Em diálogo com mães de crianças da Baixada Fluminense-RJ, universidades lançaram o app gratuito ComuniZika, receberam patente do programa e avançam para novas fases da pesquisa científica
O desenvolvimento do aplicativo educativo ComuniZika é resultado de um esforço conjunto entre o Observatório de Educação Especial e Inclusão Educacional (ObEE) da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e o Grupo de Pesquisa Educação e Mídias (Grupem) da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) para solucionar alguns dos desafios enfrentados por crianças com Síndrome Congênita do Zika Vírus (SCZV), uma condição que pode ocasionar diversas dificuldades de desenvolvimento. O principal objetivo do aplicativo é melhorar as habilidades de comunicação e interação social destas crianças.
A parceria interinstitucional resultou não apenas na criação de uma ferramenta tecnológica inovadora, mas também no reconhecimento da titularidade do programa junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). As cientistas responsáveis pela criação do aplicativo – Márcia Denise Pletsch, professora do Departamento de Educação e Sociedade da UFRRJ e coordenadora geral do ObEE, Rosália Maria Duarte, professora do Departamento de Educação da PUC-Rio e Érica Costa Vliese Zichtl Campos, pesquisadora do Grupem/PUC-Rio e do ObEE/UFRRJ – cederam os direitos autorais do app para as universidades.
“A obtenção da patente junto ao INPI é um marco importante, pois representa o reconhecimento da autoria pessoal na criação do aplicativo e a confirmação de que sua concepção só foi possível graças ao apoio das duas instituições de ensino superior envolvidas”, acentua Rosália Duarte. Além disso, as cientistas afirmam que o aplicativo demonstra o compromisso das universidades com a promoção da inclusão social e da melhoria de vida das pessoas com deficiência.
“Sabíamos da urgência de políticas públicas que seriam necessárias para que o trabalho de inclusão social e escolar [das crianças com Síndrome Congênita do Zika Vírus] fosse realizado”, explica Érica Campos, que desenvolveu sua pesquisa de doutorado sobre o tema. A atual epidemia de dengue enfrentada no Rio de Janeiro e em outros cinco estados brasileiros e no Distrito Federal traz à tona novamente a gravidade das doenças transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti, entre elas a chikungunya e a zika.
“Em 2015 e 2016, a zika acarretou graves e numerosos casos daquela que ficou conhecida como Síndrome Congênita do Zika Vírus (SCZV), cujo prognóstico sempre esteve associado a impossibilidades, graves comprometimentos e incapacidades que as crianças apresentariam desde o seu nascimento”, disse Érica. A pesquisadora explica que os déficits mais comuns nas crianças com SCZV são dificuldades de equilíbrio e coordenação, alterações da fala, problemas visuais e déficits cognitivo, auditivo e motor.
Nos casos mais graves da SCZV, as crianças apresentam graves comprometimentos de comunicação. As múltiplas deficiências podem acarretar consequências significativas para o cotidiano destas crianças e de suas famílias. “Ações efetivas são imprescindíveis para a aquisição e desenvolvimento de suas potencialidades, que necessitará de maior tempo e estímulo por parte da família, de uma equipe multiprofissional e também da escola, para que elas consigam aprimorar suas habilidades, inclusive a comunicação”, complementa. Diante deste cenário, as cientistas iniciaram as pesquisas por um sistema de comunicação alternativa que pudesse estimular o desenvolvimento da capacidade destas crianças se comunicarem.
Mães de crianças que nasceram com a SCZV, residentes na Baixada Fluminense-RJ, atuaram ativamente tanto na elaboração dos requisitos do aplicativo ComuniZika, como na avaliação e validação do mesmo¹. A valorização do engajamento e da participação das pessoas com deficiência e de suas famílias na pesquisa foi intencional, conforme explica a professora Márcia Pletsch: “As investigações conduzidas pelo ObEE/UFRRJ em parceria com o Grupem/PUC-Rio são realizadas com base nas premissas de uma ciência cidadã transformadora”.
