Esqueça os pompons, o corpo magro e os cabelos loiros. A clássica líder de torcida representada nos filmes norte-americanos é apenas um estereótipo. Essas personagens foram, por muito tempo, a única referência desse universo, mas esse cenário começa a mudar aos poucos no Brasil. Cada vez mais popular em escolas, universidades e clubes, o cheerleading é um esporte sério, que envolve elementos de força, flexibilidade e dança.
“No nosso caso, a gente pratica o que a gente chama de cheerleading competitivo, o nosso foco não é animar torcida e sim competir com outras equipes”, explicou Brendon Vieira, um dos fundadores do Cerberus, equipe de cheerleading da UFRRJ. Foi ele quem deu os primeiros passos para criação do grupo em 2013, quando iniciou o curso de agronomia na Rural. Na época, Brendon praticava ginástica artística, mas precisou abandonar os treinos por causa da nova rotina em Seropédica. O desejo de continuar no esporte deu origem a um grupo iniciante. “A gente começou a treinar no gramado ao lado do ginásio da educação física para ensinar apenas o básico mesmo, só que várias pessoas começaram a ter interesse. Então, chegou um momento que a gente falou: deveríamos montar uma equipe de verdade”, lembrou Brendon.
A equipe virou uma realidade e o gramado se tornou pequeno para os objetivos do grupo. Atualmente, o Cerberus conta com cerca de 30 atletas, dos quais muitos participam também de times da categoria All Star, que são os clubes da modalidade. Entre os que passaram pela equipe, quatro chegaram a representar a seleção brasileira no campeonato mundial de cheerleading, em Orlando, nos Estados Unidos. Mas, apesar de vôos tão grandes fora da Rural, como equipe universitária o “quase” era um sentimento recorrente. Boas apresentações, mas poucos pódios. Em algum momento, a frustração deu lugar a algo poderoso, que fez o Cerberus ganhar destaque nos campeonatos.
“Nós até ganhamos alguns títulos em 2017, mas a nossa equipe melhorou absurdamente em 2018 e foi um ‘boom’ incrível. A gente teve um grupo mais comprometido e um treinador dedicado, então acho que isso ajudou a gente a correr atrás. A gente ganhou o Campeonato Carioca e ganhamos o segundo lugar no Cheerfest, que é um campeonato muito disputado, com muitas equipes. E, o mais importante é que foram vitórias que a gente sabia que tinha merecido”, contou Leila Moura, que faz parte do time há dois anos. Além de campeão carioca, o Cerberus também saiu do torneio com o Grand Champion Universitário, um prêmio dado a equipe com maior pontuação na categoria universitária. No fim do ano passado, o grupo ainda conquistou mais um troféu, ficou em primeiro lugar na série A dos Jogos Universitários de Friburgo (Junfri).
Para Leila, uma das conquistas mais valiosas é o reconhecimento conquistado dentro da universidade. “A gente conseguiu divulgar bastante a equipe dentro da Rural e as pessoas passaram a nos conhecer mais. Hoje a gente tenta abrir mais, dar mais oportunidade para o pessoal participar, chamar mesmo as pessoas. Tentamos mostrar cada vez mais que não existe um biótipo certo ou pré-requisitos. A gente vai ensinar, ninguém precisa chegar sabendo nada. Buscamos pessoas dedicadas, pessoas que queiram estar aqui. Ano passado teve muita gente assim e o sucesso se deu a isso”, opinou Leila.
A participação em tantos campeonatos demandou muito planejamento e só foi possível através do apoio da Pró-Reitoria de Extensão (Proext). Além do transporte cedido pela universidade, alguns membros da equipe são beneficiados pelo bolsa atleta, um programa de incentivo ao esporte, fruto de uma ação conjunta da Proext e da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (Proaes). Os auxílios são destinados, via edital, aos estudantes em condição de vulnerabilidade socioeconômica, com objetivo de incentivar a presença dos atletas em treinos e competições oficiais. Através de outro edital lançado pela Proext, a equipe conseguiu custear a inscrição de todos os atletas no Cheerfest, que aconteceu em dezembro do ano passado.
Cheerleading para todos?
Acrobacias, saltos, pirâmides e muitos mais. Elementos complexos, que precisam ser executados de forma sincronizada em apenas dois minutos e meio. Esse é o tempo médio que leva uma apresentação. No cheerleading, essa coreografia é chamada de rotina e possui diferentes graus de dificuldade. Assim como na ginástica artística, há elementos obrigatórios que devem ser executados durante a rotina, como elevações, acrobacias, saltos flexionados, pirâmides, lançamentos e dança.
“As pessoas acham que não, mas demanda muito treino, muito treino mesmo. Quem já vem com uma base de ginástica ou dança pode ter mais facilidade, mas o esporte é aberto para qualquer um, tem muita gente que começou do zero e conseguiu evoluir bastante na equipe. Acho que é um esporte de dedicação e um pouco de ousadia, eu diria” comentou Brendon.
