Texto por: Jaqueline Suarez
O ensino superior era apenas um sonho distante para Cassiano Ramos, de 24 anos. Considerado por muitos professores um aluno problemático, ele passou por várias escolas até abandonar os estudos no primeiro ano do ensino médio. O ponto final durou quase dois anos até sua história ganhar vírgulas e reticências.
Cassiano deixou sua casa na cidade de Paraty, na Costa Verde, e se mudou para Seropédica, na Baixada Fluminense, onde terminou o ensino médio por meio de um curso supletivo. O desejo de concluir os estudos cresceu e deu lugar ao sonho de uma graduação. Permaneceu na cidade, começou a trabalhar e a noite assistia as aulas do Pré-Enem, preparatório coordenado pela Pró-reitoria de Extensão da Rural. Depois de um ano frequentando as aulas, Cassiano arrumou novamente as malas, dessa vez para ser calouro da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), em Diamantina, Minas Gerais.
“No meu grupo familiar ninguém tem ensino superior, eu sou o primeiro a entrar em uma universidade. Hoje eu curso Turismo, que era minha primeira opção. Eu sou participativo nas atividades da universidade e sou bolsista também, então posso me dedicar totalmente para os estudos. Sempre participei de projetos de extensão e de pesquisa, hoje a pesquisa é minha paixão”, contou o estudante.
Se para Cassiano a universidade era apenas um sonho distante, para Lucas Xavier, de 18 anos, o ambiente universitário já era algo conhecido e desejado desde criança. Conheceu a Rural ainda pequeno e chegou a frequentar várias aulas do curso de pedagogia com a mãe, que depois formou-se mestre em educação pela UFRRJ. A família mudou algumas vezes de cidade e, consequentemente, de escola. Lucas, que sempre estudou em unidades públicas de ensino, conta que a falta de professores e de estrutura foram os maiores obstáculos para sua formação.
“Durante o fundamental eu tive muita carência de professor de matemática, fiquei muito tempo sem aula da matéria no 9° ano. Quando eu passei para o 1° ano [do ensino médio], o ano letivo foi um pouco conturbado, com greves e até mesmo com uma ocupação dos estudantes. Nesse período, aprendemos muita coisa com as palestras e dinâmicas dos professores voluntários, mas, ainda mais, sobre o que é uma escola democrática. Já no segundo ano, voltamos a sofrer com a falta de professor, não tínhamos física, por exemplo”, relembra Lucas.
Durante o ano passado, Lucas conciliou as aulas regulares na escola com a turma noturna do Pré-enem. Saia de casa cedo e, às vezes, só voltava no fim da noite após o preparatório. Apesar de cansativo, diz que sentia prazer em participar, principalmente, por conta do entusiasmo que via nos professores. A animação deles e a vivência universitária que eles compartilhavam em sala servia como inspiração.
“Biologia, que eu não tinha mais aulas no último ano do ensino médio, voltou a ser minha matéria preferida no Pré-Enem, porque a dinâmica de aula da professora era incrível e contribuiu muito para isso. Mas o que fez toda diferença na minha vida foram as aulas de redação. Infelizmente, eu não conseguia fazer todas porque tinha que dar conta dos trabalhos escolares, mas o pouco que pratiquei somado a atenção nas aulas fizeram com que eu tirasse 960 na redação do Enem”, conta Lucas. O bom desempenho no exame lhe rendeu uma vaga na primeira chamada para o curso de Medicina Veterinária na UFRRJ.
O programa
Transformar o sonho em uma possibilidade real, trazendo a comunidade para dentro da universidade. Essa é a missão que deu origem ao Pré-Enem, há 13 anos. Iniciativas semelhantes já aconteciam na universidade de forma autônoma desde 1997, mas foi apenas em 2006 que a atividade se tornou um projeto registrado, coordenado pela Pró-reitoria de Extensão. Nos anos seguintes, o programa foi sendo aprimorado e ampliado. Começou no câmpus-sede em Seropédica e se estendeu, chegando ao câmpus de Nova Iguaçu, também na Baixada Fluminense, e este ano no Instituto Três Rios (ITR), no interior do Estado do Rio de Janeiro.
As aulas são ministradas por estudantes de licenciatura ou áreas relacionadas à disciplina. Os futuros professores podem vivenciar na prática, ainda na graduação, a rotina e os desafios da profissão. São eles próprios que constroem o plano de aula e podem até elaborar questões para os simulados. Todas as atividades são acompanhadas de perto pelos tutores de áreas e por docentes da universidade que participam da orientação e gestão pedagógica do programa. A equipe também é composta por outros bolsistas e servidores da Rural, que dão apoio técnico e administrativo fundamentais para o funcionamento do Pré-Enem.
