Além de levar parte da população às ruas, em manifestações contrárias ou favoráveis, o processo de impeachment que tramita na Câmara dos Deputados virou tema de discussão em todo o país. Os autores do pedido de impedimento acusam a presidente Dilma Rousseff de ter cometido “crime de responsabilidade”. Defendendo o ponto de vista de que não há provas concretas de tais atos, uma parcela da sociedade receia que a democracia esteja sendo ameaçada.
Possíveis “pedaladas fiscais” são motivos de acusação. Entre os argumentos pró-impeachment, aponta-se que instituições financeiras públicas não poderiam transferir recursos para o pagamento de despesas de alçada do Tesouro Nacional. As denúncias dizem que a presidente usou esse tipo de ação para pagar programas sociais, como o Minha Casa Minha Vida. Dilma também é acusada de improbidade administrativa e por ter aumentado gastos que não estavam no Orçamento, sem autorização do Congresso.
Diante dessa conjuntura, alguns alunos da Universidade Rural organizaram um encontro para que fosse discutido o tema “o que é democracia”. O evento, que aconteceu em 28 de março, no Auditório Gustavo Dutra (Gustavão), também propunha debater a história do país e do mundo, além de analisar os interesses da oposição ao governo Dilma.
Com público aproximado de 170 pessoas, o Encontro contou, no primeiro bloco, com palestras dos professores da UFRRJ Ana Lúcia Vaz (Jornalismo), Leandro Lapa (Ciências Políticas), Danilo Bilates (Filosofia) e Alexandre Mendes (Departamento de Ciência Jurídica), além de Adriane Fernandes (pós-graduada em Políticas Públicas/UFRJ) e Leonildes Nazar (mestranda em Ciência Política/UERJ).
Papel da mídia
O primeiro discurso foi da docente Ana Lúcia Vaz, que analisou a relação da Rede Globo – alvo de críticas recentes – com a ditadura militar. Para a professora, a emissora não só apoiou o regime, como também foi parte dele. A empresa teria sido, segundo ela, o braço midiático da ditadura.
Ana Vaz também observou que a população fica condicionada pela mídia comercial, e que, por isso, absorve apenas um pedaço mínimo da história. Nesse sentido, o que está acontecendo no Brasil não envolveria somente o partido que está no poder, mas sim outras causas internas e externas. Diante desse quadro, ela ressaltou a importância de lutar pela democratização da comunicação.
A docente também inclui as redes sociais no conceito “mídia”.
– Nas redes sociais, nós fazemos comunicação de forma fascista. Queremos que o diferente desapareça. E essa é a democracia que nós conseguimos fazer, por enquanto. Só temos a condição de ouvir aquele que parece mais conosco. A mídia é usada para impulsionar, mas não é usada para tentar um diálogo. Além disso, a era da internet nos faz ter acesso a uma quantidade absurda de informação. É normal se sentir confuso – discursa a professora.
No final de sua palestra, Ana Vaz disse que o golpe vem acontecendo há dois anos, assim que Dilma Rousseff foi eleita. A presidente, segundo ela, não estaria conseguindo governar deste então, com o poder sendo exercido pelo parlamento.
‘Absolutismo judiciário’
Para Leandro Lapa, segundo palestrante do dia, a democracia é uma fina camada de gelo em cima do mar de desigualdades, intolerância e ódio. O governo atual, para ele, trouxe mudanças sociais nunca vistas até então. Com exemplos, citou a erradicação da fome, as cotas raciais e a expansão das universidades. Além disso, o Brasil passou a ter grande importância no chamado Brics – grupo que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. De acordo com Lapa, a união entre esses países proporcionou realizações de ações econômicas coletivas e uma comunicação mais efetiva entre eles.
O professor também mostrou indignação com o fato de os brasileiros ficarem condicionados a “uma única mídia de direita” e com a “falta de freios nem contrapontos” do judiciário.
– Vivemos um absolutismo judiciário e não existe crime de responsabilidade. O Congresso não pode ter esse poder de derrubar uma presidente eleita democraticamente – opina o docente.
Na sequência, Adriane Fernandes iniciou sua fala de modo diferente, pedindo que o público levantasse e esticasse os braços para relaxar. Seu tom de voz não disfarçava o nervosismo e as convicções que tem quando o assunto é luta pela democracia.
– Democracia é também lutar pelos direitos daqueles que são diferentes de você. Foram alcançados direitos com muito suor. Não podem invalidar uma luta que é histórica. É uma pena encontrar jovens com pensamentos tão retrógrados. A voz não pode ser reprimida – disse, com entusiasmo.
Fatores externos
Danilo Bilates, do Departamento de Filosofia, chamou a atenção para causas externas que estariam influenciando o contexto interno. Para ele, não levar em conta esse aspecto levaria a uma opinião muito superficial da atual situação.
– Estamos sendo atacados por causa da aliança Brics. Isso deixa os Estados Unidos e a Europa preocupados. Descobrimos o pré-sal também. Há uma influência vinda de fora – ressaltou Bilates.
As nações do Brics detêm mais de 21% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial e formam o grupo de países que mais crescem no planeta. Também representam 42% da população do mundo, 45% da força de trabalho e é o maior consumidor do mundo. Além disso, destacam-se pelas riquezas naturais.
Leonildes Nazar, ex-aluna da UFRRJ, enfatizou a fala nos discursos de ódio – muito vigente hoje.
– Precisamos discutir golpe e, para isso, precisamos refletir sobre machismo. A imagem da presidente é usada para degradá-la. Isso é retrógrado. Será que alguns ataques aconteceriam se fosse um homem? – questionou.
Em sua apresentação, Alexandre Mendes disse que os documentos de acusação não têm fundamentos. Segundo ele, todos seriam baseados em notícias, o que não comprovaria o crime de responsabilidade. Assim, o impeachment não poderia acontecer sem provas de tais atos. Caso ocorra sem concretude, estaria configurado um golpe.
Ao final do primeiro bloco, foi aberto o debate com a plateia. Um dos participantes, o estudante de Jornalismo Lincoln Leão, destacou a presença das classes populares nas universidades – para ele, uma conquista do governo atual. O aluno considera ainda que, graças a isso, parte dessas pessoas tem condições de discutir política.
O Encontro Pró-Democracia teve ainda um segundo bloco de palestras, com os professores da Rural Walter Andrade (Historia), Vinicius Ferreira (Administração Pública), Antônio José Alves Junior (Economia) e Everlam Elias Montibeler (Economia).
Por Natália Loyola/ CCS
Imagens: Luis Henrick Teixeira e Natália Loyola/ CCS