De acordo com Pletsch, os projetos são realizados de forma colaborativa e resultam da realização de uma agenda coletiva na qual o conhecimento é produzido e validado por sua relevância dentro de ações que capacitem os participantes como agentes de transformação, por isso a participação das mães nesta etapa da pesquisa foi fundamental. O desenvolvimento do aplicativo também foi pautado no direito à acessibilidade.
As cientistas encerraram a etapa da pesquisa que envolveu a criação da ferramenta e a testagem da interface, da navegabilidade e da adequação das atividades educativas a crianças com SCZV. O app ComuniZika já está disponível para download e é totalmente gratuito e em licença aberta, ou seja, o código fonte pode ser utilizado por outros desenvolvedores para criação de apps semelhantes. Dirigido a famílias de crianças com SCZV e a profissionais de educação e saúde que lidam com essas crianças, o aplicativo traz atividades que devem ser executadas com as crianças para ampliar a capacidade de comunicação delas. Veja alguns exemplos nas imagens a seguir:
“Esperamos que o uso da ferramenta favoreça a participação das crianças nos ambientes sociais que frequentam, seja a casa, a comunidade ou a escola”, explica Rosália, que complementa: “Futuramente, com o app em uso, devemos avaliar a efetividade das atividades que ele propõe em relação à ampliação da comunicação das crianças na escola”. A iniciativa destaca o papel fundamental da pesquisa científica na construção de uma sociedade mais inclusiva e acessível.
Para fazer o download gratuito do app ComuniZika acesse o site: https://play.google.com/store/apps/details?id=com.citei.comunizika&hl=pt_PT&gl=US
O desenvolvimento do ComuniZika se insere em um conjunto de atividades realizadas no ObEE, vinculado ao Laboratório Multiusuário Centro de Inovação Tecnológica e Educação Inclusiva (CITEI) da UFRRJ, a partir do projeto “Pesquisas e ações intersetoriais entre educação e saúde na promoção da escolarização e do desenvolvimento de crianças com síndrome congênita do zika vírus na Baixada Fluminense”, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), em diálogo com outros projetos coordenados pelas professoras Márcia Pletsch e Rosália Duarte, financiados também pela Faperj e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ).
Além da PUC-Rio, são parceiros da UFRRJ nas atividades o Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente e a Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, ambos da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), e a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
Participam da equipe do projeto na UFRRJ, sob coordenação de Márcia Pletsch, os integrantes do ObEE e as professoras do Curso de Licenciatura em Educação Especial e integrantes do comitê gestor do ObEE, Mariana Corrêa Pitanga de Oliveira, Izadora Martins da Silva de Souza e Kelly Maia Cordeiro.
As diferentes ações do projeto já envolveram 18 doutores, 10 doutorandas, sete mestrandas, quatro professores da Educação Básica, 10 graduandos, dois bolsistas, além dos gestores de Educação Especial que integram o Fórum Permanente de Educação Especial na perspectiva Inclusiva da Baixada e Sul Fluminense. Os especialistas atuam em três áreas principais: crianças e famílias; escola e formação de professores; e intersetorialidade.
Para outras informações sobre o projeto, acesse o site http://obee.ufrrj.br ou envie um e-mail para obeduc.ufrrj@gmail.com
¹ A participação das mães na pesquisa de desenvolvimento do aplicativo foi amplamente discutida na tese de doutorado da Érica Campos, sob a orientação de Rosália Duarte e coorientação de Márcia Pletsch. O documento pode ser lido no site a seguir: https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/61734/61734.PDF
Texto: Michelle Carneiro, jornalista da Coordenadoria de Comunicação Social da UFRRJ.
Imagens: Acervo ObEE/UFRRJ e interface do app ComuniZika. A divulgação das fotografias das crianças foi devidamente autorizada pelos responsáveis.