O Programa de Pós-Graduação em Patrimônio, Cultura e Sociedade (PPGPaCS/UFRRJ) recepcionou seus novos estudantes na segunda-feira, 19 de março, com a aula inaugural “A cultura brasileira: olhares sobre o patrimônio”, proferida por Muniz Sodré, professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Sodré discutiu as distintas definições de patrimônio e sua relação intrínseca com o conceito de cultura, além de valorizar a importância política que um curso específico de Patrimônio, como o oferecido pelo Instituto Multidisciplinar (IM/UFRRJ), possui para reescrever o conceito de patrimônio nacional no Brasil.
“A forma hegemônica do estado brasileiro é a forma do patrimonialismo português. Mas patrimônio é uma categoria reversível. Temos que estudar as formas populares de patrimônio que estão nos cultos, nas festas, nas apropriações que as populações pobres fazem de seu território. Temos, portanto, que opor a patrimonialização dominante ao patrimonialismo dos povos”, ressaltou.
Cotas nas universidades
Em sua exposição, Muniz Sodré também debateu racismo e discutiu sobre o lugar que os negros e os índios ocupam na trama das relações sociais brasileiras, além de reiterar a importância de ações afirmativas nas universidades. “A única maneira de lidar com o racismo e com a rejeição racial é a aproximação. Relação racial é um anacronismo a ser superado. Eu sempre fui defensor de cotas. É um princípio vital. Ele é imperativo porque força a aproximação. Os espaços colonizados pela cor branca são hoje destituídos pela colorização”, afirmou.
Para Sodré, a essência da razão patrimonialista no Brasil é político-cultural, e não econômica. “O que o patrimonialista quer é manter aquele grupo específico, manter a familiaridade desse grupo. É por isso que nada feriu mais e fere as classes dirigentes brasileiras do que as cotas. Porque a cota é uma pequena mexida nessa relação, uma mexida que não dá dinheiro na verdade para ninguém, dá algumas oportunidades educacionais, mas isso deixou as elites brasileiras loucas. Indignadas e loucas”, completou.
Sodré: “Marielle era ameaça concreta ao poder”
Horas antes da aula inaugural, o PPGPaCS organizara ato pela memória da vereadora Marielle Franco, do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL/RJ), e de Anderson Pedro Gomes. Ao falar sobre os assassinatos ocorridos, Muniz Sodré pontuou o fato de a vereadora ser negra. “Eu não vou dizer que a Marielle foi assassinada porque era negra. Mas eu diria que tem uma chance muito grande de que tenha sido escolhida também por isso. É mais fácil matar gente de cor, do que gente branca, aqui no país”, disse.
A posição social ocupada por Marielle Franco também foi motivo de reflexão. “Eu a conhecia. Eu vi naquela moça uma ameaça concreta ao poder. Simplesmente por ela estar onde estava e falando o que falava. O que vai resgatar o povo de seus grilhões históricos é essa posição, é essa fala, é essa presença, é esse lugar novo. Porque o negro é um lugar. Ele é um lugar diferente, um lugar resistente. E a grande ameaça ali era essa. Pode ter tido outro motivo particular, mas ela era uma ameaça notável”, concluiu Sodré.
Primeira pós-graduação stricto sensu no IM
Otair Fernandes, professor do PPGPaCS, ao encerrar o evento, valorizou a inclusão das mulheres, dos negros e dos indígenas na Universidade, além de reforçar as possibilidades que devem ser oferecidas pela pós-graduação para pensar em novas formas de produção de conhecimento para além do eurocentrismo. “Precisamos pensar outros olhares sobre esse patrimônio hegemônico tradicional. Cabe a nós aprofundarmos esse novo olhar e repensarmos nosso lugar”, complementou.
O evento contou, ainda, com a presença do professor Paulo Cosme, diretor do IM, que assinalou a importância do PPGPaCS como a primeira pós-graduação stricto sensu no câmpus Nova Iguaçu. Fala reforçada pelo coordenador do curso, professor Júlio Sampaio, que ressaltou algumas das características inerentes ao Programa, como a interdisciplinaridade. A vice-coordenadora do PPGPaCS, professora Mônica Martins, também participou da aula inaugural.