Por João Gabriel Castro*
A pandemia instaurou no país uma crise econômica e social sem precedentes. Em um cenário em que ainda não há vacina ou tratamento específico para a doença, as autoridades do país seguem adotando as medidas de distanciamento social e restrição de circulação de pessoas recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como principal estratégia para suprimir a contaminação pelo vírus.
Sem nenhuma previsão concreta de volta à normalidade, o atual momento de calamidade pública impactou, sobretudo, os ambientes de trabalho e exigiu que o governo federal adotasse medidas trabalhistas específicas para o enfrentamento desse período de emergência em saúde pública.
Em vigor desde 22 de março, a Medida Provisória 927 – posteriormente complementada pela MP 936 – aborda as medidas que podem ser adotadas pelos empregadores para a preservação de emprego e renda durante a pandemia do coronavírus. Entres essas medidas, estão a implementação do teletrabalho, a antecipação de férias, a concessão de férias coletivas, o aproveitamento e antecipação de feriados e a flexibilização do banco de horas.
Após a sua publicação, o texto da MP 927 precisou ser editado para revogar o polêmico 18º artigo, que permitia ao empregador a suspensão do contrato de trabalho do empregado por quatro meses sem a necessidade de pagamento de salário.
Para entender melhor o que de fato a MP 927 propõe e as mudanças que ela traz para a vida dos trabalhadores brasileiros, a Coordenadoria de Comunicação Social (CCS) da UFRRJ conversou com o professor Paulo Renato Fernandes, do Departamento de Ciências Jurídicas/IM, Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e especialista em Contrato de Trabalho e em Relações de Trabalho pelo Instituto de Direito das Empresas e do Trabalho da Universidade de Coimbra.
Leia a entrevista:
Quais os principais impactos da Medida Provisória 927 na vida do trabalhador brasileiro?
Paulo Renato Fernandes – A MP 927, complementada pela MP 936, era uma medida muito importante e esperada por todos para o enfrentamento da crise da pandemia do coronavírus.
Estamos vivendo uma crise econômica e social gravíssima. A legislação trabalhista convencional não tem mecanismos para enfrentar essa situação. Era necessária uma legislação excepcional para esse momento, como fizeram vários outros países do mundo. Trata-se de um conjunto de medidas legislativas voltadas para atenuar os efeitos da crise, com enfoque especial voltado para a manutenção dos empregos e da renda dos trabalhadores, bem como para a preservação das empresas. É o que chamamos de legislação de crise.
A lei deve ser serviente à sociedade, a fim de atender aos seus interesses e necessidades. As medidas criadas foram de dois tipos: Medidas de flexibilização das leis existentes. Aqui temos, como exemplo, a antecipação de férias, a desburocratização das férias coletivas, a facilitação da adoção dos regimes de teletrabalho e de banco de horas etc.; e a criação de novos institutos de direito. Foram criados programas sociais de manutenção do emprego e renda, com a participação das empresas e dos trabalhadores. Exemplo disso é a possibilidade de suspensão do contrato de trabalho de forma remunerada totalmente pelo governo ou em parceria com as empresas. Foi criado o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda para gerar para os empregados uma espécie de cobertura remuneratória durante esse período.
Tudo isso foi feito para garantir às pessoas o direito à dignidade humana.
O artigo nº 2 da MP 927 torna possível que entre o patrão e o empregado seja estabelecido um acordo individual que se sobreponha à legislação trabalhista. Como o senhor avalia isso?
Paulo Renato Fernandes – Nesse momento o que está em jogo é a sobrevivência das empresas e, por conseguinte, dos empregos. Invoco aqui, novamente, o princípio da dignidade humana. A situação é seríssima.
Segundo uma pesquisa do Sebrae, até a semana passada, mais de 600 mil pequenas empresas fecharam as portas. Temos que destravar os velhos clichês impeditivos do amadurecimento da sociedade brasileira. Esse é um exemplo dessa visão. O empregador no contexto atual pode, simplesmente, demitir seus empregados não pagando nada (alegando o artigo 486 da CLT – a Teoria do Fato do Príncipe – segundo a qual quem responde pelas indenizações trabalhistas é o Estado) ou pagando só a metade do que seria devido (artigo 502, II, CLT – sustentando a existência – real – de motivo de força maior).
Ora, se a empresa impactada pela grave crise econômica propõe um acordo provisório para manter os empregos e a rendas dos trabalhadores, se ajustando ao novo cenário econômico, a fim de tentar sobreviver aos deletérios efeitos da pandemia, isso é uma medida que deve ser considerada ruim? Me parece que não. Estamos em um esforço de guerra contra a pandemia e seus efeitos. O que está em jogo é a vida das pessoas e de suas famílias. Situações excepcionais demandam soluções igualmente excepcionais e transitórias.
Existe algum meio pelo qual o trabalhador possa resguardar seus direitos durante a pandemia?
Paulo Renato Fernandes – Sinceramente, o que me preocupa mais não são os trabalhadores formais que têm emprego, foram contemplados com as encimadas MPs e formam um contingente menor da população economicamente ativa (PEA) brasileira (cerca de 35%, segundo o IBGE). A verdade é que a grande maioria dos trabalhadores são informais, trabalham por conta de pequenos biscates ou em empreendimentos próprios. Estes são casos mais preocupantes.
Mas respondendo, objetivamente, sim, negociando, diretamente, ou através do seu sindicato profissional, com o empregador, buscando soluções provisórias que equalizem seus interesses durante esse período. Ninguém melhor do que o trabalhador para saber como está a saúde financeira da empresa. O maior direito do trabalhador, nesse contexto, é a manutenção do emprego e, consequentemente, de sua renda. Estamos em isolamento social, a economia não está girando. Milhares de empresas estão demitindo pois não têm faturamento, não têm dinheiro para pagar seus encargos fiscais, consumeristas, civis, fornecedores, trabalhistas, empréstimos etc. Em uma crise, como a atual, ninguém sai ganhando. As MPs editadas não proíbem a negociação coletiva de trabalho, que está em pleno vigor no país. Os sindicatos podem e devem procurar as empresas para negociar.
Outro aspecto que vejo como muito importante é a atuação dos sindicatos na defesa da saúde dos trabalhadores na pandemia. Eles podem se valer de inúmeras medidas (judiciais, inclusive) para garantir, além de outros, esse direito igualmente fundamental – o direito ao meio ambiente de trabalho seguro, sadio e urbano. Nesse ponto, tenho visto muitas ações práticas da fiscalização do trabalho (da Secretaria de Inspeção do Trabalho, do Ministério da Economia) para o resguardo dos direitos dos trabalhadores, especialmente, no tocante ao fornecimento de equipamentos de proteção individual e coletiva por parte das empresas.
*Estagiário da Coordenadoria de Comunicação Social – CCS/UFRRJ