Leila Moura faz parte do grupo de atletas que teve seu primeiro contato com o esporte treinando no Cerberus. O estresse e o sedentarismo foram o estopim para que ela procurasse uma atividade física e uma amiga, que já treinava com a equipe, foi a ponte entre Leila e o cheerleading. “Eu cheguei lá achando que ia balançar pompom e, em pouco tempo, eu estava começando a levantar um monte de mulher e jogar gente para cima, eu fiquei deslumbrada com aquilo”, lembra a estudante de Zootecnia.
Um ano depois de começar os treinos, Leila passou a participar de três equipes. Além dos grupos misto (Coed) e feminino da Rural (All Girl), ela também integra o time de um clube da zona norte do Rio de Janeiro. É a paixão pelo esporte que a motiva a encarar o peso da rotina. São seis dias de treino por semana, sem esquecer as aulas e trabalhos da graduação. O resultado de tanto esforço e dedicação é medido, principalmente, pelo reconhecimento dos colegas. Leila hoje é uma referência na posição que ocupa – base – passando a comandar a partir desse ano, o time feminino do Cerberus.
“Eu tinha muito isso na minha cabeça, eu vou chegar lá e não sei nada, não faço nada e o que vai acontecer? Aprendi tudo no Cerberus. Eu, por exemplo, não sou aquela pessoa que fica dando saltos na apresentação, não sou alongada, então virei base e estou super satisfeita com a minha posição. A gente sempre vai achar o nosso lugar dentro do cheerleading, é um esporte para todo mundo. Esse lance de biotipo não existe muito. Tem posições que você precisa ser mais forte ou mais leve, tem outras que ajuda se for mais alto ou mais baixo. A gente sempre vai achar alguma coisa dentro do cheerleading para fazer”, apontou Leila.
Cerberus 2019
O ano de 2018 vai ficar marcado na memória do Cerberus não apenas pelas vitórias, mas também pelo começo de uma nova história: o time All Girl. Pela primeira vez, a equipe da Rural competiu na categoria, com um grupo formado apenas por meninas. A missão parecia simples, levar as atletas para uma competição apenas para conhecer o ambiente e se divertir, sem qualquer pretensão de títulos. Contudo, o quarto lugar no Campeonato Brasileiro de Cheerleading foi bem além de qualquer expectativa.
“Antes de pensar em pódio e medalha, eu quero muito que as mulheres da Rural possam mostrar o poder das ruralinas, possam mostrar que a gente é forte, que a gente é capaz. Eu quero muito que as meninas se enxerguem assim”, comentou Leila. Para esse ano, a expectativa é ir um pouco mais longe e subir ao pódio.
Porém, não é apenas o time feminino que está de olho nos bons resultados. A receita eles já conhecem e prometem repetir: planejamento, treino e comprometimento. Avaliar o que deu certo e errado no ano anterior é fundamental para melhorar o nível da equipe. Um dos objetivos do grupo é conquistar mais visibilidade dentro da universidade e, principalmente, deixar times bem estruturados para que o esporte possa continuar e crescer cada vez mais na Rural.
“Manter o nível da equipe é um pouco complicado, sobretudo, por conta da rotatividade do meio universitário. Esse ano, nós temos vários atletas experientes saindo do time porque estão se formando. A nossa solução, para manter o nível, é sempre no início voltar para o básico. No começo do semestre, a gente faz um período de treinamento inicial, ensinando todo o básico para todo mundo que tiver interessado, antes de fazer a seletiva”, explicou Brendon.
Nesse semestre, os treinos abertos acontecerão entre 12 e 28 de março, no Ginásio I. Para participar é necessário preencher uma ficha de inscrição, disponível no perfil do Cerberus no Instagram (@cerberusufrrj), onde também há informações sobre os treinos regulares e campeonatos.
Outro passo importante foi dado em fevereiro deste ano, com o lançamento de um novo programa de incentivo ao esporte, destinado a selecionar treinadores de oito modalidades esportivas, entre elas o cheerleading. Os alunos aprovados farão estágio sob supervisão de um docente do curso de Educação Física e do coordenador técnico do Departamento de Esporte e Lazer (DEL) da Proext. No caso do cheerleading, a aluna escolhida como treinadora já faz parte da equipe há dois anos. Dessa forma, ela poderá unir os conhecimentos específicos da área de formação com a sua vivência pessoal como atleta.
“Esse edital veio com a proposta de trazer os alunos da educação física para aplicar na prática, aquilo que eles geralmente aprendem apenas na teoria dentro da universidade. Eu acho que vou poder contribuir bastante para o desenvolvimento da equipe, tanto nos treinos como em resultados. Além disso, ter esse apoio da Educação Física, ter orientação do Thiago [coordenador técnico do DEL] e do Ricardo Ruffoni [docente do curso de Educação Física] vai ser essencial para o crescimento do grupo ao longo do ano. Por fazer parte da equipe, conheço as demandas do grupo e as especificidades do esporte”, destacou Joyce Heinze, treinadora do Cheerleading.
Texto: Jaqueline Suarez