre o assunto. “O Brasil até pode ser um país com uma grande cena LGBT culturalmente falando, mas quando a gente olha para o cotidiano, para as escolas, para os ambientes de trabalho, para os espaços públicos, o que se vê é uma profunda ignorância – muitas vezes violenta – sobre o que significa ser LGBT neste país. Faltam referências positivas, faltam políticas públicas eficazes e falta, sobretudo, escuta. O que a gente chama de ‘alfabetização’ nesse contexto é justamente isso: garantir que as pessoas compreendam que identidades de gênero e orientações sexuais não são modismos ou desvios, mas formas legítimas de existir. E enquanto essa compreensão não for coletiva, o preconceito vai continuar se disfarçando de opinião, e a violência vai continuar sendo naturalizada”, concluiu.
Cursos e outras iniciativas voltadas para a comunidade acadêmica
A Codep promove cursos relacionados à prevenção ao assédio moral e sexual, letramento racial, letramento sobre diversidade e gênero, e outras capacitações relacionadas aos temas, abertos a toda a comunidade acadêmica. O modelo de oficina direcionado aos gestores da Universidade foi idealizado junto à CPID para a soma de esforços na construção de uma política de enfrentamento aos assédios e a todas as formas de violência laboral, alinhados a uma conduta antirracistas e antiLGBTfóbica na UFRRJ.
“A CPID nasce de um histórico de lutas da comunidade acadêmica em prol de uma universidade mais justa e equânime. Assim, a missão da CPID é criar um ambiente universitário onde todos/as/es se sintam acolhidos/as/es e respeitados/as/es, celebrando a riqueza das diferenças. Aqui, acreditamos que a diversidade é a base para o crescimento e a inovação. Trabalhamos de modo a promover a igualdade de gênero, a valorização das diversas etnias e raças, e a inclusão de todas as pessoas, garantindo que a UFRRJ seja um espaço de aprendizado acessível e justo”, explica Meiryellem.
A CPID trabalha com uma agenda pedagógica permanente para tratamento e discussão das muitas formas de violência, em uma dimensão preventiva e de promoção da equidade no que se refere à etnia/raça, gênero, sexualidades, pessoas com deficiência, diversidade e inclusão, na perspectiva da interseccionalidade.
As ações pedagógicas serão organizadas em forma de campanhas, com o intuito de mobilizar, formar e sensibilizar a comunidade acadêmica. “No total, serão organizadas quatro campanhas, que acontecerão ao longo de cinco meses do ano”, ressalta a coordenadora da CPID.
Sobre o resultado da oficina para gestores, Meiryellem se mostrou satisfeita. “O curso atingiu o objetivo proposto. As oficinas tiveram adesão de praticamente toda a gestão, com a presença em todas as aulas do reitor, vice-reitor, chefe de gabinete, pró-reitores, e praticamente todas as unidades administrativas vinculadas à Administração Central. A temática foi amplamente debatida, com discussões proveitosas. A proposta é materializar o conhecimento adquirido em mecanismo de prevenção e enfrentamento aos assédios e a todas as formas de violência”, concluiu.
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