O encontro marcou a apresentação oficial do livro “Desaparecimento forçado: Vidas interrompidas na Baixada Fluminense”, resultado de um projeto de extensão e pesquisa sobre desaparecimentos forçados na Baixada, conduzido pelo grupo de pesquisas Observatório Fluminense (OF/UFRRJ) e o Fórum Grita Baixada (FGB). Estavam presentes os coordenadores do projeto, José Cláudio Souza Alves e Nalayne Mendonça Pinto, ambos professores de Ciências Sociais da UFRRJ, além de Adriano Moreira de Araújo, diretor do FGB e toda a equipe de pesquisadores que contribuíram com o trabalho.
No evento, os pesquisadores analisaram os capítulos do livro para o auditório lotado, explicando os processos envolvidos na pesquisa – desde os mecanismos utilizados para alcançar os números de desaparecimentos na Baixada até os objetivos que o grupo de pesquisa pretende alcançar.
A pesquisa sobre desaparecimentos forçados
Um dos objetivos principais do projeto foi mapear e fazer um diagnóstico sobre as situações de desaparecimentos forçados na Baixada Fluminense. “O desaparecimento forçado não existe dentro da legislação penal, mas é um conceito que existe no âmbito internacional, que são as situações de desaparecimento onde as pessoas são assassinadas e seus corpos desaparecidos. É uma prática das ditaduras militares da América Latina, muito comum na Argentina, no Brasil, Chile e que hoje permanece em nossos territórios a partir da dinâmica de grupos armados, criminosos, facções, milícia e policiais corruptos que continuam a produzir esse tipo de mortes e desaparecimento” explicou Naylane Mendonça Pinto, uma das coordenadoras da pesquisa.
O início da organização do projeto contou com o financiamento e incentivo para a criação de uma pesquisa sobre “as dinâmicas de desaparecimentos forçados na região da Baixada Fluminense”, do deputado federal Marcelo Freixo, por meio de emenda parlamentar. O levantamento de dados e pesquisas na área de desaparecimento forçado já estavam sendo implementados pelo Fórum Grita Baixada, e foi esse incentivo que fez com que surgisse a parceria entre o coletivo de ativistas e a UFRRJ, por meio do Observatório Fluminense.
Os trabalhos começaram, de fato, em 2021, quando os pesquisadores puderam fazer o contato com as mães e familiares das vítimas de desaparecimentos forçados e visitas a locais caracterizados como cemitérios clandestinos pelos moradores. Além disso, o levantamento de informações a respeito do tema começou a ser feito junto a órgãos, como Instituto de Segurança Pública (ISP), Disque Denúncia, Ministério Público, Defensoria Pública do Rio de Janeiro e no Facebook.
Crime ainda não tipificado
No Brasil, o desaparecimento forçado ainda não está enquadrado dentro da lei como um crime específico, o que dificulta pesquisas e investigações sobre esse tipo de desaparecimento no país. O que acontece é que, ao pesquisar sobre o tema, os dados só alcançam os crimes tipificados, como o desaparecimento voluntário e o involuntário.
Para conseguir informações sobre os desaparecimentos forçados hoje no Brasil, as pesquisas dependem de descobertas de cemitérios clandestinos e denúncias, muitas vezes, de familiares das vítimas. “A importância da pesquisa é dar visibilidade para algo que o país inteiro não sabe o que é, já que os desaparecimentos forçados não são tipificados na legislação atual e não são registrados na estrutura de segurança pública. A ideia é dar visibilidade para algo que é invisível, já que a lógica de funcionamento de segurança pública no Brasil é que se não tem corpo, não tem crime; logo, desaparecer com pessoas, matá-las, e destruir os corpos virou uma prática disseminada por todos os grupos armados que existem hoje no país e, principalmente, no Rio de Janeiro”, relatou José Cláudio Souza Alves, um dos coordenadores da pesquisa.
Já existe um projeto de lei tramitando no congresso desde 2013 sobre o desaparecimento forçado no Brasil. O texto já passou por diversas revisões, mas ainda não foi apresentado para votação e aprovado na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara. Um dos objetivos da parceria entre UFRRJ e o FGB é pressionar o governo federal e a Câmara dos Deputados para que esse projeto seja colocado novamente em pauta e aprovado. “A gente espera que esse movimento todo que nós estamos fazendo cumpra o papel de fazer pressão, nacionalmente, mas também estamos articulando atores e atrizes internacionais para que faça pressão sobre o governo brasileiro para a aprovação dessa lei. A gente sabe que a aprovação da lei por si só não vai resolver esse problema, mas é uma peça importante, porque sem a jurisprudência, a gente não vai conseguir pensar em políticas públicas e levantamentos que deem conta dessa realidade” expressa Adriano Moreira, coordenador executivo do Fórum Grita Baixada.
Além de continuar pressionando o governo para a aprovação da lei sobre o desaparecimento forçado, a parceria entre o FGB e a UFRRJ pretende continuar atuando na Baixada com projetos que atendam às famílias vitimadas por esse tipo de crime, através de atividades de arteterapia, da chamada escrevivência, e da terapia comunitária integrativa. O objetivo é aproximar a Universidade dessa comunidade para que o meio acadêmico conheça essa realidade mais profundamente. “A ideia é ter informações sobre isso, para que a gente evite o pior, que é a formação de estrutura de poder a partir das dimensões legais e ilegais por dentro do Estado e de grupos armados com expressão política e com expressão econômica, que é o que nós temos hoje” finaliza José Cláudio Souza.
Serviço:
Livro: “Desaparecimento forçado: Vidas interrompidas na Baixada Fluminense” – Resultado de um projeto de extensão conduzido pelo grupo de pesquisa Observatório Fluminense, da UFRRJ, em parceria com o Fórum Grita Baixada.
Organizadores: Adriano Moreira de Araújo; Jaqueline de Sousa Gomes; José Cláudio Alves e Nalayne Mendonça
Editora: Autografia
Texto e fotos: Matheus Mendonça, bolsista da CCS
Edição e publicação: Fernanda Barbosa, jornalista e coordenadora da CCS/UFRRJ