— Com colaboração da Fapur, Universidade Rural contribui com pesquisa em programa social do Ministério do Meio Ambiente —
Como um projeto pode ajudar famílias em situação de extrema pobreza e, ao mesmo tempo, incentivar práticas de conservação ambiental? Foi na tentativa de unir esses dois objetivos que nasceu o programa Bolsa Verde, em 2011. Com o apoio da Fundação de Apoio à Pesquisa Científica e Tecnológica da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (Fapur), a Universidade participa da iniciativa desde 2013 através dos professores André Freitas, Flávia Rocha e Rodrigo Medeiros, do Instituto de Floresta (IF), e do professor Ricardo Miranda, do Instituto de Agronomia (IA).
Coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente, o Bolsa Verde é um programa de transferência de renda que concede R$ 300, pagos a cada três meses, a famílias que recebam até R$ 85 mensais por pessoa. Para serem beneficiárias, estas famílias precisam estar cadastradas no programa Bolsa Família e se localizarem em áreas das unidades de conservação.
O projeto Bolsa Verde propõe conceder uma renda complementar ao Bolsa Família, mas a diferença é que, para receber o benefício do Ministério do Meio Ambiente, o responsável familiar se compromete a proteger a natureza. A família beneficiária, portanto, é incentivada a participar de ações de preservação e cursos de capacitação ambiental.
“Boa parte saiu da linha da miséria graças ao benefício”, diz pesquisador
A Rural entrou nessa história para contribuir com pesquisa. Sua função é realizar o monitoramento amostral do programa, ou seja, analisar quem são esses beneficiários, em que realidade eles vivem e como o projeto transforma suas vidas. O responsável por executar essas análises é o biólogo e professor André Freitas, do Departamento de Ciências Ambientais do IF. Depois de entender o que esses dados significam, Freitas repassa suas conclusões à equipe que elabora o relatório anual sobre o andamento do projeto. Além disso, o pesquisador coordena uma equipe de bolsistas e estudantes de pós-graduação que viaja a vários municípios brasileiros, principalmente na região Norte, para entrevistar esses beneficiários e conhecer o cotidiano dessas famílias.
Segundo Freitas, o conjunto de dados é imenso. Só em 2014, por exemplo, eram quase 52 mil famílias beneficiadas pelo projeto. Um ano depois, esse número subiu para mais de 70 mil, e hoje, está na faixa de 48 mil. O professor explica que, através de uma metodologia específica, é selecionado um percentual dos beneficiários que serão entrevistados. A entrevista obtém uma massa de quase 100 indicadores, quantitativos e qualitativos. Os dados recolhidos vão desde a renda média mensal, anterior e posterior ao benefício, até informações sobre o cumprimento dos acordos tratados em relação às atividades de proteção à natureza, como controle de queimadas e poluição. O perfil geral dessas famílias é composto por quilombolas, caiçaras, seringueiros e demais atuantes de práticas extrativistas.
“Boa parte deles está na linha da miséria, mas o interessante é que boa parte saiu da linha da miséria para a pobreza, o que é um avanço grande, graças ao benefício”, explica o professor. “Para mim e para você, cem reais por mês pode não significar nada, mas para essas pessoas faz uma diferença gigante, porque permite que elas possam entrar na roda comercial. É o cara que não tinha dinheiro para entrar no mercadinho para comprar uma carcaça de frango, um pacote de arroz, e que agora tem essa condição”.
Projeto estimula relação cidadã com o meio ambiente
Para Freitas, a partir dos dados recolhidos, foi possível perceber que a quantia em dinheiro não só complementou significativamente a renda dessas famílias, mas também as estimulou a criar uma relação mais cidadã com o meio ambiente. Isso acontece graças à contrapartida que o beneficiário se compromete em oferecer ao se cadastrar no programa.
“Se o beneficiário é pescador, por exemplo, ele tem que realmente cumprir a época do defeso [período em que se evita a pesca quando os peixes estão em período reprodutivo]. Mas para que ele consiga entender e cumprir esses requisitos, os órgãos precisam dar o subsídio necessário, apoio técnico, orientação. Porém, em geral, os órgãos não têm condição de dar essa atenção integralmente, e aí você esperaria um balanço negativo disso. Mesmo ele não tendo sempre esse suporte, ele tenta pôr em prática e cumprir aqueles requisitos com os quais se comprometeu”, ressalta Freitas.
