O Auditório Gustavo Dutra – o nosso querido Gustavão – está acostumado a sediar momentos históricos para a UFRRJ. E, na manhã de 25 de setembro, ele foi novamente o cenário para mais um capítulo especial da história ruralina: a entrega do título de Doutor Honoris Causa ao professor Ricardo Galvão, presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A homenagem já se justificaria pelo admirável currículo de Galvão, que possui uma trajetória de mais de cinco décadas no campo da Física (em especial na área da Física de Plasmas e da Fusão Nuclear Controlada). Entretanto, o título outorgado pela Rural traz uma carga simbólica ainda maior, por conta do papel recentemente desempenhado pelo professor, que se colocou em defesa da ciência, no ano de 2019, e confrontou a ignorância e o obscurantismo que então ocupavam a cadeira da presidência da República. Em seu discurso para o auditório lotado, Galvão retribuiu com carinho a homenagem: “A partir de agora, terei um imenso orgulho em dizer que sou o Doutor Ricardo Galvão da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro”.
A cerimônia foi aberta pelo reitor Roberto Rodrigues. Além de Galvão e Rodrigues, a mesa foi composta pelo vice-reitor Cesar Da Ros; pelos pró-reitores José Luis Luque (Pesquisa e Pós-Graduação), Nidia Majerowicz (Graduação) e Rosa Mendes (Extensão); além do diretor do Instituto de Ciências Exatas (ICE), Robson Mariano da Silva. Na plateia, presença de representantes da Administração Central e convidados especiais, entre os quais a reitora em exercício da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Cláudia Gonçalves de Lima; o chefe de gabinete da presidência da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), Fernando Peregrino; e o assessor da presidência da Finep, Wanderley de Souza.
Para além do Lattes
O professor José Luis Luque foi o responsável por apresentar o currículo do homenageado, resumindo uma trajetória acadêmica que teve início na Universidade Federal Fluminense (UFF), onde Galvão se graduou em Engenharia de Telecomunicações, em 1969. Em seguida, fez mestrado em Engenharia Elétrica pela Universidade Estadual de Campinas (1972) e doutorado em Física de Plasmas Aplicada pelo Massachusetts Institute of Technology (1976). Professor titular aposentado do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e membro da Academia Brasileira de Ciências, Ricardo Galvão também ocupou cargos de gestão como a diretoria do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (2004-2011), a presidência da Sociedade Brasileira de Física (2013-2016) e a direção do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), de 2016 a 2019. Desde fevereiro deste ano, é presidente do CNPq.
Mas Luque ressaltou que a luta pela ciência e a valorização do serviço público promovidos pelo homenageado extrapolavam o espaço de seu currículo Lattes. O pró-reitor, então, fez referência ao episódio de julho de 2019, quando Ricardo Galvão presidia o Inpe. Ao fazer o alerta sobre o aumento de desmatamento na Amazônia, Galvão foi insultado pelo então presidente Jair Bolsonaro, que o acusou de publicar “dados mentirosos” e de estar “a serviço de alguma ONG”.
Naquele ano, Galvão não se dobrou e rebateu as críticas com firmeza. “Ele fez comentários impróprios e sem nenhum embasamento e fez ataques inaceitáveis não somente a mim, mas a pessoas que trabalham pela ciência desse país. O presidente não tem noção da respeitabilidade que os dados do Inpe e que os pesquisadores do Inpe têm. É uma ofensa o que ele fez. Eu espero que ele me chame a Brasília para eu explicar o dado e que ele tenha coragem de repetir, olhando frente a frente, nos meus olhos. Eu sou um senhor de 71 anos, membro da Academia Brasileira de Ciências, não vou aceitar uma ofensa desse tipo. Ele que tenha coragem de, frente a frente, justificar o que ele está fazendo”, disse o então diretor do Inpe.
Após o atrito, Ricardo Galvão foi exonerado do cargo e, no mesmo ano, foi escolhido como um dos dez maiores nomes da ciência de 2019 pela revista Nature.
‘O velhinho que peitou o presidente’
Nas palavras do professor Luque, aquele foi um “ato ativo e icônico que entrou para os anais da história da ciência brasileira”. Na mesma linha, o reitor Roberto Rodrigues, após entregar o título de Doutor Honoris Causa, valorizou a atitude de Galvão: “Sua defesa naquele momento foi fundamental para nossa ciência. Somos muito gratos por isso”.
No discurso de agradecimento, Ricardo Galvão reconheceu que o embate contra o negacionismo de Bolsonaro teve peso decisivo para sua escolha como candidato ao Honoris Causa. Com bom humor, lembrou-se de um episódio que evidenciou a notoriedade alcançada depois de 2019: “Um dia, no metrô de São Paulo, fui cumprimentado por diversas pessoas. Aí vejo um menino de uns sete anos, ao lado do pai. Ele apontou para mim e perguntou: ‘Pai, aquele não é o velhinho que peitou o presidente?’” (risos).
Hoje é possível fazer piada do que passou. “Foi uma névoa tenebrosa que foi dissipada pelos ventos da democracia de nosso povo”, disse Galvão, que comparou a atitude negacionista do governo Bolsonaro a outro momento deplorável da História:
“Quando sofri o ataque, quando foi dito que os dados do Inpe eram ‘mentirosos’, fiquei angustiado. Me veio à mente a resposta de Hitler ao físico Max Planck, que pediu para que os cientistas judeus não fossem perseguidos. Então, Hitler respondeu que as políticas nacionais da Alemanha nazista estavam acima de tudo, e que, se os cientistas judeus fossem mesmo imprescindíveis, preferia ficar sem ciência”.
No término de sua fala, e em outros momentos da cerimônia, a plateia aplaudiu de pé, demonstrando a gratidão e o reconhecimento que foram materializados pelo diploma de Doutor Honoris Causa, máxima honraria acadêmica da UFRRJ. Naquela manhã, Ricardo Galvão também recebeu homenagens da Fundação de Apoio à Pesquisa Científica e Tecnológica da Universidade Rural (Fapur) e do Departamento de Física (DeFis/ICE/UFRRJ).
Texto: João Henrique Oliveira (jornalista) e Gabriel Lopes (estagiário de Jornalismo) – Coordenadoria de Comunicação Social (CCS/UFRRJ)
Fotografias: Isabela Soares, estagiária da CCS (galeria 1) e Igor Oliveira @igoliveira_ (galeria 2)
Colaboração: Matheus Mendonça (bolsista de Jornalismo da CCS)
Com informações da Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação (PROPPG/UFRRJ)