Matheus Brito (*)
O direito à objeção de consciência no uso de animais no ensino ganhou força com a última resolução normativa do Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea), publicada em abril, sobre restrições ao uso de animais em sala de aula (veja em https://bit.ly/2PoPhAX). É garantido que o estudante, por essa diretriz, tenha o direito de fazer a atividade de forma alternativa, sem nenhum prejuízo para sua formação, e nenhum prejuízo para a avaliação que o professor realiza.
Lauren Baqueiro e Túlio Vieira, graduandos de Biologia da UFRRJ, posicionaram-se contra o uso de animais nas aulas práticas do curso. De acordo com Túlio, os discentes atuam na defesa dos bichos por entenderem que houve um avanço científico e tecnológico, e que é necessário repensar como os animais são vistos na sociedade. “Existe uma fragmentação histórica do nosso pensamento em que a gente se desvincula da natureza, não se enxerga como um animal também e cria uma noção de superioridade”, explica o estudante.
Porém, o debate ainda não ocorre no Instituto de Ciências Biológicas e da Saúde (ICBS/UFRRJ). Lauren conta que fez seu pedido de objeção em 2013, mas não teve resposta até hoje. Segundo a estudante, “existe todo um trâmite burocrático, intensificado justamente para retardar o processo de retorno à adesão dos pedidos”. Ela conta também que houve tentativa de engavetar os pedidos de objeção de consciência no Instituto: “Este documento é perdido na sala de algum professor e demoram a dizer onde está. Se formos consultar no site da Rural, não indica a localização. Além de um problema pedagógico, há o descaso com o aluno”.
Houve uma tentativa de debater a questão ICBS, através de uma comissão que encerrou seus trabalhos diante de um impasse: a geração de dois pareceres, sendo um contra e outro a favor. Para o professor Luciano Alonso, docente associado do Departamento de Anatomia Animal e Humana (ICBS/UFRRJ), quem trabalha na educação precisa ver a modernização como prioridade. “Se a Universidade está encastelada numa estrutura burocrática, departamentalizada, que não permite a oxigenação de ideias e atualização de seus membros docentes e técnico-administrativos, evidentemente chegaremos a uma situação em que as pessoas individualmente vão defender posições ultrapassadas. Estruturalmente, somos preparados para dizer ‘não’ ao pensamento que vem de fora”, opina o professor.
Em algumas disciplinas, o animal já está morto, num processo chamado de fixação, podendo ser guardado, conservando ao máximo as características necessárias para seu estudo. Quando esse processo não é possível, professores utilizam animais vivos, mortos antes ou durante as práticas. “Você o mata, para levar novamente para a sala de aula, e simplesmente o aluno ver, tirar foto e publicar no Facebook. É uma objetificação constante. Não tem conteúdo, não há discussão sobre zoologia, morfologia, anatomia. Temos que problematizar isso”, desabafa Lauren.
O discente Diego Marcelino, do 8° período de Biologia, não é um objetor, mas concorda com os valores defendidos pelos colegas. “Há muitos alunos que apoiam os objetores de consciência. Eles também percebem que a Lauren e o Túlio têm muitas dificuldades quanto a isso, com professores negando suas ótimas ideias”, disse Diego.
A discussão no IV
Situação um pouco diferente ocorre no Instituto de Veterinária (IV). Desde o início da campanha pela regulamentação da objeção de consciência na Rural, foram contabilizadas 87 pedidos apenas no curso de Medicina Veterinária, de acordo com dados dos próprios estudantes. A primeira solicitação foi coletiva, com quatro autores. Já a segunda representou a maior objeção coletiva do Brasil, a qual teve 50 estudantes objetores, e que culminou na construção do regulamento atualmente vigente do curso.
Um dos estudantes que aderiram à objeção no curso de Veterinária é Joshua Moysevich. Ele e outros estudantes são membros do coletivo Katumbaia, grupo de extensão que trabalha a questão do uso de animais no ensino desde a sua fundação, em 2008. Joshua conta que, após eventos realizados tanto no IV quanto no ICBS, os estudantes perceberam certa abertura dos professores ao tema. “Conforme a discussão foi se aprofundando e os preconceitos foram sendo desfeitos, formou-se uma base de apoio que antes não acontecia”, lembra o discente, afirmando que a reação era muito parecida com o que ocorre atualmente no ICBS. “Ouvimos as afirmações mais absurdas, como a de que o objetor não quer estudar, colocando estudantes contra estudantes. Principalmente em disciplinas do primeiro período, há professores desestimulando alunos a entrarem com a objeção de consciência, porque isso iria destruir o curso”, conta.
“Infelizmente, o pensamento científico ainda é muito conservador. Pesquisadores e professores acabam reagindo mal a esses estudantes, gerando toda uma insatisfação de parte de uma massa crítica importante dentro das universidades e centros de pesquisas. Além disso, alguns estudantes acabam comprando esse discurso discriminatório contra colegas que pensam diferente”, diz o professor Luciano.
Métodos substitutivos
Atualmente, os animais são usados no ensino através de cadáveres e peças eticamente obtidas, oriundas de hospitais e clínicas veterinárias, e que possuem documentação atestando a procedência. Para os estudantes, esta seria a postura mais transparente, responsável e inclusiva no ambiente acadêmico.
Porém, outros três métodos são questionados: o uso de cadáveres sem certificação, onde os alunos não sabem se o animal foi morto para determinada prática; a morte de animais para uso no ensino, sendo apontada como um dos maiores problemas pelos discentes (e pela inexistência de uma rede de aproveitamento de cadáveres do hospital veterinário e clínicas da região); por último, sendo a prática mais frequente, o uso de animais vivos em aula, que pode levar ao desconforto ou óbito durante uma prática.
Numa das disciplinas, Túlio e Lauren precisaram montar um insetário, instalação feita para conservar ou criar insetos, para a disciplina de Entomologia Geral. Enquanto muitos alunos matavam os bichos com éter, os estudantes objetores preferiram coletar animais já mortos.
No entanto, para os objetores, não existe uma fórmula pronta, e às vezes a solução virá do consórcio de diferentes métodos e estratégias, de acordo com a disciplina e com o objetivo da aula. “Como o insetário que montamos, utilizamos animais para confeccioná-lo. Mas a gente não interferiu no ciclo de vida de nenhum deles para construir este trabalho. Pensar em métodos alternativos não é excluir a possibilidade de ter animais em sala de aula. A questão é como esses animais chegaram lá”, argumenta Túlio.
Os estudantes contam que utilizam ainda aplicativos, softwares e vídeos, que ilustram de forma mais clara o comportamento de animais em seu habitat. Além disso, é possível repetir quantas vezes necessárias uma análise, aprofundando o conhecimento. Lauren também afirma que os métodos substitutivos não são caros, lembrando uma coleção de cadáveres eticamente obtidos pelo Departamento de Anatomia Animal e Humana. “Isso não custou dinheiro. Custou idoneidade profissional e trabalho. Se for investir, que seja na qualidade de ensino”, disse a estudante.
O professor Luciano Alonso lembra que a experimentação animal é só uma fatia dentro das ciências. “Acho que a gente deve aproveitar o ímpeto dos estudantes que entram com esse pensamento para que eles sejam inseridos em estruturas institucionais. A própria matriz dos cursos precisa prever a inserção desses estudantes para que eles estimulem, então, uma nova forma de fazer ciência, dentro de um novo paradigma, pois isso enriquece o avanço científico. Avançamos mais rápido se tivermos um pensamento diferente”, conclui.
(*) Bolsista de Jornalismo da Coordenadoria de Comunicação Social (CCS/UFRRJ)