Programa de Melhoramento Genético da Universidade identificou genótipo de erva-cidreira brasileira quimicamente estável e altamente produtivo durante duas estações do ano
Por João Gabriel Castro (*)
A erva-cidreira brasileira (Lippia alba) é uma espécie nativa, amplamente distribuída pelo Brasil, e popularmente conhecida por suas propriedades medicinais. Graças à sua vasta diversidade genética, a Lippia alba possui uma enorme variação química quanto ao seu óleo essencial. Por isso, além de servir de matéria-prima para a indústria farmacêutica, essa espécie também é explorada na produção de alimentos e na fabricação de cosméticos e perfumes.
Esses mercados consumidores demandam que a produção da matéria prima vegetal atenda a um padrão de qualidade. Ou seja, a planta cultivada deve apresentar estabilidade química e, ao mesmo tempo, produzir grande quantidade de princípio ativo. Para garantir que o produtor atenda às exigências feitas pela indústria e pelo comércio quanto à qualidade e eficácia dos produtos, pesquisadores de todo o país têm desenvolvido diferentes estudos com variados tipos químicos de erva-cidreira brasileira focados no cultivo, manejo, colheita e pós-colheita.
Na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), destaca-se o Programa de Melhoramento Genético com foco em plantas medicinais e/ou aromáticas, coordenado pelo professor Pedro Corrêa Damasceno-Junior do Departamento de Fitotecnia, Instituto de Agronomia. Este programa tem como objetivo principal gerar cultivares, isto é, plantas que apresentam características superiores que as destacam das outras da mesma espécie.
Através do Programa de Melhoramento, uma equipe multidisciplinar de pesquisadores da Universidade realizou um estudo de genótipos de erva-cidreira brasileira (tipo químico citral) pertencentes à coleção de germoplasma do Departamento de Fitotecnia da UFRRJ.
A Lippia alba de tipo químico citral produz o componente citral, que é um óleo essencial de aroma cítrico e doce. Na indústria, o citral possui diferentes aplicabilidades: em alimentos, é utilizado como aromatizante de comestíveis e bebidas (refrigerantes, doces, balas e sorvetes). Já na fabricação de perfumes, o citral é o responsável pelo efeito cítrico da fragrância.
“Existe um grande problema com plantas aromáticas e produtos naturais de um modo geral que é a dificuldade de manter a estabilidade da produção e da qualidade deles. Cada planta precisa ser estudada porque cada uma responde de um jeito. Então, o primeiro passo foi entender a produção da planta, como ela se mantém ao longo das estações do ano. E, logo após, verificamos a qualidade do óleo essencial produzido por ela, por se tratar de um produto natural com maior valor agregado do que só a planta em si”, explica Marco André Soares, professor do Departamento de Bioquímica do Instituto de Química, responsável pela caracterização química dos óleos essenciais analisados na pesquisa.
Ainda segundo Marco André, trabalhar com uma espécie nativa foi uma escolha importante e estratégica. “A erva-cidreira brasileira é uma planta perene, ela tem um ciclo de vida longo e tolerante às nossas condições ambientais. Então, o cultivo dela é menos complicado. É importante aproveitar o potencial químico e genético da nossa biodiversidade porque a gente evita trazer para o nosso ambiente plantas adaptadas a outras regiões que talvez não tenham um desempenho tão bom e produtivo assim”, explica.
As etapas da pesquisa
O cultivo e a coleta da Lippia alba foram o primeiro estágio da pesquisa, do qual foram extraídos descritores (características) quantitativos e qualitativos da planta, como por exemplo, seu hábito de crescimento e sua produção de biomassa. Na etapa seguinte, foram feitas avaliações referentes às análises de DNA e dos óleos essenciais da planta e seus princípios ativos. Os dados gerados nesta etapa foram posteriormente submetidos à uma série de análises estatísticas que relacionaram as variáveis dos princípios ativos aos aspectos morfológicos/agronômicos de produção da planta. Com isso, foi possível obter parâmetros genéticos que apontaram para os vegetais com maior potencial para gerar uma progênie (planta descendente com as mesmas características genéticas de sua genitora) e dar continuidade aos estudos, ou ser utilizada na produção agrícola imediata.
Através do Índice de Estabilidade do Perfil Químico do Genótipo – ferramenta estatística inédita desenvolvida pelo professor Pedro Damasceno para calcular a estabilidade química da planta durante a época de seu cultivo –, foi identificado o genótipo UFRRJ ECB005 de erva-cidreira brasileira que, durante as estações inverno e verão, apresentou maior produção e estabilidade do perfil químico dos óleos essenciais, incluindo alta concentração de citral e excelente produção de biomassa entre todos os genótipos analisados.
Pesquisa com foco nos pequenos agricultores
De acordo com o professor, para além dos diferentes setores da indústria, a descoberta desse genótipo pode ter um impacto significativo para os pequenos agricultores da Baixada Fluminense. “O nosso foco aqui sempre são os pequenos agricultores e a agricultura familiar. Todos os programas de melhoramento são localizados. O que desenvolvemos aqui é voltado principalmente para a Baixada Fluminense. Um impacto social que esperamos é que, daqui a pouco, a gente tenha agricultores daqui gerando renda com a produção dessa planta de alta qualidade selecionada para esse local”, afirma.
Com duração total de sete anos, o estudo contou, ao longo do tempo, com a colaboração de alunos do Programa de Pós-Graduação em Fitotecnia, do Departamento de Química e Departamento de Fitotecnia da Universidade. Além disso, a pesquisa teve o apoio financeiro das principais agências de fomento à pesquisa do país (Capes, Faperj e CNPq).
Em novembro de 2019, as conclusões da primeira parte do estudo foram publicadas em formato de artigo científico pela revista Industrial Crops and Products, publicação internacional com foco em culturas e produtos agrícolas bem conceituada nas áreas agrárias.
Para o coordenador do projeto, o próximo passo é dar continuidade ao Programa de Melhoramento trabalhando com outras espécies de planta: “Ainda tem muita coisa a ser feita. As dificuldades que nós temos não estão sendo um fator limitante para a produção de nossas pesquisas. Mesmo em tempos de crise, o pesquisador brasileiro não deixa de produzir. Acho que essa é a normalidade dentro de uma universidade federal. E nós estamos dentro de um padrão de qualidade, tanto é que estamos publicando numa revista internacional. A qualidade vai muito bem, obrigado!”.
(*) Estagiário de jornalismo científico da Coordenadoria de Comunicação Social (CCS/UFRRJ)
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