Ao observar seu lixo doméstico, a professora Luciane Machado notou que boa parte dos resíduos sólidos orgânicos estava sendo simplesmente descartada. Incomodada com esse desperdício, ela decidiu montar uma composteira em sua casa. O adubo produzido pela compostagem pôde ser utilizado numa pequena horta própria. Outro resultado foi a redução em 60% na produção de seu lixo, o que lhe trouxe satisfação por poluir menos.
Essa ação individual já serve de exemplo e promove a conscientização da coletividade, com impacto positivo no meio ambiente. Mas Luciane resolveu estender a iniciativa também para seu local de trabalho: um Centro Integrado de Educação Pública (Ciep) localizado no bairro de Vila Kennedy, zona oeste do Rio de Janeiro. “Na escola, vi o tamanho da área verde inutilizada. Havia espaço para compostagem e horta. Mas, em vez disso, o local era usado somente para estacionamento”, disse Luciane, que é professora de Química do Ensino Médio.
Articulando os conceitos relacionados às reações químicas que ocorrem no interior da composteira doméstica, a docente deu início a um projeto na escola, que serviu de base para sua pesquisa de mestrado. Com o título “O uso de compostagem domiciliar como iniciativa motivadora para o ensino de Química no Ensino Médio”, o trabalho é desenvolvido no Programa de Mestrado Profissional em Química em Rede Nacional (Profqui/UFRRJ), sob orientação do professor André Marques dos Santos (Departamento de Bioquímica/Instituto de Química).
Mudança de paradigmas — Uma das ações do projeto de Luciane foi desenvolvida no final de maio, quando estudantes de uma de suas turmas visitaram o Centro de Educação Ambiental de Volta Redonda/RJ. A mestranda do Profqui fez um balanço da atividade:
“A visita foi acima das expectativas. Os alunos demonstraram grande interesse e curiosidade em ver resíduos sólidos orgânicos sendo reaproveitados de forma sustentável para produção de adubo e gás metano usado num fogareiro, como demonstração de aplicação desse produto. De forma consciente, questionaram por que, por exemplo, a escola não tem um biodigestor, já que gera tanto resíduo diariamente dos refeitórios; ou por que, apesar de tanto espaço disponível, não tem uma horta na escola. Os próprios estudantes concluíram que seria uma economia escolar. Isso é conscientização e cidadania dos jovens. É importante esse engajamento do corpo discente com questões ambientais dentro da própria escola. Essa iniciativa gera uma onda de conscientização entre outros alunos, e encoraja outros professores a trabalhar o assunto”.
De acordo com Luciane, o projeto vem transformando a visão de estudantes e de seus familiares em relação ao que costuma ser considerado “lixo”, no sentido de algo sem utilidade e sem valor. Agora, eles conseguem perceber que os resíduos podem ser utilizados para a produção de adubo. Mas essa percepção sustentável precisou superar práticas e pensamentos já arraigados no cotidiano das pessoas, conforme relatou a professora:
“Uma aluna me disse: ‘minha mãe achou que fosse lixo e jogou fora’. Outro: ‘estou orientando meu pai, pois ele estava jogando fora a borra do café’. Isso mostra claramente a mudança de paradigmas na família, com o aluno levando o aprendizado para os lares”.
Além do exercício da cidadania e da conscientização ambiental, o projeto também motivou a participação dos estudantes nas aulas de Química.
“Onze alunos, pelo menos, tinham uma frequência média de 46% no primeiro bimestre; com o projeto, participaram de todas as etapas, inclusive na visitação e na montagem da composteira. Então, numa realidade em que a evasão escolar vem crescendo, essas iniciativas precisam ser estimuladas”, avaliou Luciane.
Ensino contextualizado — Para o orientador da mestranda, a pesquisa tem o mérito de trazer um tema com forte viés na questão da sustentabilidade e interface direta com a extensão universitária. O professor André Marques dos Santos também chamou a atenção para o potencial pedagógico de projetos como os de Luciane, que conseguem trazer a Química para mais perto da realidade dos discentes.
“Venho orientando dissertações na área de tecnologia educacional, ensino-aprendizado e ensino de Química. Os projetos desenvolvidos nessas áreas têm como objetivo desmistificar o processo de ensino-aprendizado em Química, proporcionando o ensino mais contextualizado, valorizando as experiências dos estudantes”, concluiu Santos.
Conheça o Profqui — O Programa de Mestrado Profissional em Química em Rede Nacional (Profqui/UFRRJ) é um mestrado profissional em rede, com polos em diversas universidades no Brasil. Para saber mais, acesse https://profqui.iq.ufrj.br/
Por João Henrique Oliveira (CCS/UFRRJ)
Fotografias: profa. Luciane Machado