Por Gustavo Alves Cardoso Moreira (*)
O livro “Seropédica em foco: diálogos históricos e historiográficos”, organizado pelos professores Fabiane Popinigis, Jessica Santana, Margareth Gonçalves, Marlon Marques e Vinícius Brito, resulta da produção acadêmica do PET-História da UFRRJ. Escrita a muitas mãos por profissionais atuantes ou egressos do programa, a obra visa contribuir para o conhecimento da História de Seropédica, sem deixar de relacionar “a realidade local a um contexto histórico mais amplo”. Para sua elaboração, os autores recorreram a múltiplas fontes primárias, por vezes digitalizadas no próprio âmbito do PET-História.
Os oito artigos do livro foram dispostos em quatro eixos temáticos: o primeiro é dedicado à Fazenda de Santa Cruz, cujo território, na Colônia, incluía a área da atual Seropédica e de vários municípios vizinhos. Em “A Fazenda de Santa Cruz vista através de sua bibliografia”, Thales Costa revisita o processo de construção da história daquela propriedade desde os memorialistas do Oitocentos até as teses e dissertações das últimas cinco décadas. O artigo recupera os contextos em que surgiram tais obras, examinando a formação profissional e os interesses políticos, no caso dos memorialistas, e os debates historiográficos, ao tratar dos historiadores universitários. O capítulo 2 foi intitulado “Alugados a diversos e a si: escravos da Imperial Fazenda de Santa Cruz (1862-1868)”. Através de um amplo esforço de sistematização de fontes, a autora Amanda de Souza tece interpretações sobre a organização do trabalho e a vida social na Fazenda.
Centrado nas questões de gênero, o segundo eixo começa com “Uma história da instrução pública no Rio de Janeiro de 1860: o caso de Maria Roza, professora de primeiras letras em Bananal de Itaguaí”, de Karine da Costa, estudo sobre uma jovem que em meio a muitas intrigas lutou pela manutenção de seu cargo. Recorrendo a episódios relatados pela imprensa, a autora conduz sua investigação acerca das redes de sociabilidade acessíveis às professoras fluminenses e das estratégias empregadas por elas para assegurar espaço numa profissão majoritariamente masculina. O capítulo 4, de Joyce Figueiredo, representa um produto de sua dissertação de mestrado, sob o título “Configurações familiares da D. Anna Rosa e dos escravizados em sua posse: associação nominal (Itaguaí 1848-1865)”. Pela análise de registros paroquiais e do inventário da matriarca da família Sá Freire, são identificadas algumas características da sociedade local, marcada por fortes hierarquias de gênero e classe.
O terceiro eixo privilegia a economia agrária da área que depois se converteu no município de Seropédica. O artigo “Seropédica nos tempos de Nossa Senhora da Conceição do Bananal (séc. XIX)”, de Max de Oliveira, também provém de seu mestrado. O autor se volta para questões locais, como a concentração fundiária e os tipos de cultivo da paróquia, sem menosprezar a inserção da Baixada em circuitos comerciais que superavam os limites provinciais. No capítulo 6, “Entre a cafeicultura e a indústria na década de 1850: a disputa por terras em Itaguaí nos debates da Assembleia Provincial do Rio de Janeiro”, Jessica Santana e Vinicius Brito descrevem um conflito definido como “embate entre diferentes projetos econômicos e políticos”. Resgatando as estratégias jurídicas dos envolvidos e suas alianças parlamentares, eles indicam os limites que certas correlações de forças podem impor à execução das leis.
O quarto eixo se refere à República, em particular a processos ocorridos na UFRRJ durante a mais recente ditadura. Em “Às trevas dos campos verdes ruralinos: tortura, censura e cassações políticas 1964-1973”, Marcela Silva e Marlon Marques mostram como a repressão recém-instalada logo se voltou contra a Rural. As fontes revelam que os agentes do regime não apenas prenderam e espancaram na UFRRJ, como também cercearam atividades culturais. No capítulo 8, “Estudo para quem tem terra? A ‘Lei do Boi’ como forma de acesso ao Curso de Agronomia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (1968-1985)”, Wallace Magalhães analisa a aplicação de uma lei federal que garantia vagas aos “filhos de lavradores” para favorecer uma “modernização conservadora” do agro. A partir dos documentos comprobatórios de tal condição deixados pelos alunos, o autor identifica alterações no perfil daquele grupo durante a fase estudada.
“Seropédica em foco” não tem o objetivo de apresentar uma história linear de Seropédica, mas preenche lacunas importantes nos estudos sobre a Baixada. Fornece elementos para novas pesquisas sobre os períodos colonial, imperial e republicano. Ademais, longe de constituir uma soma de esforços isolados, integra uma construção coletiva que se amplia há cerca de 14 anos e deve brindar a historiografia fluminense com obras de grande expressão.
(*) Historiador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com lotação no Museu Nacional, e professor docente I da Secretaria Estadual de Educação do Rio de Janeiro, no município de Maricá. Possui graduação em História pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (1993), mestrado (2005) e doutorado (2014) em História pela Universidade Federal Fluminense. Tem experiência como pesquisador na área de História, com ênfase em História do Brasil Império.
Referência do livro:
POPINIGIS, Fabiane, et al. Seropédica em foco: diálogos históricos e historiográficos. Seropédica: EDUR, 2021.