Quando desembarcou no Brasil no final de janeiro, vindo de um intercâmbio de duas semanas em Portugal, o professor Allan Rocha Damasceno carregava mais do que seus itens pessoais dentro das malas. O coordenador do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Educação, Diversidade e Inclusão (Lepedi), ligado ao Instituto de Educação (IE/UFRRJ), também trazia os frutos de mais uma troca de experiências e saberes – um tipo de bagagem muito valorizado pelo Lepedi em seus 11 anos de existência. Assim, seja do outro lado do Atlântico ou no espaço local das comunidades em que atua, o Laboratório transporta um item indispensável em suas viagens: a predisposição em estabelecer boas parcerias.
O próprio Lepedi nasceu da união de docentes do IE que se preocupavam com a questão da diversidade. Em 2011, Damasceno se juntou às professoras Lucilia Augusta Lino de Paula, Marilia Lopes de Campos e Fabrícia Velasquez (que atualmente não mais fazem parte do projeto) para fundar um coletivo que desejava dar visibilidade ao tema dentro da Universidade.
“Depois de sua fundação, o Lepedi começa a se expandir com a chegada de novos pesquisadores, mestrandos e doutorandos. Hoje somos um grupo muito ativo dentro da Universidade”, disse Allan Damasceno. “O trabalho que a gente faz é muito bacana, modéstia à parte. A gente faz coisas incríveis nas redes de ensino (obviamente, no vácuo da ação governamental). Mas isso é papel da Universidade, pois somos mantidos com o dinheiro público. O CAIC [Centro de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente Paulo Dacorso Filho], por exemplo, nunca teve nenhum tipo de atendimento especializado; nós implementamos. Depois as outras redes começaram a demandar. Aí viramos uma referência”, conclui o professor, que atua no Departamento de Educação do Campo, Movimentos Sociais e Diversidade (DECMSD/IE), além de dar aulas nos programas de pós-graduação em Educação, Contextos Contemporâneos e Demandas Populares (PPGEduc) e Educação Agrícola (PPGEA).
O objetivo do Laboratório está bem expresso em seu site: promover na UFRRJ “o conhecimento científico nas dimensões das culturas, políticas e práticas de inclusão em educação”, além de realizar “estudos e projetos que potencializem a plena participação escolar/educacional dos sujeitos de pesquisa do laboratório, superando processos histórico-político-sociais de exclusão”.
O tom formal e científico da descrição acima se materializa em ações concretas carregadas de sentimento e histórias de vida. E o professor Allan Damasceno deixa transparecer isso quando fala de sua paixão pela Rural, ressaltando que, no espaço desta comunidade, seu trabalho tem uma dimensão singular, que poderia não ser observada numa universidade maior, sediada num grande centro urbano.
“Em Seropédica me sinto muito útil. As pessoas me procuram no câmpus. Tive oportunidade de ir para outras instituições, mas estou feliz na Rural. O trabalho que a gente faz nesta região é de muito impacto. A gente está num grande bolsão de pobreza, na Baixada Fluminense. E nessa área em que trabalho há uma demanda muito grande. Temos um número muito elevado de Pessoas com Deficiência (PCD), porque tem uma relação íntima, né?, entre deficiência e pobreza. É uma região muito pobre e o índice de PCD é mais elevado do que no resto do estado”, conta o coordenador do Lepedi, que é professor da UFRRJ desde 2007.
Intercâmbio
A parceria técnico-científica com o Politécnico de Leiria foi formalizada em 2019, com a assinatura de um termo de cooperação intermediado pela Coordenadoria de Relações Internacionais e Interinstitucionais (Corin/UFRRJ). Mas o primeiro contato com a instituição portuguesa foi estabelecido anteriormente por uma orientanda de Damasceno: a doutoranda Carina Alves, do PPGEduc. Num congresso em Portugal ela conheceu a experiência do Centro de Referência em Inclusão Digital (Crid), ligado ao Politécnico de Leiria, e estabeleceu um diálogo com a professora Célia Sousa, coordenadora do Crid e referência internacional na área de comunicação assistida.
Essa conversa interinstitucional também é perpassada pelo projeto de pesquisa desenvolvido por Carina e a ONG presidida por ela, o Instituto Incluir, com apoio do Lepedi: o Literatura Acessível 3.0.
“Queríamos fazer um paradidático, para complementar a formação. São livros que contam casos de pessoas reais com deficiências, transformadas em personagens infantis. Distribuímos os livros gratuitamente para milhares de escolas públicas em multiformato e multilinguismo – em braile, pictograma, Libras, audiolivro… É uma forma de promover a inclusão”, explica o professor Damasceno, que acrescenta que o projeto recebeu, no ano passado, o Prêmio de Acessibilidade do Governo Federal na categoria “Inovação Tecnológica em Acessibilidade”.
O intercâmbio científico no Politécnico de Leiria, realizado em janeiro, possibilitou que os representantes do Lepedi e do Instituto Incluir conhecessem de perto o trabalho do Crid e aprendessem sobre diferentes tecnologias de inclusão e acessibilidade. Além disso, a comitiva participou do curso ‘Comunicação Alternativa e Aumentativa e Acessibilidade’.
De volta ao Brasil, Allan Damasceno trouxe na bagagem algumas propostas apresentadas pela professora Célia Sousa, como a intenção de criar uma célula do Crid em nosso país, com sede na UFRRJ.
“Célia tem parcerias com várias universidades importantes do Brasil, mas fez o convite justamente para a Rural. Fiquei lisonjeado. Ela ama nossa Universidade, acha linda e conhece o contexto socioeconômico de Seropédica. Então, ela me disse que prefere que o Crid atue numa região como a Baixada, onde pode fazer a diferença”, contou o docente.
E como parte do acordo de intercâmbio, a professora Sousa aterrissou no Rio de Janeiro no final de fevereiro e, nesta segunda-feira (7/3), vai palestrar no Museu de Arte do Rio (MAR), às 14h. Na ocasião, será lançado um dos livros comemorativos dos dez anos do Lepedi, completados no anos passado. O evento será transmitido ao vivo no canal do Instituto Incluir: https://www.youtube.com/c/InstitutoIncluir/featured
‘A serviço da sociedade’
O Lepedi segue em seu intenso trabalho para promover parcerias em defesa da diversidade. Uma ação que, ao longo de seus 11 anos, vem estabelecendo laços locais e internacionais, e ganhando o reconhecimento fora dos muros da Universidade (no mês passado, por exemplo, o professor foi entrevistado pela TV Alerj – veja abaixo).
“Minha preocupação nunca foi me tornar conhecido, mas ser um servidor público a serviço da sociedade, sobretudo aqueles e aquelas para os quais eu tenho dedicado parte de minha vida: as PCD. Até porque eu sou tutor de um homem de 62 anos que tem paralisia cerebral. Nasci numa família de uma PCD, e cuido dessa pessoa. Isso faz a diferença na vida da gente”, conclui Damasceno.
E para quem ainda não conhece o trabalho do Lepedi, vale a pena conferir os canais do Laboratório:
Vídeo comemorativo dos 10 anos do Laboratório:
Entrevista de Allan Damasceno na TV Alerj:
Por João Henrique Oliveira (CCS/UFRRJ)