Filipe Lima
As novas formas de se comunicar pelas redes parecem ter vindo para ficar e, ao mesmo tempo, para se informar também. Dessa nova tendência, a expressão “Fake News” – termo em inglês para designar as notícias falsas – ganha destaque nos veículos de mídia. Em um país onde, segundo a agência norte-americana Quartz, cerca de 70% da população se informa pelas redes sociais, as preocupações com a onda de notícias falsas são justificadas, sobretudo em período eleitoral.
Quais os riscos de a internet desbancar os meios mais tradicionais de notícias como a televisão ou o rádio? E até que ponto isso é mais democrático? Doutor em Comunicação e Cultura Contemporânea pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e professor de ‘Comunicação e Novas Tecnologias’ na UFRRJ, André Holanda avalia, nesta entrevista, diversas questões sobre este novo método de se obter informações.
Na obra ‘1984’, George Orwell cita a criação de vários ministérios naquela distopia, incluindo um Ministério da Verdade, responsável pelas notícias, entretenimento, educação e belas-artes. Sua única função é mentir; e algumas pessoas já comparam isso às fontes de ‘fake news’ nas redes sociais. Você considera essa comparação correta?
André Holanda – Acho que alguma coisa nesta linha certamente está acontecendo, e isso não é só no caso das redes online de comunicação. Nos meios de massa também. Nos Estados Unidos, isso é um discurso muito presente, onde Donald Trump se torna famoso por fazer alegações muito mais pelo efeito do que por se referir à realidade; e num ritmo tão grande que dessensibiliza as pessoas, que passam a achar que esse é o jeito de fazer política. O que já era uma suspeita agora se torna um método cínico de administração da opinião pública. Não creio que exista um movimento totalitário em um governo que faz isso, mas uma cultura deste fenômeno que tem sido chamado de ‘pós-verdade’.
Existe alguma forma de combater efetivamente as ‘fake news’ sem cair para o campo da censura?
A. H. – Não acredito que a censura seja o caminho. Acho que a gente está lidando com um problema de ruído nesse campo informacional. Para você conseguir qualificar uma informação, o caminho não é reduzir o canal, mas sim filtrar o ruído. Isso quer dizer encontrar um mapa de navegação, acrescentando mais informação. Quando você oferece aos seus leitores uma recomendação de leitura, mapeamento de sites legais, você está oferecendo informação adicional que auxilia as pessoas a lidarem com aquele ruído todo. O Google faz isso, pois acrescenta informações em um ambiente onde há muitos detalhes e permite que você encontre coisas com mais qualidade.
Alguns candidatos nestas eleições, como Romeu Zema (NOVO) e Wilson Witzel (PSC), surpreenderam ao desbancar políticos tradicionais no cenário brasileiro. É possível atribuir o crescimento desses candidatos ao declínio dos meios mais tradicionais de comunicação?
A. H. – Eu acho que sim. Antigamente esses candidatos não agendavam com força suficiente nos meios tradicionais, ficando de fora da cobertura tradicional, já que não eram figuras relevantes. Hoje, pelas redes sociais, eles aparecem como alternativa. Em uma eleição como essa, onde as pessoas não aguentavam mais as mesmas opções e os votos foram quase sempre como protesto, existe uma possibilidade muito maior que um candidato, correndo por fora e sem currículo na política, apareça como novidade. É difícil eles encontrarem um método de fazer isso em um modelo centrado na mídia de massa, que é mais controladora.
A internet passa uma sensação de ser mais democrática que a televisão ou o rádio, por não passar por grandes regulações além da neutralidade de rede. Essa sensação é verdadeira?
A. H. – Não. No começo do surgimento das novas mídias, muita gente se entusiasmou com esse aspecto que a gente considerava horizontal, que era a ausência desses centros, hierarquias e periferias. Mas era tudo conversa fiada. Eu, inclusive, fui um desses otimistas. A internet é muito centralizadora na verdade, pois facilita a formação de imensas estruturas como o Google, Facebook, Youtube… que se caracterizam por serem os únicos sistemas que recebem todos os recursos. O potencial que a internet tinha para abaixar as barreiras do acesso à condição de emitir conteúdo funciona tanto para quem é fascista, como para quem é democrático. O que ela oferece é um acesso mais fácil para a fala. Isso não é necessariamente mais democrático, mas algo mais pluralista, inclusive ao abrir espaço para vozes radicais ou minoritárias.
Existe uma insatisfação da população com os conglomerados de mídia tradicionais ou um desinteresse em checar informações?
A. H. – São as duas coisas relacionadas, sim. Passamos muito tempo imaginando que a recepção era passiva, que a mídia distorce e manipula. Não aceitamos mais essa visão quando a gente pensa na recepção dos meios culturais, onde o público faz a própria mediação. A mídia atende aos interesses públicos, inclusive quando dá meios para que sejamos alienados e possamos odiar nossos adversários políticos sem se interessar por política. A maioria dos eleitores não quer se mobilizar, mas ficar em casa reclamando, tendo espantalhos para culpar, inimigos para odiar e se sentindo com autoridade moral. O trabalho da mídia oferecendo isso é ruim para a qualidade midiática e a democracia, mas é o que o público quer. Eles estão pedindo para que a mídia fortaleça o sectarismo e as fofocas. Se a mídia tradicional não tem critérios de moral elevados, encontram amadores para isso, e aí sim há o risco de sermos manipulados por estes agentes.
Ainda há salvação para os serviços tradicionais de informação ou eles estariam condenados ao papel de coadjuvantes neste novo modelo?
A. H. – É possível que exista uma especialização, no sentido de que o grande público não seja mais um público de mídia profissional, tratando como entretenimento, mas vai existir sim algum campo com informações tradicionais. Tem gente, como os poderosos, que precisam da informação de qualidade. Noticiários políticos, econômicos, dentre outros, para essas redes. O perigo é a gente estar lidando com uma fase de consolidação da noção de entretenimento, de notícia como “esporte”, como uma arena de gladiadores. Isso que me parece pior, que é o circo midiático da política, também voltado para outras áreas.