Quase 100 cientistas brasileiras que são mães acabaram de ganhar um financiamento de R$ 6,2 milhões para apoiar suas pesquisas. A iniciativa da FAPERJ (Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro), do Instituto Serrapilheira e do movimento Parent In Science (PiS) busca apoiar a continuidade da carreira acadêmica de mulheres no período pós-maternidade. A seleção previa, inicialmente, apoio a cerca de 21 pesquisadoras, mas por conta da alta demanda de inscrições e da qualidade dos currículos, o programa foi ampliado contemplando 98 cientistas. Este é o primeiro edital de apoio a mães cientistas organizado por uma agência de fomento à pesquisa no Brasil.
A UFRRJ teve oito projetos de pesquisa contemplados, abrangendo áreas variadas. As pesquisas envolvem o uso de resíduos agroindustriais no tratamento de efluentes, na produção de insumos agrícolas e de energia; uma proposta de economia circular com biodigestor e hidroponia; além de um plano de desenvolvimento turístico do Parque Histórico Arqueológico Iguassú Velha. Também foram contemplados temas sociológicos, como estudos sobre moedas sociais e sobre o Plano Nacional de Educação e o atendimento à creche no Estado do Rio de Janeiro. Outros temas incluem o uso de óleos essenciais no controle da mosca-varejeira; as bactérias resistentes provenientes do ambiente de produção avícola; e o desenvolvimento de novos materiais para tratar a dor, utilizando tecnologias avançadas, como nanotecnologia e manufatura aditiva (impressão 3D).
De acordo com o presidente da FAPERJ, Jerson Lima, o edital fortalece a pesquisa científica no estado e promove políticas que incentivam a diversidade na ciência. “A demanda qualificada que recebemos para este edital mostra a necessidade deste tipo de iniciativa”, afirma Lima, que é professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O investimento previsto inicialmente em R$ 2,3 milhões subiu para R$ 6,2 milhões (aumento de 170%). Além do acréscimo no aporte de recursos pela FAPERJ, o Instituto Serrapilheira também contribuiu para a ampliação do edital, oferecendo valor extra de R$ 210 mil, que foram distribuídos para 21 dos 98 projetos aprovados.
“Pelo número de propostas recebidas, ficou claro que é enorme a demanda de mães cientistas buscando apoio para esse momento de suas carreiras em que precisam se dedicar também aos filhos”, afirma Cristina Caldas, diretora de Ciência do Instituto Serrapilheira. “Precisamos de mais editais que reconheçam que a maternidade causa um impacto importante na carreira, e que os mecanismos de fomento poderiam ajudar a superar os efeitos negativos dessas interrupções”, complementa.
A inspiração para o edital exclusivo veio do Parent In Science (PIS). Em 2021, o movimento brasileiro, que tem como objetivo levantar a discussão sobre a parentalidade dentro do universo acadêmico e científico, ganhou o Prêmio Mulheres Inspiradoras na Ciência, da revista Nature, pela divulgação de dados relevantes para estudos de desigualdade de gênero. Uma pesquisa de autoria do movimento, publicada na revista Frontiers in Psychology em 2021, mostrou que, durante a pandemia, apenas 47% das cientistas que são mães tiveram êxito para terminar artigos científicos. Já 76% dos pesquisadores homens com filhos conseguiram submeter seus artigos conforme o planejado.
Impactos semelhantes têm sido apontados em relação à obtenção de bolsas de produtividade em pesquisa, por exemplo. Apesar de as mulheres representarem 55% dos bolsistas de iniciação científica no Brasil, elas são apenas 36% dos que recebem as bolsas de produtividade em pesquisa do CNPq, o mais alto grau acadêmico no país. “O resultado deste edital reafirma a urgência de iniciativas como essa. O elevado número de inscritas demonstra não apenas a demanda reprimida por suporte, mas também a relevância de se investir em ações que garantam a continuidade das carreiras de mães cientistas. Este é um passo importante para promover uma ciência mais inclusiva e fortalecer o papel das mulheres no cenário científico nacional”, diz Fernanda Staniscuaski, fundadora do Parent In Science.
A chamada pública, lançada em maio deste ano, foi aberta para cientistas que se tornaram mães nos últimos 12 anos. As mães de crianças com deficiência puderam concorrer independentemente da idade dos filhos. O processo seletivo foi implementado e coordenado pela Comissão Permanente de Equidade, Diversidade e Inclusão criada em fevereiro de 2023 pela FAPERJ. O objetivo é desenvolver ações “para apoiar grupos subrepresentados e aumentar a diversidade na ciência”, afirma Letícia de Oliveira, coordenadora e professora na Universidade Federal Fluminense.
Os resultados do edital serão discutidos no IV Simpósio Brasileiro Maternidade & Ciência, em 17 e 18 de outubro, no Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro. O evento é promovido pelo Parent in Science, com patrocínio do Instituto Serrapilheira e da Faperj. No encontro, palestrantes vão abordar os desafios enfrentados por cientistas que são mães. Confira a programação e mais informações neste link.
Lista de contempladas da UFRRJ
Veja o resultado preliminar de propostas financiadas FAPERJ e Serrapilheira, Edital Nº 10/2024 – Programa Apoio às Cientistas Mães com Vínculos em ICTs do Estado do RJ:
Anelise Monteiro do Nascimento (UFRRJ): Plano Nacional de Educação e o atendimento à creche no Estado do Rio de Janeiro;
Érika Flávia Machado Pinheiro (UFRRJ): Potencial de uso de resíduos agroindustriais no tratamento de efluentes, na produção de insumos agrícolas e de energia;
Isabela de Fatima Fogaca Rosa (UFRRJ): Estudos para uma proposta preliminar de Plano de Desenvolvimento Turístico do Parque Histórico Arqueológico Iguassú Velha;
Juliana Lobo Paes (UFRRJ): Integração de Saneamento, Energia e Produção de Alimentos: Uma Proposta de Economia Circular com Biodigestor anaeróbio e Hidroponia;
Mani Tebet Azevedo de Marins (UFRRJ): Um olhar sociológico sobre as moedas sociais;
Miliane Moreira Soares de Souza (UFRRJ): Dinâmica populacional associada a tipificação de cepas patogênicas de Escherichia coli e análise de determinantes de resistência em ambiente de produção avícola;
Roberta Helena Mendonça (UFRRJ): Produção de insumos a base de materiais poliméricos nanoestruturados e fármacos para aplicação na produção de biomaterais por manufatura aditiva e outras técnicas – uma alternativa para o tratamento da dor;
Thaís Ribeiro Correia Azevedo (UFRRJ): Disruptores de desenvolvimento e óleos essenciais no controle de Cochliomyia hominivorax (Diptera: Calliphoridae).
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Texto: Marina Verjovsky de Souza, assessora de imprensa da Faperj