Os estudos de monitoramento amostral acontecem em parceria com a organização sem fins lucrativos Conservação Internacional Brasil e o Centro Internacional de Estudos para o Desenvolvimento Sustentável da UFRRJ (CIntEDS). Também participam do projeto alunos dos cursos de pós-graduação em Práticas de Desenvolvimento Sustentável, Agricultura Orgânica e Ciências Ambientais.
Freitas entrou no programa a convite do professor Rodrigo Medeiros, que iniciou as discussões sobre o tema na Rural, mas hoje se dedica ao cargo de vice-presidente executivo da Conservação Internacional Brasil. Foi também por intermédio de Medeiros que o professor Ricardo Miranda entrou no projeto, logo após o fim de sua gestão como reitor da Rural, em 2013. O papel de Miranda é coordenar a participação da UFRRJ no projeto, junto à Fapur, ao Ministério do Meio Ambiente e a demais instituições parceiras. Uma dessas instituições é a Universidade Federal de Lavras (Ufla), que participa do projeto realizando o monitoramento ambiental sensorial, nome dado ao rastreamento via satélite da cobertura vegetal em todo o território brasileiro abrangido pelo programa. O monitoramento ambiental sensorial serve, principalmente, para perceber como a atuação dessas famílias impacta no local. Segundo Miranda, também participam do projeto instituições como Universidade Federal do Amapá (Unifap), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Universidade Lúrio (UniLúrio), de Moçambique.
“O Bolsa Verde não é uma ideia exclusiva do Brasil. Existe algo parecido em vários países em desenvolvimento, com o apoio de países desenvolvidos. A diferença do nosso é que, em quase todos os outros, desenvolve-se um apoio financeiro mediante serviços ambientais. O retorno que o beneficiário do Bolsa Verde vai dar é a conservação ambiental, é o comportamento pró-ativo que remonta a origem desses grupos familiares tradicionais”, explica o professor Ricardo.
“Num país como o nosso, existem bolsões de miséria espalhados em regiões mais concentradas e menos concentradas, mas pelo país inteiro. Você tem bolsão de miséria em Copacabana, no interior do Pará, na fronteira do Amapá, em São Paulo. Só que esse trabalho [o Bolsa Verde] localiza esses bolsões de miséria e desenvolve um projeto voltado para a interação dessas pessoas com a conservação ambiental”, expõe o professor.
Cortes do governo ameaçam programa
Apesar da sua importância, o projeto se encontra ameaçado por falta de recursos financeiros. Miranda relata que a falta de repasses para financiar custos de pesquisa e até pagamento de bolsas dos beneficiados é cada vez mais recorrente, depois que a crise econômica se instalou no país. Isso fez com que os projetos de monitoramento fossem interrompidos no segundo semestre de 2017.
“O Ministério do Meio Ambiente argumenta que ele não recebeu o orçamento de 2017. Se ele não recebeu orçamento, como é que ele vai repassar o orçamento, através de descentralização orçamentária para as universidades parceiras? E se você acompanha o cenário nacional, você vê que o Brasil está vivendo um momento em que as pessoas estão sabendo o que está acontecendo, porque a informação está mais disponível. Então, como o governo se vê ameaçado, ele precisa de capital para ganhar apoio. Com isso, ele busca orçamento de onde tiver”, explica o professor.
Perguntado se ele acredita que há falta de compromisso do governo atual com o programa, Miranda argumenta que ninguém admitiria falta de compromisso com um programa social.
“Ninguém admite que não tenha compromisso. Mas, na realidade, você poderia chamar, de maneira sutil, de falta de prioridade. Tem governos que assumem que determinadas ações sociais são prioritárias, outros que assumem que não são, porque tem coisas mais relevantes para priorizar. Por exemplo, para o governo atual, a prioridade maior é continuar no governo”, opina o professor.
Na linha de Miranda, Freitas complementa: “Esse problema está diretamente relacionado a todos os cortes que o atual governo está fazendo nas áreas que ele considera que são gastos. Para ele, saúde, educação, desenvolvimento social, ciência e tecnologia não são áreas prioritárias”, explica. “A justificativa do governo é que não tem recurso para pagar os beneficiários, apesar de haver uma lei que determina que esses benefícios sejam pagos, seja o Bolsa Família ou o Bolsa Verde. E se o governo justifica que não tem recurso para pagar os beneficiários, não tem recurso para fazer o monitoramento”, finaliza.
Por Victor Ohana, da Fapur