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Equipe coordenada pela Rural estuda planta daninha resistente a herbicidas
Conheça a buva, a planta que está dando a maior dor de cabeça para os produtores de soja por resistir a herbicidas comuns no mercado
À esquerda, a planta daninha buva, e à direita, a soja; espécie pode prejudicar produtores rurais (Foto: Mais Soja/Divulgação)
A buva é uma planta daninha que está tirando o sono dos produtores rurais brasileiros, principalmente os de soja. E a razão principal disso é a sua resistência a mais de um herbicida, o que vem dificultando seu controle nas lavouras. De acordo com o site da organização International Survey of Herbicide Resistant Weeds, especializada em plantas daninhas resistentes a herbicidas, uma equipe coordenada por pesquisadores da Universidade Rural foi a primeira no mundo a comprovar que um tipo de buva é resistente a um dos herbicidas utilizados no mercado, os inibidores da enzima Protox. Quem coordena esta pesquisa é a engenheira agrônoma Camila Pinho, que é professora da UFRRJ e lidera o Grupo de Pesquisa Plantas Daninhas e Pesticidas no Ambiente (PDPA), juntamente com o professor Aroldo Machado. O estudo tem colaboração da Fapur.
Estudar a resistência da buva a esses herbicidas é importante porque a presença desta planta pode dar prejuízos financeiros incalculáveis ao produtor. Uma pesquisa publicada pela Embrapa estima que os gastos com o cultivo sobem em até 222% quando plantas resistentes estão presentes nas áreas de produção de soja. Quando uma planta daninha infesta uma plantação, ela prejudica o produtor porque “disputa” com o cultivo principal a quantidade de luz, água, nutrientes e espaço. Então, imagine o prejuízo que você teria se fosse um produto de soja e uma planta daninha aparecesse no mesmo solo para “roubar”, por exemplo, a luz e a água que sua plantação consome. Ou pior: imagine se a infestação não fosse de uma planta qualquer, mas sim desta buva resistente, que você não consegue eliminar com os herbicidas mais utilizados no sistema?
Infestação de buva em plantação de soja na região do oeste do Paraná, safra 2017/2018. (Foto: Andherson Matuczak/Arquivo)
Daí vem a relevância da pesquisa de Pinho. Atestar cientificamente que a buva é resistente aos herbicidas mais tradicionais foi o primeiro passo para se tentar descobrir novas formas de combatê-la, antes que ela prejudique mais plantações como a soja, o principal cultivo brasileiro do agronegócio.
“Essa planta é um problema grande para as áreas de soja, pois o gasto com as lavouras aumenta muito”, conta Pinho. “Já se sabe, desde 2005, que a buva é resistente ao glifosato no Brasil, um produto amplamente utilizado nas lavouras de soja. Então, ela já era considerada um grande problema. Agora, essa ‘nova’ buva, que surgiu neste ano, resiste ao glifosato e a outros herbicidas também convencionais no mercado. Com essa ‘superresistência’, conhecida como resistência múltipla, vai ser muito difícil o controle dela no campo, e as implicações disso na prática são muito sérias para o sistema de produção de soja”, relata a pesquisadora.
O retrocesso pode ser enorme, segundo a professora. Isso porque, ao perceberem a ineficiência de herbicidas nas plantas daninhas, os produtores podem recorrer a técnicas alternativas que causam maior impacto no solo.
“O sistema de plantio direto foi um avanço na agricultura brasileira, pois é considerado um sistema sustentável que reduz muito o impacto da agricultura sobre o solo. Antes do plantio direto, era comum os produtores ‘mexerem’ no solo com uma série de máquinas, como grades e arados, e isto resultava em erosão, compactação, entre outros impactos negativos para o sistema. Com o plantio direto, há uma redução expressiva no uso de máquinas, além da manutenção da cobertura no solo, o que o ‘protege’ de maiores danos”, diz ela. “Porém, estes novos casos de resistência de plantas daninhas a herbicidas podem ser uma ameaça ao plantio direto, pois pode ser necessário que se retorne a revolver o solo como única alternativa para o controle dessas plantas”, explica.
“Super planta” continuou viva mesmo depois de altas doses de herbicida
A ideia do estudo surgiu devido a reclamações de produtores rurais sobre a dificuldade de eliminar essa espécie de buva mesmo com a aplicação do Paraquat, um herbicida muito utilizado em áreas de soja. Daí, um grupo de especialistas em plantas daninhas coletou esse material na cidade de Palotina, no Paraná, e fez um teste que constatou a resistência da buva a esse produto. Em seguida, a amostra foi enviada ao grupo de pesquisa da professora Camila Pinho, para que se analisasse mais a fundo o motivo dessa resistência.
Pesquisadora comparou buva sem aplicação do herbicida inibidor da Protox (controle) com buvas depois de doses crescentes; penúltima à direita contém 8 vezes a dose de bula e continuou viva (Foto: Arquivo)
Ao receber a amostra, Pinho testou outro tipo de herbicida também utilizado na cultura da soja: os inibidores da enzima Protox. Mas esse teste não é algo simples de se fazer. Para se provar que uma planta daninha é resistente a determinado produto, é necessário aplicar o herbicida na planta, verificar os resultados nela, e depois esperar que suas sementes façam nascer uma nova planta para se reaplicar o produto. É o que a pesquisadora chama de “herdabilidade”: uma planta só pode ser registrada como resistente a um herbicida se suas “filhas” apresentarem a mesma reação.
