Por Amauri Mendes Pereira (DTPE/PPGEDUC/IE/UFRRJ) (*)
“Entre insubordinações e insolências: uma autoetnografia sobre violências de raça e racismo em ambientes educacionais” (1)
Esse é o título da dissertação de mestrado no PPGEDUC-UFRRJ, de Juliana Nascimento da Silva Avelino, egressa do nosso curso de licenciatura em Educação Física e Desportos, que vimos aqui celebrar, por sua trajetória e exemplo!!!
O contexto também merece celebração: Juliana foi avaliada por quatro professoras doutoras de diferentes formações – Sociologia, Psicologia, Pedagogia, Educação Física – que testemunharam, no dia 18 de dezembro de 2022, a qualidade de seu trabalho acadêmico.
Verdade que desde sempre preconceitos-discriminação-desigualdades eram a norma, para as grandes maiorias negras e pobres da população brasileira. Mas em 2022 culminavam os quatro anos mais escandalosos, de descaso governamental e de outras instituições, com a Educação, com a Ciência, com as desigualdades, com as violências que as aterrorizaram de diferentes jeitos, mesmo setores da sociedade “normalmente” poupados. Nada disso, porém, foi suficiente para destruir sonhos e barrar a insurgência de jovens, que aprenderam a nunca mais abaixar a cabeça, e a desafiarem injustiças, preconceitos, discriminações de qualquer tipo.
Juliana é um exemplo disso: negra e cria da Baixada Fluminense aproveitou a oportunidade de um ciclo de governos progressistas, que ampliaram as oportunidades de acesso. Se lançou, e com apoio da família se tornou a primeira! A secretaria de educação de seu município não sabia “onde botar a cara”, quando, naquela solenidade escolar chamou japerienses “que deram certo” a subirem no palanque, e contarem suas experiências… Só Juliana havia cursado uma universidade federal! Boa cabeça e boa esportista, um ano atrás deu mais um salto – e que salto!!!
Nossa universidade tem propiciado luz, brilho nos olhos e sorrisos, vitórias, de estudantes e famílias, e grupos sociais, que até pouco tempo era raro encontrar aqui dentro! Mas é preciso muito mais seriedade, coerência, efetividade, no acolhimento do novo perfil de estudantes, para que elas e eles acreditem que esse lugar é seu, e se alcance melhores resultados – justiça social e educacional PRA VALER!!!
Bom demais saber e ver tantas-os estudantes, assim como Juliana, que não permitem que racismo-machismo-homofobia-misoginia-classismo-elitismo-colonialismo cultural lhes apequenem os espíritos. Estão fazendo sua parte! Quando, ferida na alma pelo racismo inesperado, Juliana se refugiou junto à sua família, colegas, membrxs do NUN-Núcleo de Universitários Negrxs-UFRRJ, e alguns-umas outrxs de diferentes cursos foram até sua casa, em Japeri (cidade próxima à UFRRJ). Ela se fortaleceu, foi à delegacia para registrarem um BO, e “se resgatou”!
Juliana é, hoje, professora efetiva na rede municipal de educação de São Gonçalo, e mestre em Educação por SUA universidade.
Não apenas o Curso de Educação Física tem oportunidade de refletir sobre cumplicidades e omissões de professores e gestores, em relação ao racismo, que quase derrubaram Juliana.(2) Em cada espaço e curso de nossa universidade, estudantes, professores e servidores em geral, temos a oportunidade de refletir sobre nossas responsabilidades na formação de uma juventude, que é chamada a ampliar, aprofundar, efetivar as noções de equidade-democracia-justiça social.
“Não nasci vereador ou deputado. Não vou morrer vereador ou deputado.
Vou fazer de outra forma para tentar um resultado diferente.
Do jeito que fizeram até hoje, não deu certo.
Nós, os pretos, pobres, da periferia, estamos sempre perdendo.” (3)
Essa frase do ex-vereador Renato Freitas, eleito deputado estadual no Paraná-2022, expressa bem o estado de espírito de Juliana Nascimento da Silva Avelino.
– Inaceitável continuarmos perdendo!
– Para o bem e para a dignidade da sociedade brasileira!
(1) Dissertação de mestrado aprovada no PPGEDUC-UFRRJ
(2) Em 2014 Juliana foi discriminada “ferida, na alma, pela covardia de colegas”, durante uma aula da disciplina de Handebol; pela professora, que “não soube entender, nem agir, e depois se omitiu”; e pelo coordenador do curso que, além de negligência e omissão, pressionou a mãe da estudante (pessoa simples, pouco letrada), que compareceu à sede da unidade, para tentar entender o porquê da tristeza e desconsolo de sua filha, que não conseguia voltar àquele local. Por último, se decepcionou com o descaso e omissão da maioria de professores e colegas – sempre resguardando honrosas exceções.
(*) As informações contidas em artigos assinados não refletem a opinião da UFRRJ e são de inteira responsabilidade de seus autores.