Por José Cláudio Souza Alves, professor do Departamento de Ciências Sociais/ICHS/UFRRJ
Por que policiais, traficantes e milicianos votaram em Bolsonaro? Cada um destes tem seus interesses próprios e objetivos específicos, mas há um elemento comum: o aumento dos confrontos traz ganhos para todos eles.
Mais repressão eleva o preço do mercado de drogas e somente grandes facções permanecerão – as que conseguirem controlar a fronteira e os corredores para os países latino-americanos produtores de drogas. A indústria bélica terá uma explosão na demanda, aquecida legal e ilegalmente, já que o tráfico de armas segue em paralelo ao tráfico de drogas, milícias e maior letalidade policial. Fuzis AR15 e AK47 passarão a conviver com metralhadoras Ponto 30 ou Ponto 50. O suborno extraído do traficante aumentará e a resposta dos traficantes às operações se intensificará. Policiais poderão estabelecer novos patamares de ganho a partir do aumento da repressão. Milicianos ampliarão suas taxas de lucro. Preços da segurança cobrada de moradores e comerciantes, do gás, da água, da “vanzinha” serão majorados. Ou poderão ser reduzidos, dependendo da escala que alcancem num cenário de fortalecimento do controle militarizado das áreas. Milicianos já não precisarão mais de gorro, num cenário de abatimento liberado de negros, pobres favelados e moradores de periferia. Uma profissão em ascensão no mercado de trabalho do crime organizado.
Todo o tabuleiro do mundo do crime passará a se mover em um novo cenário. Líder de grupo de extermínio em consórcio com traficantes, antes por ele executados, participarão de licitações na prefeitura para drenarem os fundos públicos. Milicianos, prefeitos, vereadores, deputados e secretários municipais retalharão os patrimônios naturais, logísticos e de serviços públicos nos acordos de manutenção dos grupos dominantes. Traficantes cobrarão taxas de segurança e milicianos ampliarão sua presença no tráfico de drogas. Chacinas invisíveis – não registradas pela polícia nem noticiadas pela mídia – redefinirão as fronteiras entre facções, milícias e batalhões. Mortes diárias pulverizadas no cotidiano da população seguirão a correnteza do velho silêncio dos que buscam permanecer vivos. O grande capital fará arranjo com aqueles que lhe deem maior retorno e maior garantia de proteção.
O calcanhar de Aquiles desta proposta política, então, começará a se revelar. Policiais, traficantes e milicianos eleitores de Bolsonaro, visando ampliar seus ganhos, corroerão, por dentro da estrutura política, o pilar da segurança pública. As contradições internas à relação dos interesses, potencializadas pelo aumento do conflito e dos ganhos, solaparão, progressivamente, a sustentação deste pilar da oratória bolsonariana. As bases do edifício estão calcadas no que promoverá a sua ruína, num cenário de ampliação do fosso social, a partir de medidas privatizantes e supressoras de direitos.
Movimentado pela incessante entrada de dinheiro, cuja regulação é a medição de força, via conflitos pelo controle de áreas, o mercado do crime organizado, no ventre do Estado bolsonariano, irromperá na desilusão da massa que o elegeu. Incontornável, há que outros arranjos dará ensejo? Amputará as pernas que o sustentam?
Publicado originalmente na página 2 do Rural Semanal 15/2018, em espaço destinado prioritariamente a colaborações da comunidade universitária. As opiniões expressas são de responsabilidade exclusiva de seus autores.