Parceria entre a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e moradores da Rocinha conta com apoio da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa (Faperj)
Uma horta na floresta para conter a degradação ambiental, valorizar espécies nativas da Mata Atlântica e contribuir para a segurança alimentar e nutricional da população do seu entorno é uma alternativa inovadora que tem transformado a vida de famílias na comunidade da Rocinha, no Rio de Janeiro (RJ). O projeto é resultado de pesquisas científicas desenvolvidas na Universidade e da vivência de José Lucena Barbosa Júnior, professor do Departamento de Tecnologia de Alimentos do Instituto de Tecnologia (IT/UFRRJ) que por duas décadas – anos de 1980 e de 1990 – viveu com sua família na parte alta da Rocinha.
“Quando eu era criança morava muito próximo da borda da mata e era lá que eu podia comer fruta, como jaca, tamarindo, entre outras que tinham lá de forma abundante, quase que no meu quintal”, conta Lucena. Ao retornar à comunidade para rever amigos, o professor percebia o avanço da favela em direção à floresta, o que o fez pensar em uma maneira prática de levar o conhecimento científico desenvolvido na Universidade para solucionar alguns dos desafios enfrentados no local. “Sempre pensei se poderíamos implementar uma proposta que pudesse mudar a perspectiva, a relação do morador com a floresta em pé, para que ele pudesse não apenas valorizar o fato de ter acesso à alimentos, mas também proporcionar geração de renda”, comenta.
Com esse ideal em mente, o docente buscou moradores e lideranças comunitárias com projetos que se alinhassem à proposta e, então, conheceu Flávio Gomes, responsável pelo Horta na Favela, uma iniciativa de educação ambiental dentro da Rocinha. A partir do diálogo com Flávio e outros moradores foi consolidada a proposta Horta na Floresta, produção sustentável de alimentos como estratégia inovadora de geração de emprego e renda na Rocinha. Com o projeto em mãos, Lucena concorreu ao Programa Favela Inteligente da Faperj, tendo sido um dos contemplados com auxílio financeiro de cerca de R$ 420 mil para execução das ações propostas nos anos de 2022 e de 2023.
Capacitação e envolvimento com a comunidade local
A Universidade é responsável pelas ações de capacitação e pela coordenação de todas as iniciativas desenvolvidas no âmbito do Horta na Floresta. O projeto conta com uma equipe multidisciplinar de especialistas da UFRRJ e de colaboradores externos. “Cursos, visitas técnicas, aquisição de materiais e produtos ou até mesmo serviços são coordenados por nós em sintonia com os beneficiários”, conta Lucena.
Além da produção de alimentos nos entornos florestais com técnicas de cultivo orgânicas, o projeto prevê a instalação de hortas em lajes de 50 famílias, com foco na produção de plantas alimentícias não-convencionais (PANCs), plantas medicinais e mel de abelhas sem ferrão. “Algumas lajes já foram instaladas e nos próximos meses estaremos finalizando a instalação das lajes restantes”, diz Lucena.
Responsável pela organização das lajes produtivas dos moradores, Flávio Gomes compartilha sobre o impacto positivo da iniciativa para o território. “A vinda da Universidade Federal Rural, com essa parceria com o Horta na Favela, fez a gente ter uma nova visão do projeto. Pudemos trazer também a questão da geração de renda e do cuidado com o meio-ambiente trabalhando a compostagem e a meliponicultura. Eu vejo essa parceria com a UFRRJ como um grande avanço e acredito que a gente vá avançar muito ainda na questão do combate à desigualdade social”, afirmou Flávio.
Os cursos de capacitação têm sido ministrados pela equipe de pesquisadores da UFRRJ desde maio de 2022, a fim de estimular uma cultura empreendedora e associativista entre os participantes. Por meio dos encontros com a comunidade, os pesquisadores também buscaram por iniciativas dos próprios moradores que pudessem ser apoiadas no âmbito do projeto, além daquelas que foram inicialmente propostas. Dessa busca, foram abraçadas pelo projeto dona Marinete Silva e sua Cozinha de Mãe, iniciativa de aproveitamento integral de alimentos que visa a produção de produtos processados em escala artesanal a partir de resíduos do preparo de alimentos nas cozinhas da comunidade.
“Através das ações que vem acontecendo dentro do Horta na Floresta, eu vi que posso passar para as pessoas mais vulneráveis aqui da minha comunidade como podemos reaproveitar os resíduos de alimentos orgânicos com as composteiras”, disse dona Marinete, que complementou: “Vamos reaproveitar todas as cascas de legumes, cascas de frutas, e vamos estar passando para as pessoas a importância de gerar renda, sim, e de trazer uma alimentação saudável para sua família”.
Conheça a equipe que coloca a ciência em campo
Além do professor José Lucena Barbosa Júnior, coordenador da iniciativa, são colaboradores do projeto vinculados à UFRRJ a professora Maria Ivone M. Jacintho Barbosa, do IT/UFRRJ, especialista no processamento de PANC´s; Douglas Siqueira, do Instituto de Ciências Biológicas e da Saúde (ICBS/UFRRJ), especialista no manejo e processamento de plantas aromáticas para a fabricação de velas aromáticas; Eduardo Vinícius da Silva, do Instituto de Florestas (IF/UFRRJ), especialista no manejo de sistemas agroflorestais; Milane Leite, do Instituto de Química (IQ/UFRRJ), especialista em nutrição; Romulo Cardoso Valadão, do IT/UFRRJ, especialista em Inovação.
Além de Flávio Ismael Gomes e dona Marinete Silva, são colaboradores externos da iniciativa Lorena de Oliveira Coimbra, empresária que trabalha numa startup de alimentos; Matheus Pockstaller, empresário do ramo de mel de abelhas sem ferrão; Frederico Pereira Tenchini da Silva, ex-professor substituto da UFRRJ e, atualmente, doutorando na PUC-Rio, especialista em empreendedorismo; Fabiana Fróes, engenheira agrônoma e mestre em Agricultura Orgânica pela UFRRJ, que presta todo o suporte local com os moradores no manejo da produção vegetal.
Próximas ações
No momento, a equipe do projeto trabalha para consolidar as 50 lajes produtivas e organizar os beneficiários coletivamente, inclusive com a criação de uma estrutura organizacional (CNPJ). Também é esperada a ampliação da estrutura da produção artesanal de alimentos processados do Cozinha de Mãe que deverá contemplar, pelo menos, 15 famílias da comunidade.
Viabilizar a comercialização dos produtos produzidos nas diferentes iniciativas (vide fotos abaixo), a fim de garantir a geração de renda para os participantes, e obter novos recursos para continuar o fortalecimento das iniciativas já apoiadas são pontos importantes para garantir a sustentabilidade do projeto.
“A previsão é de que as ações, dentro do edital Favela Inteligente da FAPERJ, se encerrem no final deste ano. Mas já estamos buscando alternativas para financiar as iniciativas após esse encerramento”, conclui Lucena.
Para adquirir os produtos oriundos do projeto, escreva para: fabiana_froes@yahoo.com.br
Para entrar em contato com o professor José Lucena, envie um e-mail para lucena@ufrrj.br
Por Michelle Carneiro, jornalista da CCS/UFRRJ.