Por Isabella Cabral (*)
Junto à pandemia de Covid-19, o país vive também uma epidemia da fome. No final de 2020, ela já atingia 19 milhões de brasileiros. E mais de 116,8 milhões estavam em situação de insegurança alimentar no último trimestre do ano. Os dados alarmantes foram divulgados em 5 de abril pelo Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil. O estudo foi conduzido pela Rede de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Penssan), com apoio do Instituto Ibirapitanga e parceria de ActionAid Brasil, Fundação Friedrich Ebert Brasil (FES-Brasil) e Oxfam Brasil.
A falta de disponibilidade de gêneros alimentícios e a dificuldade de acesso das pessoas aos alimentos caracterizam o conceito de insegurança alimentar. Além dos graves efeitos que acontecem em meio à pandemia, a população convive com esse quadro nos mais variados níveis: leve, moderado ou grave.
O professor Renato Maluf, do Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade (CPDA/UFRRJ), foi o convidado do debate realizado pelo Centro de Estudos Avançados (CEA) da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), em 14 de abril. Em pauta, as questões do abastecimento alimentar e os objetivos permanentes a serem buscados para sanar o problema no Brasil, para além do problema sanitário em que vivemos.
Ele introduziu o tema ao relatar que a crise epidemiológica em que vivemos se sobrepõe a fatores anteriores à performance econômica reduzida, além da precarização das relações de trabalho (com a explosão do trabalho informal), desemprego, desmonte de direitos e crise política. “O levantamento, embora revele o agravamento social provocado pela pandemia, não é a única causa. Ao contrário, os problemas são anteriores a ela. Como o fato de o Brasil ter uma das desigualdades sociais mais profundas do mundo.”, esclareceu.
Rostos e números da fome — O Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 foi realizado em 2.180 domicílios nas cinco regiões do país, em áreas urbanas e rurais, entre 5 e 24 de dezembro de 2020. O levantamento tem gênero, raça, cor, renda, escolaridade, regiões e territórios mais suscetíveis ao acesso irregular à alimentação.
Em 2020, 11,1% dos domicílios chefiados por mulheres estavam enfrentando a fome. Em lares de pessoas pretas e pardas, a falta de alimentos atingiu 10,7% deles. Entre pessoas de cor/raça branca, esse percentual foi de 7,5%. Também havia fome em 14,7% das residências chefiadas por pessoas com baixa escolaridade. E as regiões Nordeste e Norte são as mais afetadas pelo problema. O índice de insegurança alimentar esteve acima dos 60% no Norte, e dos 70% no Nordeste – enquanto o percentual nacional é de 55,2%.
Auxílio emergencial — Com aumento dos casos de coronavírus e falha na vacinação em 2021, o auxílio emergencial voltou a ser pago no dia 6 de abril, após um ano da primeira distribuição. Cerca de 45,6 milhões de brasileiros receberão esse dinheiro. A nova rodada será em quatro parcelas de R$ 250, pagas pela conta digital do Caixa TEM. Pessoas que moram sozinhas receberão R$ 150 e mães chefes de família, R$ 375.
No ano passado, o governo federal pagou cinco parcelas mensais de R$ 600 entre abril e agosto de 2020. O auxílio foi reduzido para R$ 300 entre setembro e dezembro, período em que a pesquisa sobre a segurança alimentar do brasileiro foi realizada.
De acordo com o professor Maluf, para controlar a catástrofe social, acentuada pela crise sanitária provocada pela pandemia, é preciso haver intervenções rápidas. “A ação imediata é restituir o auxílio emergencial em valores adequados, com os R$ 600 do ano passado. Retomar as políticas sociais, abolir a emenda constitucional do teto de gastos e chamar a sociedade para o debate democrático e dar visibilidade às iniciativas no campo do abastecimento e das campanhas de solidariedade entre iguais”, disse Maluf.
Debate — Além de professor da UFRRJ, Renato Maluf é coordenador da Rede Penssan. Foi também presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), além de integrar a coordenação do Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN).
O debate também teve participação de Andre Degenszajn, diretor-presidente do Instituto Ibirapitanga, membro dos conselhos da Conectas Direitos Humanos, da Oxfam Brasil e da Global Alliance for the Future of Food; Vanessa Schottz, professora do curso de Nutrição da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Programa de Pós-Graduação em Segurança Alimentar e Nutricional (PPGSAN) da UniRio, além de integrante do FBSSAN. E foi mediado pelo professor Sergio Pereira Leite, diretor do CEA/UFRRJ.
A gravação do encontro está disponível no canal do CEA/UFRRJ no Youtube.
(*) Estagiária de Jornalismo da Coordenadoria de Comunicação Social (CCS/UFRRJ)