A visita do ex-Presidente da República Luís Inácio Lula da Silva ao Instituto Multidisciplinar, câmpus de Nova Iguaçu da UFRRJ, em 8 de dezembro, deu ao político não apenas a oportunidade de conhecer uma das obras construídas em sua gestão, mas também de conversar com reitores e diretores das instituições públicas de ensino e pesquisa do Rio de Janeiro. No encontro, os dirigentes fizeram uma análise do contexto de decadência em que se encontra a educação no país e solicitaram ao ex-presidente apoio à defesa da autonomia universitária, a valorização dos projetos públicos para educação e ciência no Brasil. Participaram do evento UFRRJ, UFF, UFRJ, Unirio, UERJ, UENF, UEZO, CEFET-RJ, IFF, IFRJ, Fiocruz, LNCC, INT e SBPC.
O Reitor da UFRRJ Ricardo Berbara leu um carta dirigida ao ex-Presidente em nome das instituições presentes. O texto na íntegra está reproduzido abaixo.
Presidente Lula,
Em nome das instituições públicas de ensino que aqui se fazem representar, é uma honra recebê-lo no Campus de Nova Iguaçu da UFRRJ.
Ele foi concluído em 2010, no seu último ano de governo, e exemplifica os grandes avanços realizados pelo Brasil naquele momento histórico em relação à ampliação do acesso ao ensino superior, abrindo maiores e melhores oportunidades para a juventude do nosso país.
O Brasil necessita de suas universidades federais, de seus institutos federais de educação tecnológica, de seus institutos de pesquisa vinculados ao Ministério da Ciência e Tecnologia e ao Ministério da Saúde.
É importante lembrar que o Rio de Janeiro reúne o maior número de doutores da América Latina, podendo se afirmar como um estado em que processos produtivos de alta tecnologia, intensivos em ciência, possam se consolidar em benefício do bem-viver de toda população brasileira. É também um estado com extraordinário potencial cultural e artístico que poderá projetar o país nesses campos.
As universidades públicas federais do Estado do Rio de Janeiro (UFF, UFRJ, UNIRIO, UFRRJ), o CEFET-RJ, os institutos federais de educação (IFF, IFRJ), saúde (FIOCRUZ) e ciência e tecnologia (CBPF, LNCC, INT, IMPA entre outros) e as universidades estaduais do Rio de Janeiro (UERJ, UENF, UEZO) vivem grave crise orçamentária que ameaça, objetivamente, o futuro da educação, da ciência e da tecnologia.
A virtuosa expansão do sistema de universidades mudou (e está mudando) para melhor o país: a democratização ampliou de modo inédito os estudantes provenientes das escolas públicas, propiciando o ingresso de número inédito de estudantes negros e provenientes das frações de classes mais exploradas e expropriadas. Doenças estão sendo enfrentadas, gargalos tecnológicos superados, a produção cultural e artística está elevando a cultura brasileira, e os desafios educacionais passaram a ser mais bem conhecidos, abrindo caminho para a superação do baixíssimo nível educacional do povo brasileiro.
No caso das Universidades Federais, no período de consistente elevação orçamentária (2007-2013), no escopo do REUNI, as verbas de custeio para efetiva manutenção das universidades passaram de R$ 2,2 bilhões em 2007 para cerca de R$ 5 bilhões em 2013 e as de investimentos passaram de menos de R$ 1 bilhão para R$ 5 bilhões no mesmo período. Entre 2005 e 2015, a proporção de jovens entre 18 e 24 anos matriculados nas universidades brasileiras dobrou, subindo de 10% para 20%.
Finalmente, cerca de 66% dos estudantes das Federais provêm de famílias com renda familiar per capita de até 1 e ½ salários-mínimos, enquanto o percentual de alunos negros nas instituições federais de ensino superior passou de 34% para 48%, tornando-as muito mais próximas da realidade demográfica do país, expondo a falácia do Banco Mundial em recente relatório.
O sistema também evoluiu qualitativamente. A proporção de docentes com mestrado e doutorado cresceu de 49%, em 1995, para 91%, em 2015. A proporção do número de alunos de pós-graduação passou de 6%, em 2005, para 11%, em 2015. O número de programas de pós-graduação passou de 714, em 1998, para 2.147, em 2015. Foi um salto extraordinário. Todas as universidades públicas e centros de pesquisa aqui representados participaram intensamente desse processo, criando novos cursos, ampliando o número de vagas e construindo novos campi.
Entretanto, nos últimos anos, os recursos despencaram, ameaçando gravemente as conquistas alcançadas. De fato, o custeio foi reduzido para menos de R$ 4 bilhões em 2016, enquanto, em 2017, estas verbas caíram para R$ 3,2 bilhões. A situação das verbas de investimentos foi ainda pior: despencaram de R$ 5 bilhões para R$ 2 bilhões em 2016 e, neste ano de 2017, para pouco mais de R$ 1 bilhão.
O quadro da Rede Federal não é distinto. O orçamento global passou de R$ 2,7 bilhões em 2015 para apenas perto de R$ 2 bilhões, interrompendo o seu virtuoso processo de expansão.
O resultado foi a interrupção das obras da expansão, provocando sucateamento e colapso na infraestrutura das universidades e o esfacelamento de redes de pesquisa duramente construídas.
Hoje, diante do sucateamento das Instituições Públicas e da degradação da situação política, jurídica, econômica e social de nosso país, e, diante das ameaças da intolerância e do obscurantismo, é fundamental recuperarmos a esperança em um futuro melhor, pautado no aprofundamento da democracia e da justiça social.
Os últimos acontecimentos, após grotesco abuso de poder praticado contra a UFMG, repetem práticas de um Estado policial, exatamente como se passou com a prisão do Reitor Luiz Carlos Cancellier, da Universidade Federal de Santa Catarina, há pouco mais de dois meses.
Apenas o desprezo pela lei e a intenção política de calar as Universidades, locus do pensamento crítico, podem justificar a opção de um Estado que violenta a cada dia conquistas da cidadania, que pensávamos eternamente garantidas.
Cláusulas pétreas dos direitos humanos como a presunção da inocência e o habeas corpus se tornam a cada dia letra morta, sob a manta de ministros do Supremo Tribunal Federal que a tudo observam, passivos, sem se indignarem ou reagirem na defesa de princípios constitucionais elementares. Observam o surgimento da serpente do autoritarismo e do Estado de Exceção e nada fazem. Ao contrário, com o seu silêncio, o estimulam.
Cabe, portanto, mais uma vez, às forças sociais críticas e democráticas se insurgirem na defesa do Estado de Direito, conquistado após árduas campanhas. As Universidades públicas, Institutos Tecnológicos, bem como nossos centros de pesquisa, encontram-se neste campo.
Conclamamos Vossa Excelência que, em seu governo, demonstrou consciência da gravidade dos problemas das instituições universitárias e de ciência e tecnologia, e dos valores da democracia, apoiar esses legítimos e republicanos pleitos. Em função disso, agradecemos sua visita. Pertencemos, as nossas Instituições, à sociedade brasileira, e estaremos sempre abertos para receber os seus legítimos representantes para somar forças em defesa dos interesses do país, da democracia e da solidariedade.
Nova Iguaçu, 8 de dezembro de 2017.