Há 15 anos na área da divulgação científica, a jornalista Luiza Caires é a responsável pela editoria de Ciências do Jornal da USP, e proferiu a aula inaugural da pós-graduação da UFRRJ neste semestre
Seja no desenvolvimento de uma nova tecnologia, na produção de um medicamento ou em um simples ato de acender a luz, a ciência está sempre ligada ao dia a dia dos brasileiros. Apesar disso, existe entre a população um padrão de muito interesse pela área, mas pouco conhecimento sobre o tema.
Nesse contexto, a divulgação científica surge como um dos principais caminhos para aproximar a ciência da sociedade. A popularização do conhecimento científico permite, sobretudo, que os cidadãos entendam a sua contribuição para o desenvolvimento do país e passem a defendê-lo.
Segundo dados da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), as universidades públicas são responsáveis pela maior parcela da produção científica do país. Logo, é fundamental que esses espaços sejam os protagonistas da divulgação científica.
Em março deste ano, a convite da Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação (PROPPG/UFRRJ), a jornalista Luiza Caires ministrou a aula magna geral da pós-graduação. Tendo como tema “A Universidade como protagonista da Divulgação Científica: fundamentos, técnicas e desafios”, a aula também deu início à disciplina “Comunicação Científica: Conceitos e Práticas de Divulgação Científica nas Mídias Sociais”, do curso de Pós-Graduação em Agronomia – Ciências do Solo (CPGA-CS/UFRRJ).
Luiza Caires é mestre em Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP) e comanda a editoria de Ciências do Jornal da Universidade. Veterana na área de divulgação científica, lançou, em 2018, o guia De cientista para jornalista – noções de comunicação com a mídia, que auxilia cientistas e acadêmicos a transformarem sua ciência em notícia.
Recentemente, a Coordenadoria de Comunicação Social (CSS) conversou com a jornalista sobre o cenário da divulgação científica no Brasil e os desafios enfrentados por quem trabalha nessa área. Leia, a seguir, a entrevista.
No ano passado, um levantamento encomendado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) revelou que a maioria dos brasileiros gosta de ciência, mas pouco se informa sobre ela. Por que você acha que isso acontece?
Luiza Caires – Acho que quando as pessoas dizem se interessar por ciência, estão pensando em uma ideia estereotipada de ciência, que não existe na prática. Daí, quando a ciência de verdade é apresentada, mesmo que bem embalada, elas se frustram e não querem saber sobre aquilo. Se houvesse uma boa educação científica desde cedo, ainda assim as pessoas iam continuar se interessando mais pelo que é mais atraente e chama a atenção – isso é normal para qualquer tema, não só ciência. Porém, haveria mais espaço para as pessoas admirarem e se sentirem instigadas por uma diversidade maior de assuntos.
Quais os principais desafios de quem trabalha com divulgação científica no Brasil?
L.C. – Ultrapassar a bolha, o nicho. Ou seja, aumentar o público potencialmente interessado, a demanda pelo que temos para oferecer. Com pouca gente interessada em divulgação científica, no meio desse mar de informações, fica difícil achar nosso espaço e, por exemplo, concorrer com fake news e pseudociência – já que essas não precisam se comprometer com a verdade, é bem mais fácil para elas vender suas ideias e promessas mirabolantes. Uma pequena parte desse desafio pode ser vencida com mudanças e esforços dos divulgadores. Mas a maior parte é um problema estrutural, que só vai melhorar com a melhora do cenário socioeconômico e com políticas de longo prazo para educação e ciência.
Além disso, é preciso caminhar em direção à profissionalização da atividade. Para que, de um lado, os divulgadores tenham formação especializada e produzam conteúdo com mais qualidade; e, por outro, sejam recompensados financeiramente por isso. Não adianta cobrar um nível profissional de uma atividade que na maior parte das vezes é feita de forma voluntária e paralela a outras.
Segundo a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), as universidades públicas brasileiras são responsáveis pela maior parte da produção científica do país. De que maneiras você acredita que o que é produzido nesses espaços pode ser apresentado à sociedade de uma forma mais atrativa, que gere interesse/curiosidade?
L.C. – Há várias técnicas específicas para isso, e tenho apresentado algumas delas nas palestras e oficinas. Mas, posso falar de algumas ideias mais gerais para a divulgação científica.
Por exemplo: tentar aproximar o conhecimento gerado da realidade das pessoas, de maneira mais ou menos direta dependendo do tipo de pesquisa; antes de produzir um material, escolher com qual público se quer comunicar, para escolher qual ângulo daquele assunto é melhor mostrar e em qual formato; e, durante a produção, pensar o tempo todo nesse público e se perguntar como ele vai receber aquilo.
Como é, para você, estar à frente da editoria de Ciências do Jornal da USP? Em relação às dificuldades, ao contato com o público, às expectativas que se tem em relação ao trabalho dos professores/pesquisadores da maior universidade do Brasil, etc.
L.C. – Primeiro, eu acho que é uma missão bem difícil tentar sintetizar em um veículo a ciência que uma universidade desse tamanho faz – damos apenas retratos disso, nunca a totalidade.
Além disso, trabalhamos com a imagem que a USP passa de si mesma para as pessoas, e isso é algo que nos antecede e não depende só de nós, mas que ajudamos a construir. Vivemos com os ônus e os bônus disso, pois a USP é muito bem vista por uns, e não tanto por outros. Principalmente nessa época de polarização política que vivemos, são colados rótulos na universidade por quem quer atacá-la.
Uma outra coisa complicada com que temos que lidar é a expectativa de que a USP (e os cientistas de uma forma geral) ofereça soluções de curto prazo para os problemas. Ciência também trabalha para ajudar em emergências, como é o caso da pandemia, mas isso é exceção. Os melhores frutos das pesquisas são obtidos em trabalhos extensos e de longo prazo.
Sabe-se que, mesmo na ciência, as disparidades de gênero ainda se fazem presente. De acordo com a Unesco, somente 28,8% dos acadêmicos do mundo são mulheres. Em 2019, todos os prêmios Nobel de ciência foram entregues a homens. Na sua opinião, a divulgação científica pode ser uma aliada na luta das mulheres por representatividade na ciência? De que modo a divulgação científica pode encorajar cada vez mais meninas a seguirem a carreira de pesquisadora?
L.C. – Até agora, a divulgação científica tem reproduzido as disparidades de gênero que já existem na ciência. Mesmo com muitas mulheres atuando, se você olhar para quem mais recebe atenção, vai encontrar muito mais homens. É algo estrutural que só vai mudar completamente quando isso for modificado na sociedade de uma forma geral. Mas podemos e devemos contribuir para amenizar isso com ações de inclusão. No âmbito institucional, criar bolsas, editais e prêmios com foco em mulheres (tanto para cientistas como para divulgadoras). No âmbito da nosso política pessoal diária, promover as mulheres que já estão aí fazendo ciência e divulgação, convidando-as para eventos e ações, dando mais espaço. Tem que ser algo afirmativo, proposital. Não adianta esperar porque não vai ser naturalmente que as pessoas vão passar a prestar mais atenção em mulheres que nos homens – o machismo já é muito enraizado!
Por João Gabriel Castro, estagiário de Jornalismo da CCS