Ciência dos Dados, Inteligência Artificial, Engenharia de Software e Sistemas de Recomendação. Para um leigo na área de Ciência da Computação, esses termos soam como algo futurista, de pouca aplicabilidade para o ser humano comum, mas isso é um baita engano! Nosso dia a dia está imerso nesses conceitos, e hoje, são aplicados até mesmo em áreas antes inimagináveis, como no controle do doping.
Em março deste ano, o professor Filipe Braida, do Departamento de Ciência da Computação (DCC), câmpus de Nova Iguaçu, participou de uma roda de conversa no II Congresso Olímpico Brasileiro. O tema foi “controle de doping”, um assunto corriqueiro nas áreas de pesquisa em Educação Física, mas, aparentemente, incomum para docentes que conduzem trabalhos sobre inteligência artificial, mineração de dados e sistemas de recomendação.
Braida explica que, na verdade, a interdisciplinaridade é muito frequente nos estudos da Computação, que vem revolucionando todas as áreas do conhecimento e interferindo cada vez mais em nosso cotidiano.
Ao trabalhar com engenharia de software e inteligência artificial, o docente procura orientar seus alunos para que façam algo aplicável, criando sistemas inteligentes que possam trazer algum benefício para a sociedade ou para a computação. Daí o motivo pelo qual convites para participar de debates envolvendo a tecnologia e outros setores do conhecimento, como os esportes de alta performance, passam a ser cada vez mais comuns para os docentes desta área de pesquisa.
Ciência da Computação – alguns conceitos-chave
Mas do que se trata, exatamente, uma pesquisa em “inteligência artificial” ou conceitos como “mineração de dados” e “sistemas de recomendação”?
Inteligência artificial (IA) é a ciência de construir máquinas ou sistemas inteligentes, que pode ser dividida em quatro campos: sistemas que pensam como humanos; sistemas que agem como humanos; sistemas que agem racionalmente e sistemas que pensam racionalmente. “Todos são estudados atualmente e, cabe observar, que as quatro abordagens são bem distintas. Por exemplo, produzir sistemas que agem como humanos não necessariamente significa dizer que agem sempre racionalmente. O agir racionalmente implica tomar decisões de forma mais eficiente ou eficaz possível, o que nem sempre ocorre para o ser humano. Outro exemplo é o estudo do pensar como ser humano, em que o foco é simular estados internos cognitivos do ser humano, sem se importar em resolver problemas de forma racional”, explica Braida.
“Vamos pegar exemplos do mundo real. Imagina que você queira construir um sistema que identifique placas de carro a partir de uma câmera fixada numa via. Na abordagem clássica, sem uso de IA, seria necessário codificar regras para várias imagens distintas de placas, como defeitos na pintura, tornando o código longo e complexo. Com o uso de IA, é possível resolver este mesmo problema sem a necessidade de codificação explícita, apenas utilizando exemplos de placas. Há várias vantagens nisso, pois há a redução do custo de produção do código, manutenção e até mesmo uma maior eficácia. Este tipo de abordagem é denominada aprendizado de máquina”, esclarece o docente.
Por sua vez, mineração de dados é, basicamente, o processo de explorar dados com o objetivo de encontrar padrões. Esta área de pesquisa envolve diversas outras, como estatística, programação, reconhecimento de padrões, recuperação de informação e inteligência artificial. “Sempre explico mineração de dados fazendo a relação com o garimpeiro onde o objetivo dele é minerar a caverna no intuito de encontrar ouro, ou seja, encontrar uma informação que não foi descoberta, que não seja óbvia e que seja útil para necessidades específicas do negócio ou do problema. Podemos ilustrar a sua aplicação, caso se queira identificar padrões de comportamento de consumidores em um estabelecimento comercial de forma a aumentar o número de vendas deste estabelecimento, apenas mudando o layout de seus produtos”, explica.