O fato das aulas serem ministradas por universitários não desanima, pelo contrário. Ver pessoas tão novas a frente das turmas faz com que os alunos vejam aquela posição como algo possível para eles também. A distância que pensam existir entre eles e a graduação vai diminuindo na medida que eles passam a frequentar as aulas, atualmente realizadas dentro da universidade. Estar no ambiente acadêmico e participar da sua rotina motiva ainda mais os estudantes do Pré-Enem.
“Eu acredito que o projeto tenha sido determinante para a minha aprovação. Eu estava ali dentro da universidade, já vivendo o ambiente que eu sonhava viver como graduando, podendo questionar, tendo algumas respostas e sempre dialogando da forma que eu sempre tentei dialogar na educação básica e nunca consegui. Eu gostava das aulas pelo entusiasmo dos professores, às vezes, alguns bem novos, até mais novos que eu, que na época tinha 22 anos. Eu via eles contando as experiências de dentro da universidade e pensava comigo o quanto eu queria viver aquilo, isso dava um gás a mais”, contou Cassiano, que participou do programa em 2017.
Conseguir espaço físico para a realização das atividades é um grande desafio até hoje. Atualmente, as aulas em Seropédica acontecem à noite no P1, mas por alguns anos foram realizadas em escolas públicas do entorno do câmpus. Em Nova Iguaçu e em Três Rios o preparatório acontece também dentro do espaço da instituição. A cada ano que passa, o número de inscritos cresce e a disponibilidade de salas de aula se torna um grande obstáculo para a expansão do programa. Reduzir a evasão dos estudantes no decorrer do curso também se mostra um grande desafio.
“A evasão geralmente é bem grande, ano passado, funcionando aqui dentro, nós conseguimos reduzir um pouco. A parada do meio do ano é um pouco prejudicial, o pessoal acaba não retornando e muitos não conseguem vir se a gente continuar, porque muitas vezes a presença do aluno está atrelado à passagem que ele recebe para ir a escola. Outros, que já são trabalhadores, acho que desistem pelo cansaço, também pelo tempo que estão afastados da sala de aula e é mais complicado retomar”, avalia Camila Eller, coordenadora administrativa do Pré-Enem.
Contudo, os resultados entre os estudantes que concluem o preparatório são bem positivos, segundo Camila. A turma de 2017, teve mais de 50% dos alunos – que acompanharam as aulas do início ao fim – aprovados no Enem. Entre o grupo que participou do programa no ano passado, ainda não é possível indicar números em razão da reabertura das matrículas no segundo semestre do ano. Além das aprovações, a melhoria no relacionamento com a comunidade também pode ser visto como um resultado bastante expressivo, como explica Camila Eller.
“Eu acredito que o programa consiga quebrar um pouco dessa barreira entre a população da cidade e a universidade, até porque eles são nossos maiores agentes de divulgação. Funcionando aqui no P1 [Pavilhão Central] essa aproximação ficou mais forte. Trazendo eles para dentro da estrutura da Rural a gente consegue até desmistificar essa ideia que eles tinham de universidade, de mostrar que é possível fazer parte desse espaço, ser aluno, entender que se é público é deles também”, destacou.
Inscrições abertas
As inscrições para o Pré-Enem deste ano estão abertas até a sexta-feira, 22. Ao todo, são 480 vagas nos campi Seropédica, Nova Iguaçu e Três Rios. A primeira etapa da matrícula é feita online e, posteriormente, o aluno precisa efetivar a inscrição, presencialmente, na sala onde funciona a coordenação do Pré-Enem no câmpus para o qual o candidato concorre à vaga, entre os dias 25 e 27 de fevereiro. A seleção leva em conta dados socioeconômicos, como por exemplo, o candidato ter cursado o ensino básico na rede pública de educação.
Em Seropédica serão disponibilizadas 150 vagas apenas em turmas noturnas. Em Nova Iguaçu serão 230 vagas para turmas à tarde ou à noite. E outras cem vagas nos horários da manhã e da tarde no câmpus Três Rios.
Mais informações: página da proext (link) ou pelos e-mails:
pre.ufrrj@gmail.com (câmpus Seropédica)
ufrrj.ethos@gmail.com (câmpus Nova Iguaçu)
educacaotutorialtresrios@gmail.com (câmpus Três Rios)