Além disso, Pinho também precisou de uma outra planta “sensível” ao produto, ou seja, alguma amostra que ela tivesse certeza que morreria depois da aplicação. Isso serviu para comparar como a planta resistente e a planta “normal” se comportam com o herbicida. Nos testes são aplicadas doses crescentes dos herbicidas, que chegam até dezesseis vezes a dose recomendada na bula. O resultado foi de cair o queixo: mesmo depois de aplicar oito vezes a dose de bula, a planta resistente continuou viva, enquanto a planta “normal” morreu logo nas primeiras doses. Os resultados então foram enviados para o site internacional especializado na área, onde também estão relatados 49 casos brasileiros de resistência em plantas daninhas.
Solução para combater buva está longe de ser descoberta, diz pesquisadora
Depois de provar a resistência da buva, o próximo passo agora é calcular o quanto ela está espalhada no Brasil.
“A única coisa que se sabe é que, no oeste do Paraná, onde essa planta foi coletada, há uma infestação da planta que os produtores não conseguiram controlar. Entretanto, é difícil afirmar o quanto das plantas são resistentes, pois a falta de controle pode se dar por diferentes razões”, relata Pinho.
Outro passo importante a ser dado é descobrir como combater essa planta. Estudos conduzidos pelo grupo da professora indicam que estas plantas de buva podem apresentar resistência a outros herbicidas disponíveis no mercado. Então, a pesquisadora explica que o caminho é detectar todos os produtos a que ela pode ser resistente para depois saber como propor uma alternativa. Além disso, é necessário descobrir por que ela ficou resistente. Só que isso vai levar tempo: Pinho estima que esse estudo vai demorar no mínimo dois anos. As pesquisas estão sendo coordenadas pelo PDPA/UFRRJ e realizadas em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o Centro de Energia Nuclear na Agricultura da Universidade de São Paulo (CENA/USP) e a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ/USP).
O controle destas plantas não pode ser baseado em um novo herbicida. Isso porque os herbicidas atuais funcionam a partir de uma lógica comum de combate às plantas daninhas, ou seja, a maioria dos produtos que temos hoje no mercado, embora sejam de grupos diferentes e atuem nas plantas em locais diferentes, no final matam as plantas daninhas da mesma forma. A suspeita é que esta buva seja resistente não só a um produto ou outro, mas sim a esta lógica. Se isso for confirmado, o problema é ainda maior.
“Não surge no mercado um novo mecanismo de ação herbicida desde a década de 80. E não é por falta de pesquisa e investimento, mas sim pela dificuldade encontrada neste processo. Dentro dos mesmos grupos de herbicidas já existentes, surgem moléculas novas, porém elas matam as plantas do mesmo jeito. Ou seja, se a planta é resistente a um herbicida do grupo, a chance de ser aos outros também é grande. Por isso, quando você fala de resistência, aplicar outro produto não serve muitas vezes, porque a planta pode se tornar resistente ao mecanismo de ação (grupo do herbicida) e não ao produto específico”, justifica.
Para a professora, a saída por enquanto é investir na prevenção, evitando que essa planta se desenvolva na plantação.
“Uma das formas de se prevenir é recorrer a alternativas de manejo, que envolvem o manejo cultural, controlando o banco de sementes e não deixando essa planta germinar. Temos indícios da pesquisa que, se aplicados na semente, os produtos estão controlando esta planta”, recomenda. “O produtor não pode ficar só no herbicida, ele tem que se conscientizar e usar outras ferramentas de controle”, diz ela.
“Se a FAPUR não existisse, esse projeto não existiria”, afirma professora
Grupo de estudos em plantas daninhas da Rural é creditado em site internacional por pesquisa sobre resistência a herbicidas (Foto: Arquivo)
A engenheira agrônoma salienta que o apoio da Fapur foi essencial para o projeto. A Fundação colaborou oferecendo assistência burocrática, e este não é o único projeto da pesquisadora que recebe esse apoio. Junto com a Fapur, Camila Pinho também tem projetos que estudam outros aspectos envolvendo herbicidas, como influência da compactação de solos, a relação com a chuva, e ainda há um projeto de extensão que leva todo este conhecimento aos produtores e agrônomos que estão no campo.
“É impossível fazer todos esses projetos com recursos apenas da instituição. Hoje não temos garantia também de recursos públicos, como da Faperj ou CNPq. Então, a gente precisa conseguir recursos de agentes privados e associações sem fins lucrativos para conduzirmos essas pesquisas. A única forma que uma universidade consegue ter uma porta para se gerir recursos privados é pela Fundação. Então, se a Fapur não existisse, nada disso existiria”, destaca. “Eu tenho muito carinho pela equipe da Fundação porque, sempre que precisamos, todos foram muito solícitos e eficientes”, finaliza.
Por Victor Ohana, da FAPUR.
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