Outra área muito estudada é a de sistemas de recomendação. Nesta, seus métodos conseguem sugerir itens que aumentam a satisfação do usuário. “Podemos considerar que são ferramentas para auxiliar o usuário em alguma tomada de decisão, como por exemplo, quais itens que ele quer comprar ou quais músicas ele quer escutar. Os sistemas de recomendação têm como objetivo aliviar a sobrecarga de informação, ainda mais agravado com o paradoxo da escolha, ou seja, quanto mais opções de escolhas, não necessariamente torna-se mais fácil escolher”, completa o docente.
Doping e Inteligência Artificial
No caso da aplicação da inteligência artificial no controle do doping, a UFRRJ, em convênio firmado com o Comitê Olímpico do Brasil (COB), vai desenvolver uma pesquisa sobre sistemas de recomendação para ensino à distância. Esse sistema tem como objetivo promover conteúdo educativo sobre prevenção ao doping voltado aos jovens atletas. Junto com o professor Leandro Alvim (Departamento de Ciência da Computação do IM/UFRRJ), Braida vem auxiliando no levantamento dos requisitos deste sistema, principalmente, na parte da inteligência artificial.
“A detecção do doping possui certos desafios e a computação pode ajudar na criação desse sistema de e-learning. O sistema recomendará conteúdos para o aprendizado mais assertivo dos atletas, principalmente, no caso dos futuros atletas. Esses conteúdos podem ser vídeos, materiais textuais, jogos, dentre outros. O sistema será capaz de detectar certos padrões e pode ajudar a apontar qual conteúdo ele deverá assistir em sequência”, esclarece o docente.
O COB tem, dentre outras atribuições, a incumbência de orientar e educar os atletas sobre o doping, por isso implementou o Programa de Educação e Prevenção ao Doping no esporte olímpico brasileiro, apoiando ações da Agência Mundial Antidopagem (WADA) e da Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem (ABCD). A ideia é integrar ações de educação e prevenção de doping aos cursos de formação de treinadores do Instituto Olímpico Brasileiro e ao programa de promoção dos Valores Olímpicos do COB para fazer a educação antidopagem chegar às gerações mais jovens.
A interdisciplinaridade na Computação
Além do desenvolvimento de software para aplicação na área dos desportos, a Ciência da Computação comporta aplicabilidade em vastas áreas do conhecimento humano.
No início da pandemia do Covid-19, por exemplo, a UFRRJ conduziu um projeto pioneiro no Brasil para a criação de um modelo para detecção de Covid-19 através de inteligência artificial. A ferramenta XRayCovid-19 é um sistema que funciona no computador e no celular, e diagnostica a Covid-19 por meio da imagem de uma radiografia. Participaram deste projeto os professores Leandro Alvim e Filipe Braida, os professores Bruno Dembogurski (DCC), Erito Marques (DTL) e Rodrigo Tavares (DCJ), todos do Instituto Multidisciplinar. A equipe fez o registro no INPI de dois programas em conjunto com o NIT.
Já Braida está desenvolvendo um projeto final para o acompanhamento de crianças nas redes sociais, mais especificamente no Twitter, com relação a possíveis riscos ou ameaças que possam vir a sofrer online, como por exemplo, cyberbulling (bullying realizado por meio das tecnologias digitais), phishing (crime de enganar as pessoas para que compartilhem informações confidenciais como senhas e número de cartões de crédito), entre outros. Assim, o objetivo do software é servir como ferramenta de apoio para a análise de riscos sofridos por crianças no Twitter. Ele funciona analisando os tweets de determinado usuário utilizando um modelo de detecção do discurso de ódio.
O docente acrescenta que o fenômeno da interdisciplinaridade na computação é um propulsor em outras áreas, e que muitas universidades estrangeiras estão colocando disciplinas de computação na grade dos cursos. “Eu acredito que a Rural poderia ser pioneira dentro das universidades brasileiras nesse âmbito. Inclusive, é um assunto que eu discuto muito no meu departamento e com os meus alunos. Fica a proposta para uma futura conversa”, conclui.
Por Fernanda Barbosa (CCS/UFRRJ)
Imagens: COB (Comitê Olímpico do Brasil)
Ilustração: CCS/UFRRJ